Ossos do ofício

1992 Palavras
Anya A manhã passou voando, o meu dia de trabalho também. Gosto de pensar que a gente nunca trabalha quando fazemos o que amamos e isso é o que acontece comigo. --- Até amanhã, crianças. --- digo me despedindo dos meus alunos. --- Até amanhã, professora Anya. -- eles dizem. Espero até que todos os alunos tenham saído da sala e pego minhas coisas e saio também. No corredor encontro novamente o Vinicius que me dá um sorriso lindo. Ele nunca demonstrou interesse por mim, a não ser que agir de forma extremamente simpática e prestativa, seja dar cima. --- E aí, conseguiu aguentar o dia? -- ele pergunta, brincando. Eu dou risada --- Consegui sim, os meus alunos são ótimos, não tenho do que reclamar. Quando eu entro na sala de aula, eu esqueço de todos os meus problemas. --- Eu entendo o que quer dizer, quando amamos a nossa profissão, ela se torna uma aliada ao invés de um fardo. --- Isso mesmo, é bem assim que me sinto. --- O Vinicius é dois anos mais velho do que eu, ele tem 25, eu 23. Nós combinamos tanto, em várias coisas, que talvez se ele se esforçasse um pouco mais, poderia até rolar algo entre nós. Mesmo eu não tendo a menor disposição para namorar. Porque namorar significa dar atenção, doar o seu tempo e tudo mais, e eu não consigo nem dormir uma noite inteira. --- Você quer carona? Posso te deixar na sua casa se quiser. -- ele oferece. --- Eu aceito, obrigada. --- A verdade é que eu estava exausta por não ter dormido e queria chegar logo em casa, além do mais eu estava faminta. Cavalheiro, ele abriu a porta do carro para mim. --- Obrigada, Sr. --- falei tirando sarro. Ele rodeou o carro e entrou, deu partida e saímos. --- Eu sou um cavalheiro, ok? Não parece, mas sou. -- ele disse rindo. --- É claro que parece, eu só estava brincando. Você é um fofo. -- digo sem pensar. Ele me olha e levanta uma sobrancelha, é difícil descobrir se ele está surpreso e feliz pelo elogio. Eu fico constrangida e limpo a garganta. "Tá maluca Anya? Fofo? É sério?" --- Eu preferia ser gostoso. --- ele diz sério, eu me assusto e ele começa a gargalhar e depois eu começo a rir também. --- Como eu poderia dizer tal coisa, se eu nunca nem te beijei? --- eu digo ainda rindo. --- A gente pode dar um jeito nisso. --- ele diz me encarando com grandes olhos verdes acinzentados. Eu o encaro boquiaberta sem saber o que dizer. --- Nossa Anya, destrava. Eu só to brincando. --- ele diz, jogando a cabeça para trás e rindo. ---- Uau, você me pegou. --- digo rindo. --- Não, não peguei, mas queria. -- ele diz me olhando com cara de safado. Eu o empurro levemente com a mão. --- Vini! Para, por favor. Tá me deixando com vergonha. -- digo, sorrindo sem graça. --- Desculpa, eu não resisti. Chegamos senhorita Anya. --- ele diz, encostando o carro em frente a minha casa. --- Obrigada, Vi. Você me poupou uma caminhada e tanto. -- digo dando um beijo em sua bochecha. --- Posso te dar carona sempre que você quiser. -- ele diz. --- Não, não quero dar trabalho pra você. --- digo já da janela do carro. --- Não é trabalho algum. Bom descanso, se cuida. -- ele diz sorrindo. --- Pode deixar, vê se descansa também. Até amanhã. --- eu fico observando até o carro dele sumir de vista. Me viro para entrar em casa e me deparo com a Dona Berta me olhando alegremente. --- Boa tarde, Dona Berta. Como passou a manhã? -- eu digo. --- Muito bem, obrigada Anya. Seu namorado trouxe você embora do trabalho hoje? -- ela pergunta sem malícia. --- Oh, Vinicius? Não, não. Ele não é meu namorado, é um amigo querido