Tom tentava não pensar no quanto seria difícil ter que se afastar de Sofia quando a sua missão em Aventine terminasse, mas era impossível. Ele estava verdadeiramente apaixonado pela moça e tudo o que queria era encontrar alternativas para que pudessem ir para bem longe dali.
Não fazia a menor ideia de quem era o pai dela, mas com certeza era algum aliado de Eugênio, ou do contrário, não trabalharia na fábrica, nos negócios sujos dele.
Quem ama tem pressa e Tom tinha pressa de estar com ela.
Sendo surpreendido pelas costas, Júlia chegou ao local de encontro tampando os olhos dele com as duas mãos. Não precisava se esforçar muito para reconhecer o cheiro dela, ou a textura suave que deveria ter aquela mão por debaixo daquela luva rendada. Com apenas uma única mão, Tom cobriu as duas dela e voltou-se para a mesma. Eles estavam no mesmo lugar do primeiro encontro, na vila.
Júlia estava ainda mais bonita do que no dia anterior. Ainda eram seis da tarde, e a iluminação do final do dia deixava os cabelos dourados da moça com alguns fios de castanho.
– Está esperando por alguém?– Brincou Júlia, assim que o rapaz ficou de frente para ela.
– Pela moça mais bonita de Aventine.– ele respondeu com o mesmo ar de galanteio.
Júlia apenas abriu um sorriso presunçoso.
– E como anda o advogado mais habilidoso de Aventine?
Tom apenas arqueou uma das sobrancelhas.
– Meu pai andou comentando sobre você. Disse que fechou negócios importantes, que é muito inteligente e competente.– Júlia começou a andar em círculos ao redor dele.– Basta conversar um pouco com você para perceber que os elogios são verdades.– De repente, ela se deteve, voltando a ficar frente a frente com ele.– Só quero saber se também é corajoso.
– Quem é o seu pai, Sofia?– Perguntou o rapaz, parecendo sério.
– Melhor não falarmos disso. Vamos voltar para a parte em que eu te desafio a ser ou não corajoso.
– Quer propor algo? Vá em frente.
– Quero te convidar para aproveitarmos o final de semana em uma das cabanas da minha família. Bom, ninguém vai lá há anos porque dizem que tem fantasmas.
– E você acredita nisso?– Novamente Tom arqueou uma das sobrancelhas.
– Você não?
– Vamos para a cabana, então. Mas hoje, eu quero te mostrar algo ainda melhor, que eu sei que você vai adorar.
– O que é?– Júlia perguntou, curiosa.
Tom a segurou por uma das mãos e a conduziu para o lado oposto da sorveteria que foram no dia anterior.
Havia ume peça musical com representações do século passado, ao que parecia, era algo sobre o Brasil nos tempos do Império.
Aquilo deixou Júlia maravilhada.
– Na semana passada fizeram sobre a segunda guerra.– Murmurou Tom, próximo a orelha dela.
O ar quente que saía da boca dele contra a sua pele a fez ter arrepios.
– Contava a história de moças que se envolveram com soldados americanos, no ínicio da nossa década, e terminaram sozinhas e de barriga.
– Eu li algo a respeito no jornal. Acho um absurdo como os crápulas enganavam as moças.– Comentou Júlia.
– Acredito que vá repetir a história na outra semana. Eles não contam muitas.
– Acredita que eu nunca tinha vindo para esses eventos da Vila?– Júlia suspirou, pesarosa.– A maioria dos concertos e teatros que frequentei eram fora de Aventine.
– Por quê?– Tom parecia intrigado com aquilo.
– Eu não sei. Bom, quando eu era criança menu pai não me deixava colocar os pés para fora de casa. Depois, quando fiz dezoito, fui para uma universidade bem longe de Aventine. Todo mundo se surpreendeu do meu pai deixar-me estudar, mas eu acho que foi um pretexto para poder me afastar e, além disso, colocar dois seguranças no meu rastro.
Tom estava mesmo bastante pensativo. Mas não tinha muito mistério, com toda a certeza, aquilo deveria ser devido aos negócios sujos que o pai da Sofia devia participar em conluio com Eugênio Santiago.
