— Isso é tão divertido, parece como nos filmes adolescentes antigos. Sempre assisto com minha mãe. — Saanvi sorri, abrindo o portão de sua casa.
— Tem certeza que aqui é o melhor lugar?
— Pergunto, observando o enorme casarão a minha frente.
— Sim, minha casa é bastante grande. Então ficaremos confortáveis. — Fala, me puxando pela mão e a afastando em seguida.
— Me desculpe, eu sempre esqueço.
— Tudo bem. — Respondo, já não me sentindo tão m*l assim. Caminhamos pela sala e sou levado ao extremo de meu super foco. Um paraíso de construções de madeira, invadem meu campo de visão. Uma enorme prateleira com livros estão na sala de estar, há também mesas grandes e pequenas, cadeiras perfeitamente alinhadas e puras e luminárias rústicas.
— Ah! Meu pai trabalha com móveis, por isso tantas peças em um só cômodo.
— Isso tudo é maravilhoso, acho que este é um bom lugar para começarmos. — Sorrio satisfeito.
— Eu já disse, não vou lavar nada!!! — Um garoto grita e assusto-me, era o mesmo jovem dos fones.
— Raj!! Não mate sua mãe de tanto desgosto, seus tênis devem estar limpos como o próprio céu!! — Uma jovem senhora, com roupas ainda mais coloridas que as de Saanvi agride o rapaz com um forte t**a na cabeça.
— Mama!!! Eu quero fazer banheiro!!! — Uma minúscula menina corre com as fraldas nas mãos. Meu coração acelera e uma falta de ar me invade, como eles são tão barulhentos?
— Luz da minha casa!!! — Um homem finaliza, me fazendo prender as mãos sobre os ouvidos e por pouco não ter ali mesmo em meio a sala, uma forte crise de ansiedade.
— Davi, está tudo bem agora. — Ouço a voz de Saanvi. Ela fala baixo e pausadamente. Parece assustada e ao mesmo tempo, confortável.
— Onde estamos? — Observo o espaço escuro.
— Eu morri? — Questiono, tentando encontrar uma luz mínima.
— Desculpe, esqueci de abrir as janelas hoje pela manhã. — Responde, fazendo um barulho estridente e trazendo luz ao que parecia um quarto. — Essa janela é antiga, por isso o barulho. — Sorri sem graça. — Quer um gole de água? — Pergunta e a olho sem entender. Ela segue até sua escrivaninha e enche um copo, entregando-me. Eu bebo e respiro fundo.
— Obrigado. — Murmuro, devolvendo o copo e procurando um local para me sentar.
— Pode sentar em minha cama. — Aponta, batendo sobre o lençol e assim faço. — Eu havia me esquecido, sobre o quanto minha família é barulhenta.
— Sim, eles são. Como consegue? Parecem estar há quilômetros um do outro, por que gritam tanto? Eles tem deficiência auditiva ou o que? — Questiono e Saanvi me olha, mordendo o lábio. — Não deveria ter dito isso?
— Acho melhor evitar, para não entristecer as pessoas e causar distúrbios ou depressão.
— Sorri e faço o mesmo, de forma forçada.
— Sabe, eu conheço um lugar onde podemos estudar. Mas, antes, vai ter que passar pela minha família. Se quiser fingir uma crise, sair batendo na cabeça...
— Agora você foi extremamente ofensiva, eu sei disso, porque leio bastante.
— Ahh me desculpe, parece já ter aprendido algo comigo. Viu? Sou uma ótima professora.
— Mostra-se orgulhosa e arqueio às sobrancelhas, franzindo a testa. Como ela podia ser tão... tão...esquisita e soberba?
— Você não me parece alguém que está acostumado com barulho.
— Sim, eu não sou. — Respondo, enquanto caminhamos por uma antiga ferrovia. Eu nunca havia passado por aquele lugar, na verdade nem mesmo sabia que existia.
— Sua casa é silenciosa? — Indaga, se equilibrando pelos trilhos de ferros. O sol bate sobre os cabelos castanhos de Saanvi e o fazem brilhar ardentemente, como se ainda estivéssemos presos ao meio dia, apesar de já ser quase três horas da tarde.
— Eu moro com a minha irmã, o esposo e minha prima Yasmin. Ela é a mais barulhenta de todos, mas parecem se esforçar bastante para não me deixar estressado, por conta do Asperger.
— Desculpe perguntar... — Ela pausa e sinto que precisarei falar sobre o fato de ter um pai ausente e uma mãe morta. — Sou um pouco leiga em questão da diferença entre Asperger e autismo, poderia me explicar? — Saanvi corre e se equilibra em cima de um trem velho, eu me assusto ao vê-la tombar levemente para o lado.
