Como o combinado, assim que terminou o horário de expediente da companhia telefônica, Bruno aguardava por Tessa do outro lado da calçada.
A garota se despediu da amiga com um beijo no rosto antes de ir às pressas ao encontro do rapaz.
— Chega de tanto suspense. Qual é a surpresa?— Tessa estava com os olhos vendados, sendo guiada pelo homem.
Devido a escuridão, Bruno precisava guiá-la. Ela percebeu que estava subindo algumas elevações. Tropeçou algumas vezes na pedra devido a ponta de seu salto alto, mas o homem não permitiu que ela caísse.
— Tenha um pouco mais de paciência, já estamos chegando.— Murmurou Russo, antes de finalmente parar.
A respiração de Tessa estava ofegante devido ao esforço físico, seus s.eios subiam e desciam em uma ondulação inconstante. Quando Russo finalmente tirou a faixa dos olhos dela, a moça se deparou com uma das visões mais bonitas que alguém poderia ter o privilégio de ver.
Estavam no alto de um mirante e chegaram justo a tempo de encontrar o sol se pondo.
Ao lado dela, Russo percebeu os lindos olhos verdes brilharem de entusiasmo. Ele segurou o queixo meio arredondado e voltou o rosto dela para si.
— Eu preciso falar o que sinto por você desde o primeiro dia que te vi, Tessa.— ele murmurou, próximo o bastante para o seu hálito quente soprar perto dos lábios dela.
Tessa estremeceu com a probabilidade de receber o seu primeiro beijo.
— Desde o primeiro dia que eu coloquei os olhos em você, senti que você merece bem mais do que Girassóis. Você merece conhecer, sentir e experimentar o mundo, exatamente como uma obra de arte.— ele continuou, com os olhos fixos no dela.
Tessa sentia que Russo podia enxergar a sua alma.
— Bruno…— ela tentou dizer algo, mas o homem colocou o indicador no meio de sua boca carnuda e rosada.
— Eu sinto que temos uma conexão especial, Tessa, e eu estou apaixonado por você.— A mão que ainda estava próxima do rosto da garota, ele desceu para a base da nuca.
A garota provou aquele épico sintoma da paixão.
Borboletas bateram asas e voaram por seu estômago.
Qualquer coisa que Tessa pensou em dizer naquele momento se tornou inexistente quando a mesma recebeu o tão esperado beijo.
Os lábios do Russo se moveu lentamente por cima dos lábios dela, a língua foi vagarosa e convidativa ao elineado do pescoço.
Inexperiente, Tessa retribuiu os movimentos que executava a boca hábil do Russo. O sol já estava se pondo naquele final da tarde, o momento foi perfeito.
Quando Russo se afastou, Tessa estava ofegante, quase sem conseguir respirar direito.
— Eu tenho vontade de te beijar assim desde o primeiro dia em que te vi.— ele deslizou o indicador pelo queixo da moça.
— Eu me perguntava porque você nunca tinha tomado a iniciativa de me beijar.
— Por respeito, Tessa. Primeiro, porque eu queria te conhecer melhor, sem atropelar as coisas. Segundo, porque eu sabia que chegaria o momento em que precisaria ir embora.
Russo não conseguiu controlar a satisfação ao ver a expressão de desespero no rosto da garota.
— Embora? Você está indo embora?
— Esse foi um beijo de despedida, Tessa. Dentro de poucos dias eu estou partindo de Girassóis.
— M-mas por quê?
— Eu não quero ir embora sem você, confesso. Eu quero conversar com a sua família e pedir a sua mão em casamento, Tessa, mas para isso eu preciso ter uma estabilidade primeiro.
— Mas você acabou de abrir a sua galeria e ela é um sucesso.
Russo respirou fundo, pesaroso.
— Existem pontos importantes sobre a minha vida e do meu trabalho que você não conhece, Tessa.
— Então conta para mim, quem sabe eu não consigo te ajudar?
— Ouça, querida, você pode me ajudar bem mais do que imagina.— Russo segurou o rosto dela com as duas mãos, seus polegares acariciando as bochechas.— Para isso, precisa conhecer toda a história.
Tessa o ouvia com atenção.
Russo decidiu continuar com aquela conversa no ateliê.
De frente para o quadro “ La Liberté” de Delacroix, foi que Russo revelou toda a origem de seu trabalho.
— Então é você quem faz esses trabalhos?— Tessa parecia sinceramente impressionada.
— Não enxergo crítica na sua voz, isso é muito bom.
— Não gosto de julgar ninguém, Russo.— Tessa voltou-se para ele, bastante séria.— Principalmente sem conhecer os motivos que leva alguém a fazer algo. Claro, não é nada correto enganar os outros…
— É por isso que eu quero mudar de vida. Eu quero abrir um negócio honesto, quero recomeçar a minha vida bem longe daqui.
