Agatha
Quando eu cheguei em casa às 23h00, Hugo ainda não tinha chegado. Respirei fundo tentando me acalmar e não pensar que alguma coisa r**m pudesse ter acontecido com ele. No meu celular não havia nenhuma ligação perdida ou mensagem dele, então resolvi ligar. A ligação caiu direto na caixa postal. Bufei frustrada, arremessando o celular na cama. "Que d****s aconteceu com ele?" pensei, no auge da irritação. Não tinha nada que eu pudesse fazer, eu não iria sair por aí a procura dele, nem pagando. Ele nem ao menos teve a consideração de me avisar que iria chegar tarde em casa.
Entrei no banheiro e tomei banho, coloquei meu pijama e decidi comer alguma coisa antes de dormir. Sentei no sofá com minha tigela de cereal na mão e liguei a televisão, estava passando um filme qualquer que eu não estava prestando atenção, pois minha cabeça se encontrava no irresponsável do Hugo.
Passados 10 minutos desde que havia me sentado no sofá, Hugo chegou. Ele se surpreendeu de início ao me ver na sala, seus olhos se arregalaram, mas logo ele vestiu uma expressão de calma no rosto.
― Ficou acordada esperando por mim? - disse, exibindo um sorriso de presunção.
― Onde estava até essa hora, Hugo? - indaguei, sem paciência. - Porque não me avisou que iria chegar tarde? Eu te liguei, mas só caia na caixa postal. Onde se meteu o dia todo?
― Calma, amor. Eu estava com os meus novos amigos do trabalho. - Hugo chegou perto de mim para me abraçar, eu o afastei. Nessa hora, eu senti um forte cheiro de bebida.
― Pelo jeito você bebeu também. A noite deve ter sido boa. Por onde andou? Você ainda não me disse.
― Eu falei, estava com meus novos amigos. Fomos a um barzinho em Copacabana. - se jogou no sofá ao meu lado.
― Certo, então você passou na entrevista?
― Sim! Eu consegui o emprego, eles gostaram de mim. - falou, animado.
― Eu fico muito feliz por você, de verdade. Mas porque não me avisou que chegaria tarde? E porque o seu celular está desligado?
― Desculpa, amor. Eu fiquei sem bateria. - ele tira o celular do bolso e me mostra. Eu constato que ele está dizendo a verdade.
― Ok. Então você ficou o dia todo no barzinho com seus "novos" amigos do trabalho? Onde foi depois que saiu da entrevista? - quis saber. Essa história m*l contada não estava me convencendo.
― Qual é, Agatha? Vai ficar me interrogando agora? Já tá se achando a detetive, é? - ele se levanta estressando e vai em direção ao quarto.
― Hugo! Você não me respondeu. - vou atrás dele.
― Eu vou dormir, estou cansado. - ele tira a roupa e entra no chuveiro. - Parece até que já somos casados.
Eu sou risada, irônica.
― Por acaso você acha que estamos brincando de casinha? Pode ficar com a cama, eu vou dormir no sofá.
Ele não responde.
Pego roupa de cama e vou para a sala. Lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto, enquanto eu me ajeitava no sofá. "Porque ele está agindo assim? Porque de uma hora para outra, minha vida ficou tão infeliz?". Não sei por quanto tempo chorei, quando as lágrimas cessaram, o sono me dominou.
Na manhã seguinte, eu não estava aguentando de dores nas costas por ter dormido nesse maldito sofá. Me levantei e fui ao banheiro tomar um banho, Hugo ainda dormia. Tomei um banho, coloquei uma calça jeans, camiseta branca e minha jaqueta de couro preta. Calcei um coturno e coloquei o blazer na bolsa para eu pudesse me trocar ao chegar no trabalho. Me maquiei, passei perfume e deixei meu cabelo solto.
Hugo se levantou quando eu já tinha acabado de me arrumar. Ele caminhou até mim, com o rabinho entre as pernas. Suas mãos seguravam a cabeça dolorida, proveniente da ressaca de ontem.
― Minha cabeça está explodindo.
― Não é para menos, você não acha? - digo, sem olhar para ele.
― Amor, não vamos brigar logo de manhã. Me perdoa pela explosão de ontem, eu... só estava cansado.
― Eu também estou cansada, Hugo. Muito, muito cansada. Já estou indo para o trabalho.
― Não vai tomar café?
― Estou sem fome. Quando você começa no emprego novo?
― Hoje mesmo, mas com essa dor de cabeça...
― Ah não! Você não está pensando em faltar logo no primeiro dia, não é? E aliás, se não se apressar, vai chegar atrasado. O que não seria nada bom para sua imagem. - pego minha bolsa e capacete e caminho em direção à porta.
― Vi que consertou sua moto. Poderia me dar uma carona, não é? - pede. Eu suspiro.
― Se apresse então. Por falar nisso, agora que está trabalhando pode muito bem tirar seu carro da garagem.
Ele finge que não escutou e entra no chuveiro.
20 minutos depois, ele sai e vai para a cozinha tomar café. Eu o impeço.
― Não dá tempo, Hugo. Já está tarde, não posso me atrasar e nem você.
Ele bufa e pega seu capacete.
Já na garagem...
― Posso pilotar? - pede.
― Claro que não! Você sabe que ninguém além de mim, coloca as mãos na minha moto. Vamos! Suba.
― Quanta bobagem, meu Deus.
Eu o ignoro e saímos.
Deixo ele na entrada da construtora, ele desce e me dá um selinho demorado.
― Saudade da sua boca. Você sabe brigar comigo. - reclama. - Aliás, você corre pra c****e, tá louco!
Eu dou risada.
