- Uva Chardonnay, uva Sémillon, Sauvignon Blanc e… Pinot Grigio.- Disse Safira, degustando e analisando a bebida com atenção. Seus olhos continuavam vendados pela gravata de Felipe, e o próprio Felipe segurava a taça que estava encostada na boca da garota.- Eu amo essa combinação de uvas brancas. O vinho branco fica com um sabor cítrico, frutado, mas também suave.-
Os seis homens que estavam de pé e ao redor de Safira, se entreolharam com interesse. Ficaram admirados com a performance da garota em descrever minuciosamente os ingredientes que continham naquela garrafa. Um deles, o mais novo, também era sommelier e havia experimentado o vinho que escolheu antes da própria Safira.
- É, o teste de qualidade deles realmente é fidedigno. A sommelier soube identificar todas as uvas.- Falou o homem.
- Convencidos de que nossos produtos são de alta qualidade?- Perguntou Felipe.
Os seis homens se entreolharam por mais uma vez, chegando a um consenso.
- Já podemos assinar a nossa parceria com a Espósito.- Disse o investidor mais velho, esticando a mão na direção de Felipe.- Temos um negócio.-
Felipe segurou a mão do outro homem, apertando-a. Ergueu um sorriso largo de satisfação, e olhou para Safira, que estava com a gravata de seu chefe pendurada no pescoço. Em meio as trocas de olhares de cumplicidade, Safira se sentia em êxtase, explodindo de felicidade. Havia vencido o primeiro grande desafio de sua carreira como sommelier, e ajudou o seu chefe a fechar um contrato importante. Os homens foram embora logo após os papéis serem assinados, e Felipe convenceu Safira de comemorar aquela vitória com um jantar. Ela não estava muito confortável de ter que frequentar um restaurante tão bem selecionado quanto aquele, mas sabia que, uma sommelier requisitada precisava se adaptar á aquele tipo de ambiente. Ela varreu o lugar com os olhos e tentou não se sentir tão intimidada. Respirou fundo e se concentrou no barulho que o seu salto ecoava pelo piso. Só precisava caminhar alguns metros em direção á mesa, escolher um bom vinho e esquecer que diversos olhares diferentes pairavam sobre ela. Claro, ninguém estava prestando atenção de verdade, ninguém se importava com a existência dela ali, mas o medo e a insegurança despertavam gatilhos como aquele.
- Você está bem?- Perguntou Felipe, puxando a cadeira para que sua acompanhasse sentasse.
- Sim, estou. Por que a pergunta?- Safira se acomodou no assento, e acompanhou o homem com o olhar até que ele também se acomodasse.
- Parece tensa.-
Ela respirou fundo e tamborilou os dedos suavemente na mesa. Estava tensa, mas não admitiria algo como aquilo.
- Impressão sua. Estou ótima.- Respondeu a garota.
Para estar ótima, ela precisava se convencer de que estava ótima. Havia algo que repetia para si mesma sempre que estava nervosa, e costumava funcionar para tranquilizá-la. “ Eu quero, eu posso, eu consigo”.
- Eu vou deixar a escolha do vinho por conta da minha sommelier.- Disse Felipe, soltando uma piscadela para a mesma.
Ela engoliu em seco, sentindo o estômago dar cambalhotas. Desde quando a piscadela de um homem causava aquele efeito nela?
- Pode pedir o cardápio.- Disse Safira, confiante.
Felipe gesticulou para o garçom, e esperou que o mesmo se aproximasse.
- Eu quero, eu posso, eu consigo.- Safira sussurrou para si mesma.
- Disse alguma coisa?- Felipe franziu a testa, jurando que ela havia se dirigido á ele.
- Eu disse que já consegui escolher o nosso vinho para hoje.- Falou Safira,
- É mesmo? Como hoje me ajudou a fechar um negócio grande, te darei esse crédito.-
- Vinho Merlot, porque o gosto da vitória é doce, igual a bebida.-
- Safra de 2007. Foi uma boa escolha.- Felipe apontou o indicador na direção dela.
