Capítulo 1.

3179 Words
Eu olho pela milésima vez pelo vidro da janela à procura de um chumaço de cabelo loiro. O bolo está devidamente incrível sobre á mesa, enfeitado com pasta americana rosa e bolinhas de chocolate imitando pérolas. Eu estou ansiosa e sorrio nervosa para o meu avô Mattew que tenta me consolar com os olhos. - Ela não vem, não está óbvio? - Meu pai, Gilbert Moore diz, com as duas mãos na cintura. Eu olho para o homem de barba mal feita e cabelos grandes revirando os olhos disfarçadamente. - Não podemos bater parabéns logo? - Gilbert! Deixe ela esperar, é o dia dela. - Minha avó Letty Moore diz docemente. Eu dou um sorriso sem graça para ela, desistindo de espiar pela janela à espera da minha mãe. Eu volto meus olhos para sala rústica com um amontoado de bolas rosas. Eu odiava essa cor, mas meu pai não sabia disso. Ele só tinha interesse em brigar comigo ou minha mãe. Eu era exatamente como ela. Tinha puxado os olhos castanhos escuros, a boca pequena, e até mesmo a sobrancelha um pouco falhada. Às vezes eu tinha certeza que era por isso que ele pegava tanto no meu pé. Minha melhor amiga Kristen Barton está ao lado da sua mãe Helena, ela vem para o meu lado e oferece um ombro amigo silencioso, ela sabia o quanto aquilo era importante para mim. Minha mãe mais uma vez não tinha aparecido, como no Natal, na ação de graças e no meu aniversário ano passado. Esse ano eu tinha feito de questão de fazer festa só com a minha família. Não tinha chamado ninguém da escola. Eu não tinha tantos amigos assim, mas o pouco, dava para encher a média sala da casa em que morávamos. Era um pouco complicado para que eles viessem, eu e Kristen morávamos à trinta minutos da cidade, e nem todos tinham carro. Eu vou para frente do bolo recebendo de bom agrado a consolação da minha amiga que fez questão de pegar minha câmera para tirar algumas fotos minhas assoprando à vela de dezessete anos. Meu pai faz uma cara de "finalmente" e eu tento esconder à minha de "não enche" mas eu simplesmente não consigo. - Ela não veio para o seu aniversário mas eu estou aqui, e ainda sim parece que eu sou o vilão. - Ele reclama sentando no sofá ao lado da mesa. Eu faço uma força enorme para não olhar para ele. Desde manhã que ele estava tentado me aborrecer, dizendo o quanto tinha gastado na festa mesmo sem eu merecer uma. No fim, eu sabia que essa festa só estava acontecendo porquê meus avós tinham dado o dinheiro e ele estava se aproveitando disso. - Você é igual á ela. Ingrata. Eu bufo saindo de trás da mesa. Helena, a mãe de Kristen olha raivosa para o meu pai. Ela estava acostumada com todo o fingimento dele. Fazia anos que ela nos conhecia. - Vamos bater o parabéns e depois eu vou servir seu prato preferido. - Minha avó diz passando a mão pelo meu cabelo. Ela está adorável com um vestido rodado da mesma cor que o tema da minha festa. Com certeza ela era a única coisa rosa que eu estava amando ali. - Não acho que ela esteja merecendo tacos, acho na verdade que ela merece um castigo. - Meu pai comenta me fazendo respirar fundo colocando à cabeça na barriga da minha vó. A voz dele é suave, doce como açúcar, mas eu sei que ele está falando sério. - Vamos acabar logo com isso, eu preciso trabalhar cedo amanhã. - Ele me olha subindo à velha calça jeans. O conjunto de camisa xadrez, boné encardido e tênis all star só parece piorar todo resto que ele usa. - Para te sustentar. Não para fazer que nem sua mãe que manda uma merreca todo mês. A vontade de chorar é automática. Eu sinto o nó na garganta, sinto meus olhos molharem e ficarem ardido. - Já chega Gilbert. - Meu avô diz, estendo sua mão para mim. - Deixa ela se divertir, para de tentar estragar as coisas. - Eu não estou fazendo isso. - Meu pai responde entediado. - Vocês passam muito a mão na cabeça dela. Eu seguro à mão do meu avô, que me conduz de volta para trás do bolo. Eu tento me animar colocando um meio sorriso no rosto e ignorando completamente à figura do meu pai. Minha avó pega à caixa de fósforo e está pronta para acender a vela, mas uma figura na varanda faz com que a gente cesse a chama sobre á vela. Eu contemplo à figura da minha mãe do outro lado da janela carregando um embrulho vermelho com lilás nas mãos. Saio de trás da