— Sim, é bastante perigoso o seu trabalho. Embora que, com o talento que você tem, sem dúvidas que venderia os seus próprios quadros.
— Agradeço o elogio, querida. Mas para poder me sustentar com os meus próprios quadros levaria um certo tempo. Eu não tive uma infância fácil, sabe? Trabalho desde os meus oito anos, foi com muito sacrifício que consegui terminar os estudos.
— Eu sinto muito…
— Calma… Ainda não terminei a história. Eu sempre tive amor por pinturas, mas nunca imaginei trabalhar com elas.
As memórias do Russo voaram longe ao recordar de sua infância.
Russo engraxava sapatos e carregava sacolas com mercadorias. As poucas moedas que ganhava era para ajudar a sua mãe a colocar comida na mesa.
Sendo o mais velho de três irmãos e filho de uma mãe viúva, ele se sentia responsável por ajudar no sustento do lar.
— Hoje consegui comprar queijo e leite.— disse Russo, contente, colocando os alimentos sobre a mesa da cozinha.
Edgar e Elisa, seus irmãos mais novos, comemoraram.
Russo tinha por volta de seus doze anos e já havia conseguido um número maior de trabalhos. Ele não frequentava a escola, apenas aprendeu a ler e a escrever graças a um vizinho que era professor.
— Trouxe frutas e verduras frescas para as crianças!— disse Matias, o vizinho mencionado anteriormente.
— Matias!— Comemorou Russo, indo ao encontro do mesmo para abraçá-lo.
— Fique para o jantar, Matias. Vou fazer uma sopa de carne com batatas. As coisas melhoraram um pouco, até estou conseguindo fazer uma feira melhor.— disse Odete, mãe de Russo.
— Que maravilha, que maravilha, não vou recusar sua sopa, mas antes gostaria de conversar com o Bruno. Assunto de homem.
— Sim, sim, claro, fiquem a vontade.— Concordou Odete.
Matias conduziu Bruno para o lado de fora do casebre.
— O que precisa falar comigo?— Perguntou Bruno, curioso.
Matias envolveu um dos braços ao redor dos ombros do menino.
— Ainda faz aquelas pinturas maravilhosas?
— Sim, eu amo pintar. Uso resto de carvão para fazer meus desenhos.
— Eu te darei tintas e pincéis para que possa pintar de verdade.
— Custam caríssimo!
— Eu sei, meu rapaz, mas sinto que posso ter um bom retorno com você.
— O que eu preciso fazer?
— Lembra daquele grande pintor do qual conversamos em uma das nossas aulas?
— Delacroix?— Arriscou Bruno.
— É um quadro dele que vou querer que pinte.
Voltando para o momento atual, Russo ainda sentia toda a adrenalina que passou pelo momento, enquanto se esforçou para aprender todos aqueles traços difíceis.
— Então foi assim que você começou? Graças a esse vizinho?
— Matias mudou minha vida, foi o pai que eu não tive. Ele me ensinou a ler e a escrever, me deu cultura e depois me ajudou a ganhar dinheiro. Já nos primeiros dias o retorno foi grande. Pude me formar no colégio, pude fazer uma faculdade… Pude até pagar os estudos dos meus irmãos. Não era fácil, precisávamos nos mudar bastante.
— Sim, esse homem te salvou de uma vida miserável, mas ao mesmo tempo te colocou em uma trajetória perigosa.
— Trabalhar com a falsificação de quadros mudou a minha vida em muitos aspectos, Tessa. Mas chega uma hora que a gente cansa de tanta peregrinação.
— E o que eu posso fazer para te ajudar a mudar?— Perguntou Tessa.
Novamente Bruno segurou o rosto dela com as duas mãos.
— Fico muito aliviado que você ainda queira me ajudar. Eu coloquei a minha vida nas tuas mãos, Tessa. Eu estou te confiando o meu maior segredo simplesmente por estar perdidamente apaixonado por você.
— Eu também estou perdidamente apaixonada por você, Bruno, e eu quero que fiquemos juntos. Eu não vou te condenar por seus erros, eu acredito, sim que muitas vezes os fins justificam os meios.
— Vamos pensar em algo, juntos. Mas primeiro eu quero aproveitar esse momento com você. O que acha de um jantar?
— Agora vem a parte que você entra em cena. Amanhã é o coquetel da companhia telefônica e eu preciso que você se aproxime do Carlos Collalto.
— Do dono? Mas por quê?
— Ouça com atenção. Eu quero abrir um bistrô na Itália, lá eu tenho cidadania. Nós dois nos casamos na Europa e vamos para algum vilarejo. Mas para isso eu preciso de muito dinheiro, mais do que tenho guardado.