Safira ergueu a boca em um sorriso de lado, e esperou que o pedido fosse feito ao garçom para que ela perguntasse algo que estava lhe atormentando a cabeça.
- Vai ter um evento da revista da minha irmã.- Ela pigarreou para limpar a garganta e também para ganhar mais um tempo que a incentivasse a ter coragem.- E eu gostaria de saber se…-
- Se a Espósito estará presente? A resposta é sim, afinal, temos uma parceria com a Boa Forma.-
- Eu ia te perguntar se…- Safira tentou falar mais uma vez, porém, o garçom chegou naquele exato momento, com as taças e a garrafa de vinho para entrada.
- Eu vou como acompanhante da sua irmã, inclusive. Não sei se ela te contou, mas já tivemos uma história no passado. Enfim, acho que estamos reatando laços antigos.-
- Sei…- Disse Safira, decepcionada.
- O que você ia perguntar?-
- Se você conhece alguém que possa me acompanhar. Não queria chegar sozinha e não tenho amigos homens tão próximos para fazer um convite assim.- Mentiu a garota.
- Hum…- Felipe tentou refletir sobre as opções, levando á boca a sua taça de vinho.- Acho que o Pedro pode te acompanhar.-
- Qual Pedro? O estagiário de direito?-
- Sim, é um bom rapaz. Digo, não que obrigatoriamente vocês precisem ter um encontro, mas…-
- Eu entendi, ele é uma boa companhia.- Safira, mesmo se sentindo desconfortável, completou a frase de seu chefe.
Como pôde ter sido tão i.d.i.o.t.a? É óbvio que uma mulher como ela jamais conseguiria chamar a atenção de um homem como o Felipe. Ela deu uma golada generosa em sua taça de vinho, praguejando mentalmente por ter dado ouvidos á uma afirmação sem sentido como aquela.
- Um brinde?- Felipe ergueu a taça, esperando que Safira fizesse o mesmo.
- Um brinde.- Ela também ergueu a sua taça.
- Ao sucesso.- Disse Felipe.
- Ao sucesso.- Repetiu Safira.
…
Jade exalou o aroma da lasanha enquanto ainda estava na travessa, sobre o pequeno balcão improvisado. Ela caminhou com o objeto até a mesa, no qual Ian estava sentado, e pousou o objeto sem muita delicadeza. Ela olhou para o homem de soslaio, o desafiando a falar qualquer coisa que fosse contra o sabor do prato principal do jantar. Usou uma espátula para fatiar a massa, e serviu o primeiro pedaço para Ian, esperando pacientemente que ele desgatasse.
- Hum…- Ele emitiu aquele som apenas para criar um suspense, mastigando a massa sem nenhuma pressa.- É, não está r.u.i.m.-
- Não está r.u.i.m?- Jade levou as duas mãos á cintura, ficando verdadeiramente ofendida com o comentário.- Não está sendo justo. Já fiz essas lasanhas outras vezes e sei que é muito boa.-
- E você não é nada modesta.- Ian a provocou.
Jade o fuzilou com os olhos, e arrastou as duas taças para o centro da mesa.
- Pode servir.- Falou a mulher.
- Como quiser, diretora.- Com um sorriso de lado, Ian destampou a garrafa de vinho e serviu as duas taças.
Jade prontamente levou a sua á boca, acomodando-se de frente para o mesmo antes de também degustar a sua fatia que já estava no prato. Ela suspirou, aprovando a combinação do vinho tinto com a massa.
- O que fez durante esses quatro anos?- Perguntou Ian, de repente.
Jade parou de mastigar por um momento, sendo pega de surpresa pela pergunta inesperada. Ela terminou de engolir e se remexeu sobre o assento da cadeira, constatando que não sabia o que responder. Durante os últimos quatro anos viveu tanto no automático, que não tinha tantas memórias boas para recordar, não de uma forma que valesse a pena contar. Conseguiu chegar ao cargo de diretora da revista, fez algumas viagens importantes de negócios para Nova York, Paris e Veneza, e melhorou muito a quantidade de visualizações das publicáveis da Boa Forma. A sua vida profissional estava um sucesso, melhor do que qualquer dia ela pudesse imaginar, mas em contrapartida a sua vida pessoal era um zero á esquerda.
