CAPÍTULO CINCO

1541 Palavras
— Sinto muito, Samuel que não tenha sido correspondido e… – começou Gabriel, seu amigo, dias depois após ele ter ficado ausente na companhia em seu horário de almoço, mas ele interrompeu o senhor. — Não, já passou, obrigado. E como você está? – Ele queria mudar de assunto, esse ainda era dolorido como uma faca em seu íntimo e só havia iniciado o assunto por saber que o amigo esperava falar sobre isso, resolveu dar uma explicação, da qual já se arrependia; dizer que não estava namorando Giulia. era doloroso demais, precisava tirar esse assunto do caminho logo. — Estou bem, muito obrigado por perguntar – Samuel se sentiu desconfortável ao ver os olhos do senhor animados por ele, pela primeira vez perguntar como ele estava. –  Estava sentindo falta de nossas conversas, nossos jogos. – Jogou um pedaço de pão para os pombos que os rodeavam. — Meu emprego tem estado meio abarrotado, muitas reuniões. Meus chefes pensam em talvez mudar a empresa para um lugar maior, está ficando pequeno o espaço, pois está expandindo bastante. — Isso é bom, não é, digo, muitos tendo uma oportunidade, mais espaço, mais emprego. — Sim, apesar da carga horária ter aumentado um pouco, é muito bom. Aumentou o número de funcionários desde o ano passado, sei que entraram dezoito pessoas novas  nos últimos meses. — Fantástico. — Pois é. Samuel estava desanimado, tristonho e dispunha as pedras no tabuleiro ao lado dos dois no banco, mas sem vontade alguma de jogar. Gabriel percebeu isso, mas evitou tocar no assunto de sua angústia, já que sabia que o assunto o machucava. — Posso trazer uma amiga amanhã para jogar com nós dois? – Perguntou o senhor, em voz baixa, iniciando com as pedras brancas. — Claro – Samuel lhe olhou com curiosidade. Nunca havia ouvido ele dizer que tinha uma amiga, será que seria uma namorada, ou talvez sua esposa? Porque na verdade não se lembrava com absoluta certeza se ele havia mencionado ser casado. Olhando disfarçadamente para sua mão, não viu ali aliança ou o sinal característico de que já tenha estado uma ali, o sulco que deixava na pele ou o desbotamento pela falta de sol de anos usando uma. — Nunca fui casado – O homem respondeu sem lhe olhar e o rapaz assustou por ter sido tão óbvio em olhar para sua mão, parecia que o amigo tinha lhe lido os pensamentos. — Por quê nunca se casou? – Era sua vez de mexer a peça no tabuleiro e o fez fingindo tranquilidade na voz. — Talvez seja como Giulia disse, não fosse a vontade Dele, sei lá. — Sinto muito. — Por quê? Acha que isso é triste, não pensava assim antes de conhecer o amor, não é? Samuel não soube responder àquilo. Realmente não pensava assim antes de conhecer Giulia, para ele tanto fazia e não, não achava que ser solteiro era ser infeliz. Sempre dizia que adorava servir à Deus e isso lhe completava, dizia ainda que jamais saira a procura de uma namorada, diferente dos jovens de sua idade – alguns já estavam casados e com filhos e eram mais novos que ele – dizia que talvez, Deus o escolhera para semear Sua palavra e por isso nunca se interessara por nenhuma garota. Estava bem como estava. Isso até conhecer Giulia. — Hoje você não está muito concentrado, parece que estou jogando com uma criança. – Gabriel sorriu ao comer uma das últimas peças de Samuel. — Desculpe, estou muito cansado e ainda tenho o resto da tarde para trabalhar. Samuel se despediu dez minutos antes do habitual e voltou para empresa. estava sem cabeça para jogos. O dia se arrastou com ele desanimado e trabalhando no automático. Jantou com os pais, como sempre, mas desta vez, só ouvia os dois conversarem entre si, como burburinhos, sua mente ia longe. Pensava em Giulia constantemente, via-a sorridente, chupando sorvetes, conversando com as irmãs, os pais, via-a chorando encolhida na sorveteria sozinha, lembrava de seu cheiro, de seus pés sobre o colo dele, sendo esmaltado, de seu olhar desconfiado ao lhe perguntar o que queria dela. — Com licença, vou deitar mais cedo – disse, empurrando a cadeira e se levantando, a janta quase intacta. – Mãe, você se importa se eu não ajudá-la com as louças hoje? — Claro que não, meu bem, seu pai me ajuda, vá descansar, está pálido. Deve estar sendo difícil as mudanças em seu trabalho. — Sim, muito. Obrigado, mãe, boa noite e que Deus vos abençoe. – Despediu-se dos pais e se deitou mais cedo. Dormiu com a bíblia sobre o peito. O sonho que teve essa noite, se é que se podia chamar de sonho, foi com seu amigo Gabriel. Ele, Samuel, andava por uma rua estreita, com a metade da largura de uma rua comum. Era madrugada, ele sabia, como nos sonhos sabemos e ele via à frente, seu amigo caminhando e quis alcançá-lo; passou a caminhar mais rápido, mas quanto mais rápido caminhava, mais o amigo se distanciava. Passou então a correr e ainda assim, sem aumentar o passo, seu amigo ficava mais distante ainda.  