mesa, pronta para abrir à porta para ela, mas meu pai coloca a mão na frente do meu corpo me impedindo. Eu estava pronta para perdoar seu atraso, de novo. Ao menos dessa vez ela tinha vindo mesmo. Dou um passo para frente, mas meu pai me impedi novamente pedindo com um aceno do seu braço que eu me afaste. Ele coloca o dedo no lábio e pede para que todos fiquem em silêncio, então percebo o que ele está tentando fazer. Minha mãe bate novamente na porta, e eu vejo minha avó tentada à abrir, mas apreensiva de fazer. Eu afasto o braço do meu pai com ímpeto de adrenalina e caminho até a porta, escancarando ela para minha mãe. Seu cabelo que um dia fora cacheados e castanho escuros como o meu, agora estavam esticados e loiros até a altura dos ombros. A mulher de estatura média me olha sorridente mostrando o presente nas mãos como um pedido claro de desculpas. - Espero que eu não tenha perdido os parabéns. Minha menina cresceu. - Ela me diz dando uma risada aguda. Eu pego o presente e ela abre os braços para me dar um abraço, mas novamente eu sou impedida pelo meu pai que me puxa para trás. Minha mãe olha alarmada para mim, invadindo á casa dos meus avós sem dar importância para o meu pai, que parece uma chaleira fumaçando. - Você tá ficando louco de pegar no braço da menina assim? Ela repreende irritada colocando o presente em cima do sofá e vindo ao meu encontro. Ela passa a mão no meu braço, e eu olho para ela hipnotizada. Eu nunca sabia bem o que dizer para ela quando passávamos tanto tempo sem nos vermos. - Exceto quando estava com raiva. Eram nesses momentos que me lembrava dela curando minhas feridas com assopro quando eu era pequena. Usando toda sua ternura para me consolar depois de um joelho ralado. Acho que era por isso que não conseguia odiá-la. - Você é engraçada Lanie. Não aparece no aniversário dela e quer me repreender como eu crio minha filha. - Meu pai comenta ainda calmo. Menos pela expressão, que está odiosa olhando para minha mãe. Ela solta meu braço carinhosamente e vira o rosto lentamente para o meu pai. Eu tenho vontade de jogar o bolo pela janela, ou de subir agora mesmo para o meu quarto. Todas às vezes era a mesma coisa. Eles começariam com as brigas ridículas e eu ficaria no meio. - Eu estou aqui, você não tá vendo? - Minha mãe rebate irritada. Ela não tinha paciência alguma com as piadas do meu pai. Tinha um tempo que ela costumava ignorar, responder com gentileza, mas isso foi à muito tempo. - Podemos bater parabéns? Sua voz é completamente diferente quando ela se volta para mim. Está gentil, baixa e doce. Eu faço que sim com a cabeça pedindo que ao menos o resto da noite seja boa. Eu volto de novo para trás da mesa e espero que minha vó procure pela caixa de fósforo perdida. - O que você trouxe pra ela? - Meu pai pergunta para minha mãe, olhando com nojo para o embrulho em cima do sofá. - Espero que não seja maquiagem, não quero minha filha com isso. - Ah, por favor Gilbert ela tem dezessete anos, um pouco de maquiagem não faz mal. - Minha mãe responde sem olhar para ele. - Desculpe estragar a surpresa querida, espero que goste. Eu sorrio, feliz por ela e o presente. Mas minha felicidade é interrompida em questões de segundos. Meu pai pega o embrulho de cima do sofá e rasga deixando só a caixa com rosas pintadas à mão. Ele abre a mesma e tira uma paleta de sombras, que ele olha com desgosto. Eu me alarmo saindo de trás da mesa para pegar o presente da sua mão e guardá-lo, mas ele é mais rápido juntando o gloss, batom, e base em uma mão e atirando na grama do quintal. - Não. - Eu digo alto correndo para o lado de fora. Minha mãe, Kristen e Helena vem logo atrás. Eu olho para o quintal escuro sem conseguir ver absolutamente nada. Os postes de luz que meu avô colocará ainda não estavam funcionando. - Você é louco Gilbert? - Minha mãe grita na varanda para o meu pai que termina arremessando à caixa longe. - Qual o seu problema? eu pintei isso pra ela! - Você é uma péssima mãe. Acha que pode comprar ela com isso? - Ele grita dessa vez, coloca para fora quem ele é de verdade. Eu sei que seria agora à troca de xingamentos e acusações. Quero impedir, mas não consigo nem me mover com o que tinha acabado de acontecer. Ele tinha passado de todos os