— Suba aqui!
— Não sei se deveria, todo estes trens enferrujados podem causar doença. — Digo, sentindo meus braços coçarem de repente. Eu sei que poderia estar sendo covarde, mas a ânsia de proteger minha integridade era maior.
— Não posso dizer que isto é impossível, mas me parece forte o bastante para aguentar uma doença. — Ri e a observo. Ela realmente era muito f**a ou simplesmente diferente demais?
— Agora me diga, qual a diferença do Autismo e Asperger?
— Ah sim, claro. — Sorrio animado, encostando-me em minha bicicleta, apenas para descansar um pouco da caminhada.
— Não há diferença, estamos todos dentro da sigla TEA ( Transtornos do Espectro Autista). Eu só tenho uma menor necessidade de suporte, que meu primo no caso. Na verdade, quero pedir que não fale "Asperger", não utilizamos mais esse nome.
— Claro, desculpe. Então, você consegue se comunicar melhor com as outras pessoas? Ter uma maior interação social?
— Bom, na teoria...sim. — Sorrio de lado. Toda aquela conversa estava se tornando intimista demais para mim.
— Sabe o que eu acho? — Se dispõe a opinar, pulando do trem e assusto-me mais uma vez. Eu a observo e ela sorri, como se fosse dizer algo bobo. — Acho que, você é uma cópia do autista original. — Fala e gargalho, agora a fazendo se assustar.
— Me desculpe, Eu-eu nunca havia feito isso.
— Coloco a mão sobre a boca e Saanvi começa a rir, pondo às mãos na barriga.
— Nunca havia gargalhado? Por isso é tão estressado. Você é mesmo uma cópia, vamos logo, o lugar está próximo. — Volta a caminhar, ainda rindo e sorrio levemente. Acabo lembrando-me de Gael, que costumava dizer o quanto eu era pirateado. — Eu e minha avó sempre víamos aqui quando eu era criança...
— Suspira, pondo a mão sobre a testa e avistando um trem ao longe.
— Entendi. — Respondo.
— Você deveria perguntar onde está minha avó, se algo aconteceu com ela... — Fala, ainda sem olhar para mim.
— An...desculpe? Você não disse, deve ser por não querer falar sobre.
— Na verdade... — Ela pausa e se vira, para me olhar. Ajeito a bicicleta ao meu lado e lhe observo, aguardando o que iria dizer. Saanvi me deixava extremamente inquieto.
— Quando alguém lhe fala sobre algo íntimo, ela anseia que mostre interesse e pergunte mais, talvez essa pessoa queira apenas desabafar.
— Ah entendi. Onde está sua avó? Ela morreu por isso não vem mais aqui? Ou ela abandonou sua família? — Indago e Saanvi arregala os olhos. — Fiz errado?
— Ah meu Deus, você irá me dar tanto trabalho. E não, minha avó está viva e muito bem...quer dizer, eu espero que esteja. — Suspira, voltando a caminhar.
{...}
— E é assim que você encontra o X da questão. Antes de tudo precisa descobrir o que está faltando... — Digo, enquanto estamos sentados em uma das cabines do antigo trem. Me sentia satisfeito por ter guardado um moletom a mais em minha mochila e agora o usava, para cobrir a mesa onde meus braços estavam apoiados. Saanvi estava sentada a minha frente e mordia a tampa da cabeça com ansiedade.
— Não é fácil descobrir o que falta. — Ela diz e segue com seus olhos para a janela ao nosso lado, coberta por teias de aranha e poeira.
— Que tal treinar um pouco sua relação social?
— Suspira, voltando a sorrir para mim. Saanvi realmente mudava instantaneamente suas feições, era impossível decifrar o que realmente sentia.
— Tudo bem. Podemos começar pelo fato de Isadora estar irritada comigo e eu não entender o motivo.
— Claro, vamos começar por isso. Que tal irmos ao cinema amanhã? Assim eu te explico como deve se comportar.
— Certo, podemos fazer isso.
— Espera, é sério? Quer mesmo ir ao cinema comigo? — Ela se levanta bruscamente e me olha surpresa.
— Sim, desculpe, eu deveria responder não? Me perdoe, ainda não aprendi como me comportar. Sou um péssimo aluno? — Suspiro, sentindo meu corpo tremer.
— Não, não é isso. É só que...eu não estava esperando um cara querer sair comigo. Isso foi legal. — Ri, guardando os materiais em sua mochila. — Então, vamos indo? Tenho trabalho hoje a noite.
— Tudo bem então. — Digo e ela caminha em minha frente saltitante. Seus pulos são tão desastrados, que posso vê-la sofrer diversos acidentes em cada passo que dá.