- Abre a portaaa – reviro os olhos e corro até a porta do apartamento colocando a caneta na boca enquanto tento abrir – Âmbar?
- Estou tentando abrir – minha voz sai meio abafada pela caneta
- Sabe, não achei que precisasse instruções. Você só tem que girar....
- Cale a boca Flora
Forço um pouco mais o trinco e solto um suspiro quando ela abre, sorrio para Flora, mas paro quando vejo o trinco de ferro na minha mão.
- p**a m***a
- O que.... - Flora abaixa o olhar para a minha mão e começa a rir alto – Tinha que ser você a quebrar alguma coisa – ela entra ainda rindo e se volta para mim ainda paralisada na frente da porta - Estava ficando surpresa por não ter quebrado nada essa semana.
Olho tristemente para o trinco e fecho a porta tentando encaixar de novo, será que se eu passasse cola funcionaria? Forço de novo para frente e o trinco cai na minha mão. Bufando deixo a porta do jeito que está e vou até a sala vendo uma Flora ainda risonha.
- Quer parar de rir? Você sabe que a gente está ferrada
- Não seja dramática, é só um trinco
- Na verdade, eu quebrei o botão do chuveiro – eu falo baixinho mordendo a tampa da caneta
- O que? – Flora arregala os olhos e corre para o banheiro – p**a que pariu, ele vai nos matar
Me jogo no sofá fechando os olhos enquanto penso nas consequências. O senhor Fulton é o dono do prédio em que moramos a mais de seis anos, e nenhum dia se passa em que ele não nos lembre do que já quebramos no nosso apartamento minúsculo.
A maioria das coisas quebradas foram obras minhas
Não tenho culpa....
Talvez um pouquinho
- Sabe, eu acho melhor a gente fugir – Flora se joga ao meu lado colocando a cabeça em meu ombro – Tipo, para as Bahamas
- Ótima ideia – suspiro enquanto me acomodo melhor no sofá ao lado dela – Talvez eu possa ir na sua mala quando você for na lua de mel
Sinto o sorriso de Flora crescer enquanto eu mesma já estou sorrindo. Ela levanta a cabeça e seus cachos pretos e luminosos invadem sua visão fazendo com que ela os coloque para trás com impaciência antes de arregalar os olhos animada.
- Dá para acreditar que em alguns meses eu serei a senhora Thompson?
- Não mesmo – pauso por um instante e falo em tom divertido – Será que Frank sabe no que está se metendo?
Flora me dá um soco no braço e eu resmungo chateada alisando o local machucado
- Você é muito agressiva
- E você é insuportável
- Só com você – eu falo e me esquivo de um novo soco, coloco a caneta na mesinha a nossa frente e me inclino no sofá sorrindo para ela – Como foi a viagem?
- Um tédio total, não me deixaram entrevistar quase ninguém importante – ela resmunga e se joga no encosto do sofá – Me pedem para dar o meu melhor, mas como eu posso fazer isso se as pessoas não cooperam?
- Acho que eu entendo um pouco. Eu não iria querer que alguém me gravasse enquanto estou tentando nadar pelada – eu falo ironicamente e recebo um beliscão na perna – Aí Flora, isso doí
- Bem feito, você sabe muito bem que eu fui fazer uma entrevista sobre poluição nas praias e não era uma praia de nudismo
- Você que acha isso. Juro para você que vi uma mulher passando nua atrás de você na televisão
Ela arregala os olhos e começa a rir alto, sorrio me deleitando com o momento de paz.
- Aquele biquini era hilário mesmo. Parecia transparente – ela fala e eu concordo seriamente – Mas e você? Novidades?
- Algumas
Ela espera enquanto eu me mantenho em silêncio, vendo minha intenção ela pega um travesseiro pequeno e joga em mim com força
- Fala logo!
- Está bem – puxo uma respiração e falo em voz contida – Sabe a indústria Campbell?
- Sei
- Fui contratada para fazer o design do interior de um dos prédios, o mais novo agora.