- Eu cresci muito profissionalmente.- Ela respondeu, molhando os lábios com o vinho novamente.- Consegui alcançar a maioria dos meus objetivos, e sou feliz.-
- Feliz…- Comentou Ian.- No final das contas, é isso que importa. Lembro que no dia que você estava indo para a Boa Forma, disse que essa viagem também te ajudaria a tomar uma importante decisão sobre a sua vida pessoal. Até agora você não a mencionou.-
- É porque eu ainda não sei.-
- Como não sabe?- Perguntou o homem.
- Ainda não encontrei a resposta que esperava. Mas do que adianta encontrar? Você já seguiu a sua vida e eu terei que seguir a minha também.- Jade ergueu os olhos de seu colo para o rosto de Ian, e não ficou surpresa ao constatar que ele já a olhava.
- Eu não poderia parar a minha vida e esperar sentado por essa resposta.- Disse Ian, amargamente.
- Eu sei, e jamais te condenaria por isso.- Jade esticou a mão, pousando-a sobre a mão de Ian.
Ele puxou a mão para trás, evitando ao máximo um contato mais í.n.t.i.m.o. Estava noivo de Cecília, e precisava se lembrar dela para não fazer nenhuma besteira.
- Tem razão, não adianta mais tentar escolher entre o Felipe ou eu, porque eu já saí dessa disputa há muito tempo. Eu vou me casar com a Cecília, com a mulher que esteve sempre ao meu lado depois que você foi embora.-
- E eu não te desejo nada menos do que a felicidade, porque você merece.- Jade ergueu um sorriso fraco, tornando a segurar no garfo para voltar a comer.
- Você já escolheu o seu acompanhante para o evento da Boa forma?- Perguntou Ian.
- Vou com o Felipe. Você vai com a sua noiva, suponho.-
- É, vou.- Respondeu o homem.
- Você a ama?- Jade tornou a erguer os olhos, tentando buscar um fio de sinceridade na expressão facial do homem á sua frente.
- Eu gosto dela. Tenho muito respeito, consideração, admiração, apreço…-
- Isso não é o mesmo que amar.- Rebateu a mulher.
Ian chegou a abrir os lábios, mas batidas do lado de fora o interrompeu. Ele ficou de pé para atender a porta, vendo aquilo como o pretexto adequado para fugir daquela pergunta. Não amava a Cecília, e ao menos nisso sempre foi franco. Nunca disse um “ eu te amo” para a sua noiva, porque sempre amou outra mulher. Sempre amou aquela mulher que estava até pouco tempo de frente para ele, comendo lasanha, desde o primeiro dia em que a viu - talvez não tivesse desvendado tão rápido os próprios sentimentos, mas agora, conseguia enxergar a verdade n.u.a e crua-, então por isso, não poderia ser desonesto consigo mesmo. Ele girou a maçaneta, ainda pensando no que disse Jade, quando foi pego de surpresa pela presença inesperada de Cecília, parada na soleira. Após um breve minuto de silêncio, Ian conseguiu falar.
- Cecília? O que está fazendo aqui?- Perguntou o homem, incrédulo.
- Não vai me convidar para entrar? Ou está tão ocupado ao ponto de não poder receber a própria noiva?-
Ele se limitou a dar passagem com o corpo, permitindo que a outra mulher adentrasse a cabana. Cecília analisou o ambiente com uma careta, rezando para que não decidissem passar a noite em um lugar tão modesto. Quando seus olhos pousaram na pequena mesinha no canto da pequena sala de estar, a mulher ficou prestes a subir pelas paredes. O primeiro que viu foi a garrafa de vinho e os dois copos, uma cena como aquela sempre levava á outras cenas mais í.n.t.i.m.a.s. Tudo começava com uma boa conversa acompanhada de uma boa bebida, e geralmente o vinho era a opção mais afrodisíaca. Cecília fuzilou Jade com os olhos, e Jade continuou encarando-a com a expressão inescrutável.