Era crucial que Samuel lhe alcançasse e, sem ousar gritar para lhe chamar – isso também era implícito que não devia ser feito – ele correu ainda mais, com mais rapidez. A rua não tinha fim, ele não via o final dela ou a junção com outras ruas. Agora sentia medo, por ele e pelo amigo que caminhava sem olhar para os lados ou para trás. Luzes esparsas e amareladas dos postes, não iluminava muito bem e os cantos das calçadas m*l iluminados, lhe causavam medo e arrepios em sua espinha. Ele precisava chegar logo ao lado do amigo, mas se sentia já cansado de correr. Parando e apoiando as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego, continuou a olhar o amigo que continuava indo em frente. Sem saber o motivo, ele temia que algo muito r**m aconteceria, sua pulsação aumentou, a respiração ficou difícil, mas mesmo assim, ele recomeçou a correr. Passando ao lado de um bueiro, ele ouviu seu nome sendo chamado baixo e estacou com o coração chegando à boca com o susto. — Samuel… Outra vez o nome chamou e parecia estar vindo de dentro do bueiro. Parado, olhou para frente e Gabriel estava virando uma esquina. Misteriosamente a rua parecia ter dado em outra e o senhor virava para entrar na única rua que apareceu. Olhando para o amigo que entraria em outra rua, o que dificultaria ainda mais sua chegada até ele, mas olhando para o bueiro de onde alguém o chamava com uma voz assustadora, ele gritou quando pombos saíram de dentro do bueiro. Eram centenas. Os pombos, todos brancos, o rodearam e voavam em círculo ao seu redor. O que mais lhe assustou, foi que as aves tinham os olhos vermelhos e dentes. Como podiam pombos terem dentes, e tão pontiagudos como aqueles? Ao que parecia, eles não o deixariam passar, rodeavam ao seu lado, em dois círculos, um círculo dentro do outro. E com um medo visceral, ele fez o que aprendera na infância e carregava consigo como um amuleto que sempre funcionava quando estava com medo. — Eu vos repudio e os expulso em nome de meu Deus! Saiam, em nome de Seu filho Jesus! Em um milésimo de segundo, não havia mais pombos. Ele estava sozinho na rua deserta, o coração retumbando no peito, o medo premente. E quando foi retornar a caminhada atrás de seu amigo, agora mais devagar, não iria mais correr e tinha fé que o encontraria, ele apareceu na ponta da rua a qual havia virado a poucos instantes. Estavam a cerca de cinquenta metros ou mais de distância. Mas Gabriel  transpôs aqueles metros como se fossem centímetros. Seus pés m*l tocando o chão, ele chegou ao lado de Samuel com uma rapidez desumana e irreal.  No susto, Samuel caiu ao chão. Não entendia como poderia isso ser possível. Mas o susto maior, foi o de ver sua carranca maligna. Seus olhos sem íris, totalmente preto e luminoso, seus dentes todos feitos de presa fina e pontiaguda, suas unhas monstruosas enormes e sujas e o sangue que gotejava delas. Com a boca seca, sem conseguir pronunciar uma palavra, ele permaneceu caído; Gabriel ainda pairando no ar, mirando-o com os olhos luzidios e atrás desse ser horrendo, uma chuva de pombos começaram a vir na direção deles. Samuel conseguiu se pôr de pé e começou a correr sem olhar para trás. Mas a voz, que em nada se assemelhava a de seu amigo, passou a gritar em uma voz assustadora, rouca e diabólica: — Egoísta! Egoísta! O medo não mais lhe impedia de correr, sem conseguir usar de seu amuleto, como fizera com os pombos e sem saber o motivo de não conseguir destravar a voz, ele corria e corria naquela rua interminável. Os pombos passaram à sua frente, uma nuvem de pombos diabólicos na madrugada voejavam acima e a frente dele. Mas ele não parou, até que sentiu aquelas unhas, do monstro parecido com Gabriel a lhe cravar nas costas com tal força, que ele as sentiu chocar em seus ossos. Com um grito, ele acordou.
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