limites. Era meu, era pra mim. - Você esqueceu do aniversário da sua outra filha? - O que você tem à ver com isso? Você não tem nada com minha família. - Sinto uma pontada carregada de muitas emoções furar minha pele. Meu pai me olha rindo com o que ela diz. Minha família. Desde quando eu não era mais sua família? - A Trice também é minha família ela sabe disso. Meu pai gargalha alto. - A única família que ela tem sou eu. - Ele bate no peito com violência. - Essa merda de festa foi eu quem organizou. E você, onde estava? Com aquele bosta do seu marido? - Não é da sua conta! O importante é que eu estou aqui, e que jamais deixaria de vir. - Kristen abraça meus ombros e eu continuo a fitar o chão. A discussão deles continuam, como se eu não existisse. Eu sou o motivo, mas ele não parecem me notar. - Diferente de você que larga ela na mão dos seus pais, e ainda quis entrar em uma briga judicial por ela. - E você nem sequer tentou ficar com ela. - Ele grita de volta. A cada palavra dos dois eu sinto um pedaço de mim descer como água em um ralo de banheiro. - Vai embora daqui. Volta pra sua família de verdade e esquece a Beatrice. E nunca mais trás esses presentes de vadia pra minha filha, ela não é que nem você. Minha mãe desfere um tapa no meu pai que olha incrédulo para ela. Meus avós carregam a mesma expressão assustados. - Chega! - Eu grito chamando á atenção dos dois. - Vocês sempre estragam tudo. Eu odeio vocês! Eu entro na sala, tiro a boina do meu avô do gancho e pego a chave da sua caminhonete. Passo pela varanda como um furacão em direção ao lado da casa onde a velha caminhonete vermelha empoeirada está estacionada. - Beatrice volta já aqui. - Meu pai diz entre dentes de cima do alpendre, mas eu já estou acomodada no banco do passageiro e ligo a chave na ignição partindo para cidade. Não sei bem para que lugar estou indo, mas continuo presa no volante apertando o acelerador. Uma avalanche de lágrimas cobre o meu rosto, molhando minhas bochechas. Eu tenho que passar as costas do braço nos olhos por diversas vezes para não deixar que minha visão fique turva. Eles estragaram tudo, de novo! Mais uma vez eles arrancaram minha felicidade como se eu fosse um nada. Eu queria voltar para os dias de verão em que fazíamos jardinagem. Voltar para os dias ensolarados de domingo com piquenique. Queria que Leonard nunca tivesse entrado na vida da minha mãe. Mas eu não poderia mudar o destino, eu não podia pedir os dias de verão de volta. Eles eram apenas lembranças de um Gilbert mais ocupado e amoroso, da minha família feliz. Esse era um dos piores dias da minha vida. Ao menos ano passado ela não veio mesmo, e eu consegui me divertir com alguns colegas e um karaokê, mesmo com meu pai reclamando à cada dois segundos pelo barulho. Eu estaciono a caminhonete em uma vaga no centro e saio do carro. O circo está na cidade e isso acaba reunindo uma porção de pessoas curiosas para verem os espetáculos. As barracas de jogos e algodão doce enfeitam a praça. Eu me olho através do vidro sujo do carro, limpando as lágrimas e tentando ao máximo esconder os sinais de que alguma hora chorei. Talvez eu conseguisse assistir algum espetáculo e fingir que a noite estava boa. Eu travo a caminhonete com um pouco de dificuldade, colocando a chave entre os meus dedos com firmeza. Ajeito a manga do meu vestido que cai pelo meu ombro e caminho para o outro lado da rua. Uma luz forte de farol atinge os meus olhos, e eu tento deixá-los abertos mas não consigo. Uma moto disparada feia abruptamente girando o seu pneu que para á um centímetro de distância da pele da minha coxa. Eu estou respirando fundo e descompassado fitando à minha pele. Eu podia jurar sentir a sensação de queimação rasgar ela por inteira. Passo a mão pela pele lisa, respirando aliviada por não ter nem um arranhão   - Você não olha por onde anda? - Olho para minha frente, o garoto impaciente arranca o capacete dos seus cabelos revelando fios dourados em uma grande bagunça. Ele tem os olhos claros, não é verde nem azul. Não parece castanhos, são quase amarelos. Um amarelo intenso e extremamente convidativo. Eu passo os olhos pelo seu rosto, comtemplando sua boca rosada. Ele tem um piercing no canto direito da boca que brilha como