Estou afundado em dor e mergulhando em amor. Essa parece uma frase que exemplifica realmente o que estou sentindo ou o que deveria ser capaz de compreender. Enquanto pressiono minha pele com minhas unhas e transformo cicatrizes já secas em novas feridas, penso em como Saanvi foi capaz de tomar totalmente o meu poder próprio, em qual momento ela se tornou dona de mim e dos meus atos? Sou como um robô coordenado, sem autonomia ou pensamentos racionais. Ao senti-la me tocar, eu sabia que deveria afasta-la e ir embora daquele lugar o mais rápido que pudesse, se observarmos todas as variáveis elas dariam neste exato momento onde me condeno pela incansável falta de respeito que papai tem em mim.
Sinto no fundo de meu coração, que Gabriel sempre me culpou pela morte de minha mãe. Toda essa ausência e desconsideração, só tornam minha teoria ainda mais evidente. Eu sei que ele a amava mais do que tudo e não teve muito tempo para viver todo este amor, então de certa forma decidi aceitar suas acusações e desprezo em relação a mim, o causador de sua constante tortura.
— Sabe Saanvi, eu tenho um filho. — Pastor Gabriel diz, enquanto estamos sentados no mesmo jardim de todas as sextas-feiras. Eu não me sentia muito bem naqueles dias, a saudade que tinha de minha avó e a preocupação em relação a sua vida estavam me deixando um tanto quanto adoentada, mas eu não podia deixar Gabriel sozinho, não naquele dia tão doloroso.
— O senhor nunca me falou sobre sua família.
— Digo, fechando o livro que líamos "A sala de Espera de Deus".
— Desculpe, nunca senti que fosse preciso. Mas, hoje, lembrando-me de um dia tão terrível em minha vida não poderia deixar de falar sobre ele.
— O que o filho do senhor teria a ver com a morte de sua esposa? — Pergunto e Gabriel olha para mim, seus olhos estão vermelhos.
— Ele nasceu, quando minha esposa faleceu.
— Diz duramente e o observo, aguardando o que diria em seguida. — Desde aquele dia tenho me privado de ter um relacionamento com ele, não por odia-lo, mas por me sentir culpado.
— O senhor se sente culpado por não ter conseguido salva-la mesmo sendo médico?
— Pergunto e o homem assente, suspirando. Ele estica seus braços sobre a cadeira e chora de forma dolorosa. — A culpa não foi do senhor, Deus às vezes faz coisas que não entendemos mas ele sempre tem um propósito até mesmo para a dor.
— Eu sei que sim, conheço a Deus e sei que ele não fez algo assim por odiar o nosso amor. Mas não posso evitar em sentir essa dor todos os dias da minha vida.
— Eu sinto muito, pastor. — Toco sua mão, não sabendo exatamente o que fazer para acalmar seu coração naquele tão difícil momento.
— Sabe, preparei algo para ele nesta semana. Queria que soubesse o quanto o amo e me importo com suas necessidades e interesses.
— Sorri levemente, limpando os olhos e o observo animada.
— Isso é incrível, pastor. Como foi? Ele gostou da sua ação? Vocês conseguiram conversar?
— Pergunto e o mesmo discorda, olhando para mim fixamente. — Por que me olha, senhor?
— Talvez você possa me dizer como ele se sentiu, Saanvi. — Fala e não entendo suas palavras. — Naquela noite, peguei o meu carro e dirigi até o local onde pastoreio... você o acompanhava, segurava a mão dele.
— O que? — Me levanto rapidamente. — Espere, o senhor é o pai do Davi? — Pergunto assustada e Gabriel concorda, ainda aguardando minhas palavras. — Por que o senhor o deixou tão só? Não sabe toda dor que ele sentiu durante a vida inteira? — Questiono sentindo meu coração se apertar.
— Me sinto arrependido, por isso preparei aquela apresentação com auxílio às necessidades dele. Você não acha que foi algo bom?
