Capitulo 5 - O Jardim Secreto

1371 Palavras
- Vamos lá, isso nem doí – eu falo pelo que parece ser a milésima vez para um Vince aborrecido. Deus, já fazia mais de uma semana e ele continuava insistindo em não tomar os remédios e muito menos aceitava a aplicação da injeção. - Não doí porque não é com você - Acredite, eu já tomei diversas vacinas e tirei mais sangue do que pode imaginar – me aproximo da cadeira, mas ele se afasta de novo – Vince! - Não vou tomar e pronto – ele faz uma careta e coloca a mão em torno dos olhos – Estou até me sentindo meio tonto, isso é culpa sua - Se você me deixasse aplicar a injeção não estaria passando mal - Uma ova que não Suspiro cansada e olho ao redor do quarto, ainda com a injeção na mão eu olho para Vince de novo e tenho uma ideia. Ele iria me deixar aplicar nem que fosse forçado - Tudo bem, que tal assim – pauso e começo a colocar as coisas dentro da maleta bem devagar – Eu faço isso mais tarde, quando você estiver desmaiado. - Desmaiado? – ele diz e eu aceno séria. - Sim, porque essa injeção é importante para você conseguir passar o dia sem dores e tudo mais – guardo um frasquinho e vejo com o canto do olho ele me observar desconfiado – Mas tudo bem, daqui a algumas horas eu volto. - Você está mentindo - Eu queria estar Vince, mas infelizmente não estou – eu falo e fecho a maleta com um clique silencioso – Bom, eu acho que vou organizar os seus remédios e.... - Aplique logo - O que disse? – eu falo e ele bufa raivoso - Aplique logo Dou um sorriso e tiro a injeção de dentro da maleta junto com o algodão com álcool. Passo de leve e antes que ele se esquive eu aplico, e não posso deixar de sorrir quando o vejo fazer uma careta dramática. - Viu? Nem sentiu - Senti sim, não estou morto - Verdade? – eu falo e começo a guardar de verdade as coisas – Então vou ligar para cancelar o caixão. - Você é uma moça muito malvada. Não sei como admitiram você como enfermeira - Do mesmo jeito que você me contratou. Na força do ódio Ele estreita os olhos e eu sorrio terminando de guardar. Olho de novo para o quarto e faço uma careta para as cortinas ainda fechadas, mesmo sendo quase dez da manhã, o quarto ainda parece meio escuro e mórbido. - O que? – ele pergunta e eu resolvo falar apontando para as cortinas - Porque não abre essas cortinas? - Não sei Fico confusa e olho de novo para ele. Vince era um senhor bem durão para a sua idade (setenta e nove), mas ele não gosta muito que digam em voz alta. Cabelos brancos, olhos escuros e pele morena, e não vamos nos esquecer que ele tem uma postura de alguém que poderia se levantar a qualquer minuto e te dar um soco no nariz. - Como assim você não sabe? - O último medico veio e fechou as cortinas – ele pisca os olhos lentamente e aponta para a janela – Disse que tenho olhos frágeis e que não suportam muita luz Dou risada e ele faz uma careta chateado. - Olhos frágeis? Está brincando? – me aproximo da janela e olho como faço para abrir – Se tem alguém frágil nesse quarto sou eu, você é no mínimo delicado. - Não sou delicado - Maravilha, estão vamos abrir isso – vejo um tipo de corda e puxo de leve vendo a movimentação do tecido, puxo o resto e rapidamente o quarto se enche da luz do sol, sorrio e me viro para Vince que franze os olhos em uma careta – Você está a um trisco de virar o conde drácula do século XXI Ele resmunga alguma coisa e eu aproveito para abrir as extensas janelas que dão de frente para o jardim principal. O ar invade o quarto e eu me viro animada para ele. - Vamos dar uma volta - Não - Vamos sim – pego a sua bengala apoiada na parede e a entrego para ele que sacode a cabeça com força – Anda logo - Não vou - Você vai, e fique sabendo que se você não for comigo eu juro que vou ficar aqui te atazanando até você desistir – ele para de balançar a cabeça e eu sorrio – E então? - Não vou enxergar nada lá fora – ele diz, mas pega a bengala feita com uma madeira pesada. Movo os olhos pelo quarto e vou até o closet dele. Fala sério, quem tem um closet? Olho em todas as gavetas e somente na última de baixo para cima é que eu encontro os óculos lindos e estilosos. Pego o de armação escura e levo para ele que ainda está sentado na poltrona. - Aqui – coloco os óculos em seu rosto e ele suspira antes de se levantar devagar. Pego o seu braço e entrelaço com o meu lhe dando sustentação. - Não preciso de ajuda, você sabe disso - E quem disse que é para você? – eu respondo e ele me olha de lado – Estou me sentindo meio cansada, vou me apoiar em você - Não sou um bom apoio, fique sabendo - Estou avisada – eu falo e começamos a descer as escadas – Prometo que se eu cair eu te puxo junto. - Não é assim que se faz, nunca te ensinaram não? - Infelizmente não, e nem tente, sou um caso perdido Ele resmunga e eu sorrio pisando em mais um degrau. ...................................   O jardim era algo parecido com aquele livro o Jardim Secreto, só que com cores em vez de vim sem pintar, o que eu achava sem graça. Caramba, eu odiava pintar. Sempre pintava fora do desenho. Passo por uma fonte de cor preta e sorrio vendo uma arvore enorme cobrindo uma extensão do jardim do outro lado. - Sabe, até que você tem bom gosto no quesito jardins - Hunf, não sei se isso foi um elogio - Considere que sim e ficamos em paz - Irritante – ele diz baixinho e andamos mais alguns passos até que ele olhe para um dos arbustos na nossa frente e fale com a voz meio distante – Minha esposa era quem cuidava do jardim - Verdade? - Sim, eu queria construir um estacionamento maior e talvez uma casa menor lá atrás, mas ela quis um jardim – ele fala e eu sorrio olhando para as flores - Ela vinha todos os dias bem cedo e regava todas elas, e ficava até a hora do almoço fazendo isso Ouço seu tom contemplativo e paro por um instante de caminhar, ele olha ao redor e suspira parecendo cansado, mas não fisicamente - Qual era o nome dela? – eu pergunto e ele responde baixinho - Davínia Vince - Como vocês se conheceram? - Na Escócia, ela trabalhava em uma livraria e eu não gostava de ler – dou risada e ele me olha por sobre os óculos escuros – Estou falando sério - Então o que você fez? - Fingi que gostava e entrei na livraria procurando só deus sabe. Ela me atendeu e sorriu – ele bate a bengala no chão de leve – Tenho certeza que ela me amou no mesmo instante - Ou pensou: Nossa, esse cara está na seção infantil e nem sabe – eu falo e ele bate a bengala em minha perna – Aí Vince - Bem feito, e eu não estava na seção infantil – ele faz uma pausa e resmunga o resto da frase, mas ainda assim eu o escuto – Ou pelo menos acho que não Cubro a boca com a mão ocultando o riso e ele percebe, me afasto antes que ele mova a bengala de novo e coloco alguma distância entre a gente. - Alguém tem que colocar um freio em você - Nunca Eu falo e ele arqueia uma sobrancelha, dou de ombros e continuamos a caminhada pelo grande e encantado jardim.
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