- Ai meu deus – Flora dá um pulinho em cima do sofá e vem em minha direção me sufocando em um abraço caloroso – Eu sabia, sabia. Era só uma questão de tempo até verem seu talento
- Não se anima muito não – empurro ela para longe e me sento de volta – Adrienne não gostou nem um pouco disso
- Pouco importa, deixe o dragão pra lá
- Isso é praticamente impossível, ela é minha chefe, esqueceu?
Flora resmunga e pula para fora do sofá animada
- Temos que comemorar, vamos comer bastante doce e....
- Ahnn, Flora? Lembra do vestido de.... – Ela me interrompe com uma careta e me puxa do sofá com força.
- Hoje não é dia de pensar em vestidos de casamento, larga de ser chata
- Vestidos? Vai se casar com mais de um? – falo em tom divertido e ela estreita os olhos para mim – Ah espera. Você vai se casar com mais de uma pessoa. Frank sabe?
Flora rosna e eu começo a correr indo em direção ao quarto. Seus gritos me acompanham no corredor e eu me tranco dentro do quarto junto com um Misty animado pulando em cima da minha cama.
- Viu? A gente conseguiu fazer com que ela esquecesse dos doces – eu falo sussurrando e Misty sacode a cabeça como se concordando.
Nós erámos uma ótima dupla.
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O prédio a qual eu iria fazer o design ficava localizado bem no meio de milhares de outros prédios. E isso mudava toda a estrutura.
Porque o prédio tinha que exalar um outro nível que nenhum dos outros prédios exalava, não de forma extravagante ou exagerada, mas suave e perceptível aos olhos curiosos.
O desenho no papel estava se transformando e sendo aprimorado, eu rabiscava e logo depois apagava, usava régua e logo depois a dispensava. Parava e olhava para o nada e depois voltava.
Era minha rotina favorita
Criar, consertar, modificar, construir
Era perfeito
Olho com a cabeça inclinada para um novo ângulo do desenho e apago uma linha fazendo outra em um lugar melhor. Aperto o botão da caneta repetidamente olhando para o desenho e só paro quando o meu celular toca em uma ligação.
Jogo a caneta para o lado e pego ele do carregador, o desconectando. Olho para o número do identificador e suspiro cansada antes de atender.
- Mãe?
- Âmbar? Ai meu deus, você não atendeu nenhuma ligação, estava começando a ficar preocupada com você
Reviro os olhos e me levanto da cadeira da mesa e vou para a cama, me sentando na beirada.
- Estou bem, só ocupada
- Fazendo o que? – finjo que ela não perguntou isso e fico em silêncio, até que ela se cansa e diz com a voz carregada de tristeza fingida – Seu pai está muito chateado, você nem ao menos mandou uma mensagem parabenizando-o.
- Tenho certeza que ele vai lidar com isso
- Ele é seu pai Âmbar – ouço ela se movimentando com os saltos altos do outro lado e espero ela se afastar de quem quer que esteja por perto – Ele só quer o seu bem, e o que você faz? Tenta diminuir ele? Para que? Você precisa crescer Âmbar, estou falando sério
- Claro mãe, pode deixar – concordo com ela em tom sério. Não faz mais sentido discutir sobre algo que não vai mudar
- Venha para casa, vamos conversar. Suas amigas sentem sua falta, sabia? – ela abaixa o tom de voz para um sussurro animado – O Colin vive perguntando sobre você, tenho certeza que ele a perdoaria se voltasse.
Sorrio pelo que ela falou e quase desligo a ligação, mas isso seria criancice, então faço algo melhor, eu a ignoro.
- Âmbar?
- Estou aqui
- Você me escutou?
- Sim
- E não tem nada a dizer?
- Não – eu falo e ela resmunga irritada do outro lado
- Eu juro que tento te entender, mas parece que você faz tudo para nos irritar. Nem ao menos se digna a vir nos visitar de vez em quando Âmbar, estou cansada de seus joguinhos infantis
- Eu também estou – eu falo e me levanto da cama – Então porque não fingimos que não conhecemos uma à outra e simplesmente nos ignoramos? – faço uma pausa e digo com surpresa fingida – Ah não, espera! Nós já fizemos isso, não é?
Ouço quando ela suspira e logo depois a ligação é encerrada, fecho os olhos e inspiro puxando uma respiração.
- Tchau mãe.