do trabalho. -- respondo, Dona Berta não foge a regra de vizinha curiosa. --- Pensei que fosse, mas é uma pensa. Vocês formam um belo casal. -- ela diz entrando em sua casa. Eu entro na minha casa, pensando nisso, apesar de ter dado umas investidas, disfarçadas de brincadeiras hoje, Vinícius não parece ter nenhum interesse real por mim. Mas, confesso que senti vontade de beijá-lo, já faz um século que não beijo ninguém. Acho que já esqueci como se faz. Eu entro em casa e subo para deixar minhas coisas no quarto, troco de roupa e pego o celular para ver se tem alguma ligação da minha mãe. Desbloqueio e não tem nada. Estou preocupada, minha mãe nunca fez isso antes, sempre almoçamos juntas todos os dias. Mas, de uns dias pra cá, ela sempre encontra uma desculpa para almoçar fora de casa. Decido ligar para ela, felizmente ela atende no segundo toque. "Oi, filha." "Oi, mãe. A senhora ficou de ligar, lembra? " "Desculpa Anya, eu me esqueci. Vou almoçar por aqui, tenho muitas coisas para resolver no trabalho." "Tudo bem, mãe. Até a noite." Eu desligo e me deixo cair na cama, vou ter que comer sozinha de novo. Desço e faço um sanduíche, não vou fazer comida para comer sozinha. Faço um sanduíche e pego um suco de laranja na geladeira. Me sento à mesa na cozinha e coloco o celular ao lado do prato. Segundos depois, ele começa a vibrar, eu desbloqueio e é uma mensagem da Liz. Mensagem on: - Oi, Any. Já chegou? - Oi, Liz. Já sim. - Posso passar ai? - Claro, já almoçou? - Ainda não e você? - Estou comendo um sanduíche. - Nossa Anya, só bobagem heim. Vou levar uma comida pra gente. Me espera, já chego ai. Beijinho. - Te aguardo, beijos. Mensagem off. Pouco tempo depois, Liz toca a campainha da minha casa, eu corro para abrir a porta para ela. --- Oie, trouxe macarrão ao pesto daquele restaurante que você adora. -- ela diz entrando e me cumprimenta com um beijo no rosto. --- Você sabe do que eu gosto. O que te deu pra você vir aqui hoje? --- Nada, ué. Só queria almoçar com a minha melhor amiga. não posso? -- ela diz, colocando a comida em cima da mesa, eu vou até o armário e pego pratos e talheres. --- É claro que pode. Nossa, está com uma cara ótima. Então, como foi ontem na balada? --- Foi divertido, eu conheci um cara lindo. Muito gatinho. Queria que você tivesse ido também. --- Você e a minha mãe, né? Aliás, ela anda muito estranha. --- Por que você acha isso? --- Ela não vem mais almoçar em casa. -- dou de ombros. --- Hum, me lembrei o que eu ia te dizer ontem. Eu a vi em um restaurante no centro com um homem. -- ela diz tranquilamente. --- O que?! -- eu quase engasguei com a comida. --- Um homem? --- Sim, um coroa bonitão, diga-se de passagem. E eles estavam em um restaurante chique, parecia ser rico. -- Que horas você viu isso?--- pergunto chocada. --- Ontem na hora do almoço. --- Será que ela está almoçando com ele hoje de novo e por isso não veio almoçar em casa? --- pergunto mais para mim, do que para ela. --- Talvez, mas eu acho que você não devia se preocupar assim, Anya. Sua mãe está sozinha há tanto tempo, ela merece se divertir. --- Eu sei, eu só... não entendo porque ela não me disse nada. -- digo chateada. --- Ela pode estar tentando encontrar o momento certo de te dizer. Fica tranquila, ela vai te falar. Só não vai dizer que eu te contei, heim? Não quero passar de fofoqueira. --- ela diz, me olhando sério. --- Não, não vou dizer. Vou esperar que ela me conte. --- assegurei. --- O que você acha de irmos a uma festinha hoje? --- ela pergunta sorrindo. --- De novo Liz??? Como