glliter prateado. Mas o dele é opaco. Ele examina meu rosto arqueando uma sobrancelha perfeita para mim. - Você tem problemas? - O que? - Eu consigo dizer me recompondo. Eu passo a mão pela barra do vestido branco que uso, afim de espantar o nervosismo que me cobre. - Você veio em alta velocidade e eu não vi. - Como você não viu? - Ele pergunta me encarando como se eu fosse uma figura patética. Eu só consigo pensar que nunca tinha visto ele em Field. Se tivesse visto, eu me lembraria do rosto aveludado, da pele perfeita e das roupas elegantes. Ele estrala os dedos na minha face. - Como você não viu? Você estava olhando pro farol. - Me desculpe, eu estava distraída. - Eu assumo balançando a cabeça. Sua moto ainda está de lado como se tivesse congelada na freada. Ele está por cima, segurando o peso inteiro como uma perna só. - Você podia ter se matado. Você estaria morta e eu na cadeia bem antes de me tornar policial. - Eu investigo bem mais o rosto dele. Parece jovem demais para ser policial. Apesar do porte físico. Os garotos da Field não costumavam ter esses braços. - Você é policial? - Eu pergunto instantânea me arrependo na mesma intensidade. - Claro que não, eu sou tenho dezoito anos. - Ele diz como se fosse óbvio. Eu encaro seu piercing tentando saber se aquilo doía para colocar, mas navego para outros pensamentos, tentando saber como ele conseguia ficar tão bonito com ele. - Que foi? Tá apaixonada? - Você é maluco? Porque não vai logo embora? – Eu pergunto saindo do transe. Escondo uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. - Eu gostei de ficar te olhando. Você é bonita. - Ele diz com um sorriso minúsculo no canto dos lábios. - Olha aqui, não fica de gracinha comigo. Eu não te conheço. - Eu digo para ele irritada. Ele se inclina na moto ficando um pouco perto do meu rosto. Seus olhos ficam mais bonitos assim, próximos. O castanho mel era o contraste perfeito com o prateado do piercing. - Você tem certeza que não quer que eu fique de gracinha com você? Eu olho para ele que tem um sorriso sacana nos lábios. Eu fecho os olhos e abro novamente tentando voltar para a realidade dos fatos. Eu quase tinha sido atropelada, e estava de frente com o inconsequente. Mas eu não conseguia usar a raiva dos meus pais contra ele. - Me desculpe, você veio em alta velocidade e seu farol estava alto, por isso você quase me mata. Por sorte eu estou bem. É a vez dele examinar o meu rosto estreitando os olhos. Não consigo decifrar sua expressão até ela se moldar para claramente irritado. - Você praticamente se jogou na frente da moto. Deveria olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. - Ele diz grosso endireitando a moto. - Você que não deveria andar com essa luz alta. Isso pode ser perigoso. - Ele solta uma risada nasalada. - Foi isso mesmo ou está precisando de uma carona? - Eu percebo o seu deboche nítido. Ele apoia o cotovelo na moto me olhando feio. - Não preciso de nada, estou de carro! - Eu digo apontando para caminhonete do outro lado da rua. Ele olha com desdém para caminhonete, depois para mim. - Não tem medo dela se desmontar no caminho não? - Eu percebo que ele segura uma risada. - Você é um idiota. - Eu digo para ele que revira os olhos fechando o sorriso. - E você é maluca. - Ele rebate enfiando o braço por dentro do capacete. Seus olhos descem para o meu vestido rodado um pouco acima dos joelhos, eu coloco as mãos na barra como uma barreira ficando irritada. - Eu tenho namorado. E ele é bravo tá bom. - Eu grito para ele virando de costas. - Ele deveria estar com você agora então. Te ajudando a atravessar a rua. - Ele debocha ainda parado no meio da pista. Eu abro a porta da caminhonete e subo o dedo do meio para ele que dá uma risada forçada. - Espero não te ver de novo, maluca. Eu entro na caminhonete e espero que ele saia primeiro. Eu observo ele checar alguma coisa no celular que tira de dentro da jaqueta grossa e devolve depois revirando o olho. Ele cobre os cabelos loiros dourados com o capacete e me dá uma piscadela fazendo a volta na moto pegando de novo a estrada por onde veio. Ótimo, o dia podia sim piorar, e piorou. Esse idiota tinha acabado de tirar o resto da minha paciência.
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