– Ao menos você pôde estudar. Muitas mulheres não podem e infelizmente têm uma visão de mundo limitado. Aprenda, Sofia, conhecimento é poder. Você pode ter o mundo na palma da sua mão com ele.– Ainda por trás da moça, Tom ergueu as duas mãos dela em direção ao mapa do mundo que estava nas mãos dos atores que representavam soldados de Dom Pedro I.
– É o que eu quero, Thomas. Eu quero ter o mundo na palma da minha mão. Quero viajar para muitos lugares, conhecer outras culturas, quero trabalhar, eu quero... Eu quero mais do que me dedicar a um casamento com um homem que eu não amo.– A última parte da frase a moça falou mais para si mesma do que para o rapaz, mas ainda assim ele escutou.
– Como é?– Tom virou-a de frente para ele.– Casar?
– O meu pai quer me obrigar a casar com um homem que eu não amo.– A jovem parecia cabisbaixa, quando Tom ergueu o queixo dela com um dos dedos.
– E se fôssemos realizar todos os seus sonhos juntos?
– C-como assim?– A moça parecia confusa.
– Viajar o mundo inteiro, conhecer outras culturas, ser livre para fazer o que gosta. Poderíamos até abrir um negócio juntos. Eu na advocacia e você na contabilidade.
– Você confiaria em abrir um negócio comigo sem nem me conhecer direito?
– Bastam alguns minutos de conversa para perceber o quanto você é inteligente.– ele acariciou a bochecha da mesma com o polegar.– Além disso, eu sinto que te conheço de uma vida inteira. Parece louco, não é? Tudo em você é como se eu já conhecesse.
Como resposta, Júlia lançou-se para frente e colou os seus lábios nos lábios dele. Tom retribuiu ao beijo urgente, embora precisasse se counter por estarem em público.
– Eu vou com você, Thomas.– Murmurou a jovem, ainda ofegante pelo beijo.– Eu vou com você conhecer o mundo, eu vou com você começar uma nova vida.– Ainda com uma das mãos pousada no rosto dele, Júlia tornou a beijá-lo com a mesma vontade.
– Você, sim, está demonstrando ser corajosa.– disse Tom, assim que interromperam o beijo por mais uma vez.
– E quando iremos?– Perguntou a moça, empolgada.
– Na semana que vem, no sábado.
Júlia congelou.
Sábado que vem seria justamente o dia que a moça oficialmente ficaria noiva de Rodrigo.
Noiva de um homem do qual ela tinha certeza que não amava e que seria infeliz pelo resto da vida se ficasse com ele.
Ela arriscaria, era tudo ou nada. Ela fugiria com Thomas.
– Perfeito, ainda temos um pouco mais de uma semana. Tenho um jantar importante no sábado, podemos aproveitar a distração das pessoas para fugirmos.
– Eu provavelmente também tenho um jantar importante no sábado. Depois desse evento, nos encontramos aqui, na vila, e partimos para outro destino.
Júlia aquiesceu, em concordância, antes de pular nos braços do Tom para mais um beijo.
...
No outro dia, pelo inicio da tarde, como de costume, Júlia havia recebido Soraia em sua casa, afinal de contas, ela precisava contar de sua nova empreitada para a sua melhor amiga.
– O que você tem na cabeça, miolo de pão?– Perguntou Soraia, revoltada, enquanto as duas caminhavam pelo jardim da casa de Júlia.– Você não pode estar falando sério quando diz que vai jogar tudo para o alto por causa de um homem que conheceu há quatro dias.
– Shhhhh, fale baixo!– Exclamou Júlia, sempre olhando para os lados e se certificando de que ninguém as ouviria.– Por que as pessoas se prendem tanto a isso de tempo? Conexões verdadeiras têm um significado bem maior. Eu sinto que conheço o Thomás de uma vida inteira.
– Júlia, você não é personagem de uma rádionovela, carambolas! Esse homem não é um príncipe encantado só porque é inteligente ou tem algo de cultura ou fica estimulando essas suas loucuras de igualdade entre homens e mulheres.
– Isso não é nenhuma loucura e você sabe o muito que fico tiririca quando você diz isso!– Júlia repreendeu a amiga.
