WangXian - Em família

Feridas

“Lan Zhan! Lan Zhan!” Wei WuXian chegou ao escritório do cultivador-chefe com um pequeno cultivador nos braços e acompanhado de mais dois discípulos Lan inseparáveis. “Olha quem veio conhecer o trabalho do papai!” Falava contente, entrando porta a dentro.

“Ba-ba...” o pequeno Wei-Wei foi colocado no chão pelo pai e deu alguns passos em direção ao cultivador-chefe, fazendo-o abrir um pequeno sorriso, esperando a chegada de seu bebê em seus braços.

Lan SiZhui e Lan JingYi sempre ficavam surpresos cada vez que presenciavam seu mestre sorrindo, mas notaram que essa expressão estava ficando cada vez mais frequente na presença do pequeno Lan Wei. 

Wei WuXian levantou os olhos, retirando-os de seu filho e percebeu que seu marido não estava sozinho no local. 

“Irmão XiChen!” O cumprimentou, sendo acompanhado pelos dois juniores. “Perdoe-me! Eu não sabia que estavam em uma reunião....” desculpou-se, pensando estar atrapalhando algum assunto burocrático da seita. 

“Irmão Wei, você e o pequeno Wei-Wei são bem vindos em qualquer lugar do Recanto das Nuvens!” Respondeu amistosamente e voltou-se para o sobrinho, que havia acabado de se aconchegar no colo de seu irmão mais novo, acariciando a bochecha do pequeno discípulo Lan. 

“Obrigado, irmão XiChen!” O patriarca sorriu, mas então lembrou-se de algo. “Receberam notícias da Seita He? Como está a segurança de GuangKou?” Questionou-os. 

Uma breve troca de olhares entre as Duas Jades de Lan e Wei WuXian já entendeu que havia algo a mais ali. 

“SiZhui, JingYi, vocês poderiam levar o Wei-Wei para o salão ancestral? Ele precisa aprender desde pequeno a honrar os antepassados da Seita Lan e mesmo que ele não entenda agora, é importante que ele cresça sabendo a história de sua seita!” Wei WuXian solicitou, pegando seu filho do colo de Lan WangJi e o entregando para seu gege. “Wei-Wei, comporte-se e obedeça seus geges!” Brincou mais uma vez com seu bebê. 

Lan SiZhui e Lan JingYi se retiraram e foi possível ouvir gargalhadas do didi deles pelas escadarias e corredores da seita. 

O patriarca voltou-se para as Duas Jades de Lan e questionou-os com um olhar. Era óbvio que havia um ar de preocupação no ambiente. 

“Irmão Wei, por favor, sente-se!” Lan XiChen indicou o assento a frente de Lan WangJi e ao seu lado. “Recebemos uma correspondência dos cultivadores que enviei a seita He!” Começou a contar. 

“Eles descobriram algo?” Wei WuXian perguntou.

“Não! Na verdade, eles estão proibidos pelo líder He de circular livremente pela seita e só podem ficar vigiando pelo lado de fora dos muros de GuangKou, revezando em dois turnos e os aposentos destinados a eles estão em um prédio periférico, de forma que eles nem mesmo avistaram as senhoritas He Hua e He LiAn nos dias em que estão lá...” Lan XiChen explicou, nitidamente angustiado.

“Vocês acham que o Líder He pode estar escondendo algo?”o patriarca suspeitou. 

“Me parece que essa é uma possibilidade!” Lan XiChen respondeu. “Escrevi em segredo uma mensagem para He Hua, somente assuntos triviais sobre sua recuperação e a viagem de volta, mas quem respondeu foi He LiAn... apenas respostas evasivas, nada concreto!” A angústia no olhar do Líder Lan provocou a compaixão do patriarca, que não queria mais ver o cunhado sofrendo como a semanas atrás, quando soube do noivado de He Hua e Jiang Cheng.

Wei WuXian pensou brevemente sobre isso e uma ideia lhe surgiu. 

“Escreverei à Jiang Cheng! Talvez ele saiba de algo!”ponderou. 

“Hmm!” Lan WangJi respondeu em afirmativa. 

Wei WuXian escreveu imediatamente uma mensagem a seu irmão de cultivo e a mandou através de um mensageiro com urgência à YunmengJiang. 

Lan XiChen não deixava de se inquietar com a situação. O noivado estava desfeito e sua amada deveria estar em segurança na sua seita de origem, mas seu coração lhe dizia que sua futura esposa não estava bem. 