- Interrompo algo?- Perguntou Cecília, com a voz cheia de insinuações. Não deixava de fitar a Jade, que prontamente percebeu o ódio aparente no olhar da outra.
- Não.- Respondeu a mulher.- Paramos de trabalhar há um tempo. Por que não se senta e prova um pouco da lasanha que eu fiz? Fica maravilhosa com esse vinho.-
Cecília quase mordeu a língua para não ter que falar os inúmeros insultos que lhe vieram á cabeça. Ela respirou fundo e girou a cabeça na direção de Ian, esperando uma explicação por parte dele.
- A viagem de volta é cansativa, então achamos que seria mais rápido comer logo aqui do que parar em um restaurante.- Explicou o homem.- Por que não prova? A comida está muito boa.-
Cecília precisou respirar fundo mais uma vez ao constatar que o seu noivo estava fazendo elogios á sua ex mulher.
- Vou aceitar. Consegui sair um pouco mais cedo da reunião para passar a tarde com você, então ao menos vou aproveitar a comida.- Cecília segurou a espátula, cortando uma fatia da lasanha e servindo o próprio prato.- A viagem até aqui é realmente cansativa, e que sorte que eu vim, porque do contrário você teria que dirigir alcoolizado.-
- Eu não estou alcoolizado, só bebi duas taças de vinho.- Disse Ian, dando de ombros.
Tanto Jade quanto Cecília franziram o cenho, ambas sabendo que ele estava mentindo.
- Ok, foram cinco, mas eu estou acostumado.-
- Para quem vai dirigir, isso é bem considerável.- Disse Jade.- Eu não te deixaria dirigir assim. Nem que pegássemos um carro de aplicativo.-
- Teríamos que caminhar no mínimo um quilômetro para chegarmos em uma área acessível para os carros de aplicativo.- Falou Ian.
- Seria um bom exercício para as pernas.- Retrucou Jade.
Cecília bufou, não parecendo muito satisfeita com aquela conversa paralela.
- Vocês pretendem passar quanto tempo mais aqui?- Perguntou Cecília.- Eu quero conversar em particular com você a respeito de nossa festa de noivado. Lembra? Combinamos de fazer uma.-
- Claro. Vamos conversar, sim, sobre isso. Eu jamais esqueceria.- Mentiu Ian. A verdade, é que ele nem lembrava de que tinha concordado em fazer uma. Nunca foi muito chegado á festas, principalmente das quais seria o centro das atenções.
- Vamos no meu carro. Depois algum funcionário da empresa leva o seu.- Cecília ficou de pé, deixando a lasanha em seu prato pela metade. Ela caminhou no sentido da porta, olhando por cima do ombro para ver se os outros estavam vindo atrás.
O caminho da volta foi bem silencioso, e o clima estava tenso e ao mesmo tempo constrangedor, principalmente para Ian. Não havia dito para Cecília que a diretora da Boa Forma era a sua ex mulher, e graças a isso a sua consciência começou a pesar. O casal deixou Jade na casa de Mário, o avô dela, e seguiram para o flat de Cecília. Assim que entrou no imóvel, a mulher não teve muita paciência para prolongar mais aquela conversa, precisava ser direta e falar o que tanto a incomodava.
- O que está acontecendo entre aquela tal de Jade e você?- Perguntou Cecília.
- Nada, Cecília. A nossa relação é estritamente profissional. Vai começar a dar ataques de ciúmes agora?-
- Tão estritamente profissional que ela é a sua ex mulher.-
Ian arregalou os olhos, surpreso com aquela acusação. Tentou se explicar, mas a sua voz falhou.
- Não vai falar nada, Ian? Quando pretendia me contar que a diretora da Boa Forma é a sua ex esposa?-