– É loucura, sim. O mundo é desse jeito e você precisa aceitar. Eu concordo que as mulheres precisam ter algum estudo, mas não podem ser mais espertas do que o marido e menos ainda trabalhar fora de casa. Só se forem viúvas ou solteironas.
– Você fala cada bobagem que eu não sei como posso gostar tanto de você.– Júlia bufou, contrariada.
– E se ele for um assassino? Um sequestrador? E se estiver te enganando para dar um golpe na sua família? Por favor, Júlia, não me faça ter que traí-la...– Insistiu a moça, com os olhos quase em lágrimas.
– Soraia... Soraia, calma, ouça.– Júlia segurou os ombros da amiga.– O Thomas nem sabe de quem eu sou filha. Esqueceu que ele pensa que o meu nome é Sofia?
– O que piora tudo. Ele pode ficar tiririca quando souber que você mentiu e te abandonar. Já imaginou se você for largada? Ah, Júlia, a sua reputação...
– Nesse final de semana eu vou para a cabana do lago com o Thomas e então contarei toda a verdade. Bom, ao menos vou tentar. Embora eu acho que não importa muito de quem sou filha... Não para o Thomas. Eu sei que o que ele sente por mim é de verdade.
– O Rodrigo é apaixonado por você, Júlia. Ele jamais vai te perdoar se você fugir com outro no dia da festa de noivado de vocês.
– Eu sinto muito, mas esse casamento foi uma escolha do meu pai, não minha. Eu não vou ser infeliz, Soraia.
A outra jovem estava prestes a dizer algo, quando repentinamente o homem mencionado anteriormente aparece.
– Aí está você. Ultimamente m.al nos vemos.– Rodrigo se aproximou, em seguida, puxou Júlia para um beijo.
– C-com licença.– Soraia tratou de se afastar depressa.
Tanto Rodrigo quanto Júlia observaram a outra ir para longe.
– O que deu nela?– Perguntou o rapaz.
– Está nos seus períodos de mulher. Não procure entender, é algo que os homens jamais saberão.
– Não faço a menor questão de saber.– Novamente, Rodrigo segurou o rosto da Júlia para beijá-la.
A moça até aceitou o beijo, mas foi inevitável sentir um gosto amargo na boca.
Ele não a fazia reverberar com um único beijo, como Thomas.
Júlia não sentia o coração bater mais forte ou as pernas ficarem bambas.
Júlia não experimentava a sensação de que os seus pulmões perderiam a capacidade de captar o oxigênio do ar.
Rodrigo não a fazia sentir linda e especial da forma que Tom fazia.
Rodrigo não dava atenção para as suas opiniões e tampouco a tratava como uma pessoa capaz de pensar da forma que Tom a tratava.
As diferenças eram gritantes.
– Eu estou surpresa. Geralmente nesse horário você está na fábrica.
– Eu tirei o horário de almoço para ficar com você. Além disso, o mais novo querido do seu pai está cuidando de todos os assuntos e investimentos delicados referentes a fábrica.– Rodrigo bufou, contrariado.– Eu não sei como um homem com a experiência de Eugênio pode confiar trabalhos tão importantes nas mãos de um desconhecido. Ainda não tem uma semana que aquele tipo está na fábrica.
– E já se mostrou muito competente. Não foi ele quem conseguiu intermediar um negócio importante para o meu pai?
– Você não entenderia se eu te explicasse, querida, isso não é assunto para mulher. Foque em organizar a nossa festa de noivado e em escolher um lindo vestido.
Júlia franziu o venho, não gostou nada da forma que Rodrigo a limitou. Mais uma vez, ele subestimava a inteligência dela.
– Rodrigo... Quando nos casarmos você vai permitir que eu trabalhe fora de casa?
O homem apenas riu.
– Não precisa disso, querida. Trabalhar fora de casa é para mulheres que não têm eira nem beira. Eu vou te dar uma vida de princesa.– ele segurou o rosto dela, novamente, e depositou um beijo em sua testa.– Esqueça essa tolice, hum? Eu vou te dar uma vida de princesa.– Em seguida, Rodrigo a envolveu em um abraço.
Enquanto era pressionada contra o seu ainda noivo, Júlia só conseguia pensar na certeza que tinha de que precisava fugir com Thomas.