— O que o dono da companhia telefônica tem a ver com isso?— Tessa semicerrou os olhos, desconfiada.
— Eu preciso que você faça com que ele se apaixone por você, Tessa. Eu preciso que se case com ele para ter acesso a toda a sua fortuna.
— Está sugerindo que eu me case com o meu chefe para depois roubá-lo?— Perguntou Tessa, indignada.
— Sim.
— Ouviu o que está dizendo, Russo? Como pretende começar uma nova vida dando um golpe desses em alguém?
— Eu sei, eu sei. Mas será a última vez que engano alguém, Tessa. Eu vou começar um negócio honesto, vou começar do zero…
— E a sua consciência? Como fica? Vai desgraçar a vida de alguém e simplesmente recomeçar?
— Carlos Collalto tem dinheiro para mais cinquenta gerações, Tessa. Não vamos deixá-lo na miséria, vamos apenas pegar uma parte para ir á Itália e montar o nosso bistrô.
— Não me inclua nos seus planos sórdidos. Se for desse jeito, não conte com a minha ajuda.— disse Tessa, irritada, antes de sair pisando duro do lugar.
Russo permaneceu inabalável. Ele sabia que era apenas uma questão de tempo para a garota mudar de ideia.
Tessa era um turbilhão de sentimentos e sensações diferentes, estava sem norte, sem rumo.
Queria chorar, mas não conseguia.
Queria gritar, mas a sua garganta parecia travada.
De repente, se deu um solavanco… Alguém agarrava o seu antebraço.
Tessa gelou ao se deparar com Alfredo, seu irmão mais velho.
— Então é aqui que você fica até mais tarde, não é? Na galeria desse borra tintas!— Rosnou Alfredo, pálido de raiva.
— Não estávamos fazendo nada demais.
— Eu venho observando o seu comportamento estranho e os seus atrasados há um mês, Theresa. Eu só não vim antes porque com a faculdade e o trabalho não tive tempo. Hoje, por sorte, não teve aula e eu consegui te dar o flagrante.
— Você não é meu pai…
— Eu sou o seu irmão mais velho e como o nosso pai faltou, cabe a mim te proteger. Agora venha aqui, vamos colocar um ponto final nessa história.
— O que está fazendo?— Perguntou Tessa, assustada, quando o seu irmão a arrastou para dentro do ateliê.
Russo guardava suas tintas quando toda a agitação começou.
— Então você é o tipo que quer desgraçar a minha irmã, não é?— Perguntou Alfredo, alterado.— Tratem de admitir o que aconteceu, porque vamos reparar isso de uma forma ou de outra.
— Não aconteceu nada!— Exclamou Tessa, desesperada.
— Pare de querer proteger esse vigarista!
— Alto lá, rapaz.— Russo se aproximou do outro, não se deixando intimidar.— Primeiro de tudo, solte o braço da moça.
— Não se intrometa na minha relação com a minha irmã.
— A sua irmã é uma moça de respeito. Eu respeito a Tessa mais do que tudo, não toquei em um fio de cabelo dela e ela jamais deu indícios de que permitiria nenhum avanço inadequado. Se não acredita na palavra dela, a leve em um médico de mulheres, mas saiba que é um absurdo que desconfie da decência de sua própria irmã dessa forma.
Alfredo não parecia ter argumentos para rebater aquilo.
— O nosso pai faleceu, mas eu estou aqui para cuidar da minha irmã e acabar com qualquer sujeito que quiser se aproveitar dela.
— Minhas intenções com a Tessa são sérias. Tanto que por não ter condições de dar a sua irmã a vida que ela merece, eu estou indo embora de Girassóis amanhã mesmo, para que ela possa encontrar um bom marido.
Tessa encarou os próprios pés, envergonhada. Estava furiosa com o comportamento do Alfredo e bastante sem graça pela situação.
Ao mesmo tempo, ficou aliviada e muito grata pela honestidade do Russo. Ele não era nenhum cafajeste, não quis se aproveitar da situação para se vingar dela por não ter concordado com seus planos.
— Foi por isso que estávamos aqui. Conversávamos para colocar um ponto final em algo que sequer começamos.
— Para o seu bem, é melhor que esteja falando a verdade. Se você desonrou a minha irmã, eu te acho no inferno e acabo com você. Vamos, Theresa.
— Adeus, Tessa. Que tenha uma feliz vida… Que possa realizar todos os seus sonhos e nunca desista de você mesma.— disse Russo para a garota, ignorando as ameaças do irmão dela.
Tessa não conseguiu sibilar uma única palavra, estava muito constrangida.
Então, Alfredo a arrastou para fora da galeria.
Russo a assistiu ir embora com a esperança de que ela voltaria. O que Alfredo fez só ajudou Tessa a reafirmar sua paixão, Bruno tinha certeza de que ela mudaria de ideia.