— Uma apresentação em computador não o fará esquecer toda solidão que deve ter sentido, por acreditar que o pai lhe odeia pela morte da mãe, senhor Gabriel. Como o senhor pode agir assim?! — Grito e perco o ar junto a minha voz, busco respirar, mas não consigo, estou a me perder em meio a uma nuvem escura.
— Saanvi, o que está acontecendo querida?
— Ouço a voz do pastor Gabriel pela última vez, antes de fechar os meus olhos e despertar em um quarto insuportável claro.
— Luz da minha casa, como você está? — Papai pergunta abraçando-me. — Sente alguma dor?
— Pergunta me observando assustado.
— Filha, que bom que acordou! — Mamãe também corre em minha direção. Eles usam roupas características da índia, estavam em uma cerimônia da nossa cultura e eu havia os atrapalhado.
— Se acalmem, eu estou bem. Foi apenas uma crise de ansiedade como das outras vezes.
— Digo sorrindo e mamãe começa a chorar, sendo abraçada por meu pai.
— Mana! — Meu irmão mais novo corre, me abraçando aos prantos e vejo que algo não estava cheirando bem. Raji nunca me abraçaria de forma tão carinhosa sem ao menos ser obrigado por meus pais.
— Gente, o que está acontecendo? Por que vocês estão chorando tanto? E Raji? Qual o motivo deste abraço voluntário? — Sorrio sem graça. Gabriel passa pela porta, ele está ao lado do clínico geral de seu hospital e de mais um rapaz desconhecido para mim.
— Saanvi, querida... — Gabriel fala e sorrio levemente. Me sentia envergonhada por tudo que havia dito a ele anteriormente, eu não tinha nenhum direito de me meter em algo tão doloroso para ambos.
— Pastor, me perdoe... — Falo e o mesmo move a cabeça em negação, se aproximando e segurando minha mão. — Saanvi, quero que conheça o doutor Tiago, ele é cardiologista aqui em nosso hospital.
— Olá Saanvi, podemos conversar um pouco?
— Indaga e sorri. Seu sorriso era sereno, havia gentileza erradiando pelo rosto tão belo e bronzeado do jovem.
— Gente, por que toda essa aflição no olhar de vocês? Preciso de cardiologista para atestar minha ansiedade agora? — Pergunto, tentando me fazer de boba. Eu sempre fui uma garota inteligente, apesar de não apreciar a leitura dos livros didáticos, tinha vivência prática se assim posso dizer.
— Saanvi, você está com sintomas de insuficiência cardíaca. Seus pais nos contou que quando criança você teve cardiopatia congênita, mas se curou e isso é algo incrível, que raramente acontece.
— Ah obrigada. — Respondo sorrindo. Eu estava orgulhosa de mim mesma, apesar de ter outra doença em minha lista recente.
— Sim! Então, podemos ficar confiantes de que ela ficará boa, certo doutor? — Mamãe pergunta e o tal doutor Tiago não parece mais tão solícito.
— Antes de dar ultimatos, quero explicar como funciona essa doença. A insuficiência cardíaca impede que o coração bombeie o sangue corretamente, então os fluídos se acumulam em outros lugares, como o pulmão...por isso tem sentido falta de ar constantes.
— Ah claro, agora tudo faz sentido mamãe.
— Respondo sorrindo e todos me olham sem entender. — Tenho tempo de vida previsto? Algo bem dramático? — Questiono cruzando os braços e Gabriel suspira, caminhando para fora do quarto.
— Se não encontrarmos um doador, até o final do ano. — Fala e meus pais se derramam em prantos, assim como meu irmão que abraça-me.
— Ei bobinho, vai ficar tudo bem. — Digo, segurando as lágrimas dos meus olhos. Eu precisava ser forte por eles e não podia me deixar gastar o restinho de batimentos que haviam em mim em um único dia. Eles eram contados e precisava aproveita-los o quanto fosse possível.