você aguenta? --- É um dom. Vamos? Vai ser na casa de um amigo meu do trabalho. --- Eu não sei não... ---- Vamos, vai.. diz que sim. --- Tudo bem, eu vou. --- Isso, eu passo aqui para te pagar. Você vai se divertir muito, eu garanto. --- ela diz batendo palmas. --- Eu acho bom mesmo. Eu estava chocada com o que Liz tinha me contado sobre a minha mãe, não acredito que ela esteja escondendo isso de mim. Nós sempre fomos amigas, no entanto, eu acho que ela deve ter um bom motivo para isso. Hoje à noite, eu irei sair de casa depois de meses evitando a todo custo socializar. Lucas É quase fim de expediente, quando alguém bate à porta do meu escritório. --- Pode entrar. -- digo. --- Com licença, Sr. Lucas. --- é o veterinário fixo do haras, me pergunto o que p***a ele veio fazer aqui a essa hora, sendo que esperei por ele o dia todo. --- Sente-se, Dr. Lopes. -- digo sério. --- Peço que me desculpe por só ter aparecido agora. -- ele diz se encolhendo um pouco. --- Você deve ter um bom motivo para isso, presumo. --- Sim, eu tenho. --- Eu estou ouvindo. --- Quero pedir demissão. --- Algum motivo em especial para isso? --- pergunto me inclinando sobre a mesa. --- Eu só... olha só, Sr. Carreira, eu recebi uma proposta de um outro haras... --- É mesmo? Me deixe adivinhar... Nosso concorrente? ---- Eu não sei nada sobre isso. Bom... era isso o que eu queria dizer. --- ele diz se levantando. --- Tem certeza disso? -- pergunto. --- Sim, é claro. Além do mais... --- Diga. --- O senhor é um pouco bruto com seus funcionários. -- ele diz de cabeça baixa. --- Alguma vez eu já deixei de tratá-lo com respeito Sr. Lopes? --- Não, nenhuma. --- O que você chama de brutalidade, eu chamo de autoridade. Gosto que meus funcionários andem na linha. Além do mais, se o senhor não tivesse se demitido, eu o teria demitido. Onde já se viu faltar dois dias no trabalho e depois aparecer com essa cara de p*u. --- seu rosto ficou vermelho como um tomate. --- Não se preocupe, hoje mesmo irei rescindir seu contrato conosco. Agora se me der licença, eu tenho trabalho a fazer. -- disse, indicando a porta. Ele saiu em silêncio, fechando a porta atrás de si. Eu bufei irritado, agora teria que ir atrás de outro veterinário. É só dor de cabeça, atrás de dor de cabeça. Assim que o veterinário saiu, me encarreguei de rescindir seu contrato. Depois disso, peguei minhas chaves e tranquei o escritório, queria ir mais cedo para casa hoje, pois combinei de sair com Henrique. --- Não esqueça, hoje às 21h00. --- disse apontando pra ele, enquanto destrancava o carro. --- Ei, espera aí. --- ele veio correndo em minha direção. --- O que foi? não vai dar pra trás, né? --- Não, é só que eu recebi um convite para uma festa na casa de um amigo do namorado da minha irmã, vai ser em uma casa em um bairro chique perto do centro. Tá afim? --- Tá, pode ser. Passo para te pegar na mesma hora. -- digo entrando no carro. --- Beleza. Eu ligo o carro e dirijo até a fazenda, já está começando a escurecer. Entro em casa e não vejo meu pai, nem imagino onde ele pode estar uma hora dessa. Subo as escadas e resolvo passar pelo seu quarto para ver se ele está por lá. Bato na porta e abro em seguida, passo os olhos pelo quarto e nem sinal dele. Não me preocupo, pois ele ainda deve estar na cidade, fazendo o que, eu não faço ideia. Entro no meu quarto, tiro a roupa de trabalho e deito na cama para descansar um pouco. Depois me levantarei e tomarei um banho para sair. Talvez eu coma algo antes de ir.
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