― Até mais tarde, amor.
Rafael
Cheguei na delegacia arrastando o sujeito. Mônica, a mulher dele, vinha logo atrás com um olhar amedrontado. Todos se levantaram surpresos quando entrei com o desgraçado em punhos.
― Carcereiro, pode jogar na cela. - joguei o homem para ele.
― Eu quero o meu advogado, eu tenho direito. Mônica! - esbravejava o agressor.
― Leva, leva, leva. Pode levar. - falei. - Você vem comigo, moça.
― Bom dia! Bom dia! Muito bom dia, pessoal! - cumprimentei a todos, animado.
― Bom dia, delegado. - disseram.
― Mauricio, vamos colher o depoimento dessa moça, por favor. - falo para o escrivão.
― Agora mesmo, delegado.
― Sente-se, moça. - peço. Ela obedece e se senta em uma cadeira à minha frente.
― Comece me dizendo há quanto tempo vocês estão casados.
― Há pouco menos de 03 anos. - responde, olhando para as mãos.
― Vocês têm filhos?
― Ain... não. Não temos.
― E há quanto tempo, ele bate em você?
― Ele... ele nem sempre foi assim... ele só fica chateado quando eu faço alguma coisa que ele não gosta.
― Como ele costuma bater em você?
― Co... com... com tapas, murros, chutes, ele também usa o cinto. - gagueja.
― O cinto?! Ele te bate com o cinto? - pergunto estarrecido. Apesar de estar há tantos anos nessa profissão, algumas coisas ainda me chocam muito.
Ela assente.
― E hoje? Qual foi o motivo da "chateação" dele hoje, logo pela manhã? - olho bem dentro dos seus olhos e sinto seu medo.
― Eu... ele me pegou conversando com um amigo da faculdade. Só somos amigos, eu juro. - diz aflita.
― Mônica, você não precisa jurar nada para mim. Vamos entrar com um pedido de medida protetiva para você, ok?
― Ele vai ficar preso, não vai? Ele vai vir atrás de mim, vai me matar. Ele disse que me mataria se eu o denunciasse.
― Se acalme, como eu já disse, vamos entrar com o pedido de medida protetiva contra ele. Se descumprir a medida, ele poderá pegar de 03 meses a 02 anos de reclusão. Sugiro que se mude para a casa de um familiar que tenha confiança, sua mãe, ou...
― Vou para a casa da minha mãe. - diz ela.
― Certo.
Terminei de registrar o boletim de ocorrência da vítima e comecei a me preparar para mais uma rodada de depoimentos com os familiares e amigos das duas mulheres que ainda continuavam desaparecidas.
Rodrigo entrou na minha sala logo depois que a moça foi embora.
― Está de bom humor, Seu delegado? - já entrou me zoando.
― De ótimo humor, meu amigo, ótimo humor.
― Quem era o cara que você chegou arrastando? - diz, se sentando na cadeira frente a minha mesa.
― Um filho da p**a, agressor de mulher. Eles são meus vizinhos de apartamento, ou pelo menos, eram. Depois de hoje espero que aquela moça faça o que eu aconselhei e se mude para a casa de algum parente. Você acredita que o marido, vulgo filho da mãe, que eu trouxe algemado, já tinha agredido a mulher e continuou com as agressões dentro do elevador. Que por acaso, eu estava também?
― É claro que acredito. Esses filhos da p**a são como uma praga: tem em todo lugar e é difícil de dar fim.
― Se depender de mim, ele vai ver o sol nascer quadrado por muito tempo. Já colhi o depoimento dela, emiti o pedido de medida protetiva contra o marido, e ele será processado por violência doméstica. Estou contente por ter conseguido prender mais um infeliz desses. - suspiro.
― Sem dúvidas. Mas me fala, você nunca escutou as brigas dos dois? Tipo, ele batendo nela antes?
― Não. Eu fico fora o dia todo e às vezes saio a noite, então eu nunca tinha ouvido ou visto nada, até hoje.
― O importante é que você conseguiu prendê-lo, antes que uma coisa pior acontecesse. Hoje vamos colher os depoimentos dos familiares das vítimas desaparecidas de novo, não é? - pergunta.
― Sim. Ainda nos restam duas mulheres desaparecidas, e eu não posso deixar de pensar que esses casos estão relacionados entre si.
― Você quer dizer que acha...
― Que infelizmente, essas moças estão mortas, Rodrigo. Mortas. Seus corpos jogados em algum lugar por ai. - completo sua frase. ― Esse caso está me tirando o sono, sabia?
― Eu sei, dá para ver pelas suas olheiras. - comenta de bom humor.
― Mas falando sério, eu não tenho conseguido dormir direito mesmo. E não vou conseguir, até descobrir o que está acontecendo.
― Nós vamos descobrir, eu tenho fé em nós.
― Eu também, meu amigo.
Alguém bate a porta e eu peço para entrar:
― Entre.
― Com licença, delegado. Os familiares da primeira vítima chegaram. - avisa Mauricio.
A primeira vítima em questão, foi a primeira moça a ser dada como desaparecida: Amanda, 27 anos, trabalhava como auxiliar administrativo em uma empresa do ramo alimentício, moradora da cidade de Duque de Caxias.
― Pode mandar entrar a primeira pessoa, e depois se prepare para colher o depoimento. - peço.
― Ok, delegado.
― Vai precisar da minha ajuda? - Rodrigo pergunta.
― Vou sim, pode ficar por aqui.
― Licença novamente, delegado. - Maurício entra trazendo o primeiro depoente consigo. Eu assinto.
― Por favor, sente-se e vamos começar. - digo.