No final do dia seguinte, a resposta de Jiang Cheng chegou. 

“Mestre Wei! Mestre Wei!” O mensageiro chegou a porta da sala onde Wei WuXian ministrava uma aula de investigação aos seus discípulos. 

“Entre! Deixe-me ver isso!” Chamou-o, abrindo a mensagem de seu irmão de cultivo. “Juniores, vocês estão dispensados por hoje! Tenho assuntos a resolver!” Exclamou, causando a preocupação dos jovens discípulos.

“Mestre Wei, tem algo que possamos fazer para ajudar? Talvez o acompanhar em uma caçada noturna?” Lan JingYi se adiantou a apresentar seus préstimos. 

“Oh, não se preocupem!” Deu um sorriso simpático e fingido aos seus alunos. “São assuntos pessoais dos líderes das seitas! Terei que encontrar com ZeWu-Jun e HanGuang-Jun agora!” Explicou, solicito. “Ah, SiZhui, JingYi!”os chamou quando estes já estavam se levantando de seus lugares. “Levem Wei-Wei brincar com os coelhos hoje! Faz tempo que não o levo lá!” Pediu, recebendo uma resposta positiva dos dois juniores. 

Wei WuXian sabia que esses seus discípulos eram curiosos demais, portanto, achava melhor os manter ocupados para assim poder encontrar tranquilamente com as Jades de Lan. 

“As vezes, o Mestre Wei acha que somos babás!” Lan JingYi protestou, já do lado de fora da sala de aula. 

“Não reclame! Se HanGuang-Jun te ouvir, ele nos castigará por semanas!” Lan SiZhui respondeu. 

“Bem, eu até gosto de brincar com aquele pequenino! Ele me lembra muito o ar gélido de HanGuang-Jun, mas é alegre como o Mestre Wei!” Lan JingYi ponderou. 

“Vamos logo!” Lan SiZhui chamou, escondendo um leve sorriso, concordando com a análise do amigo. 

O patriarca atravessou os corredores de GusuLan apressadamente em direção ao escritório de Lan XiChen, encontrando um servo no meio do caminho. 

“Chame HanGuang-Jun imediatamente!” Solicitou e este atendeu prontamente. 

Ao chegar na sala onde Lan XiChen passava a maior parte dos seus dias, resolvendo as questões internas da seita, o cumprimentou e se sentou a sua frente. 

“Irmão XiChen, Jiang Cheng respondeu!” Abriu a mensagem a sua frente, colocando-a sobre a mesa do cunhado. 

Enquanto o Líder Lan a lia, Lan WangJi chegou e foi chamado a se juntar aos dois. 

‘Wei WuXian, meus cultivadores também estão proibidos de entrar em GuangKou. Escrevi a He LiAn e ela disse que o Líder He está furioso pelo fim do noivado e ela teme que em breve ele nos force a reatar esse compromisso! Quanto a He Hua, ela apenas mencionou que a prima ficará bem. Temo pela sua segurança. Pretendo viajar a GuangKou em dois dias e gostaria da sua presença, de HanGuang-Jun e ZeWu-Jun juntamente para vistoriarmos a seita He. Os aguardo. Jiang Cheng.’ 

Este era o conteúdo da mensagem que chegou às mãos do patriarca e que deixou Lan XiChen com o coração ainda mais apertado. 

“Devemos partir amanhã para o Píer Lótus e acompanhar Jiang Cheng à GuangKou!” Lan XiChen ditou, claramente angustiado. 

“Hnm” Lan WangJi concordou, sabendo que este assunto era muito mais profundo do que um simples término de noivado. 

No dia seguinte, logo ao amanhecer, partiram os três cultivadores em direção à YunmengJiang, chegando lá antes do escurecer. 

Jiang Cheng também estava aflito com a situação, mostrando para o irmão de cultivo e para as Jades de Lan as mensagens que recebeu de seus cultivadores e de He LiAn. Havia algo de errado nessa postura do Líder He e era aparente que a prima de He Hua estava escondendo algo em suas entrelinhas.

Os três passaram a noite no Píer Lótus e partiram logo pela manhã, descendo o rio de barco para que não houvesse a necessidade de viajarem em suas espadas, já que a vinda de GusuLan para o YunmengJiang havia sido muito desgastante no dia anterior. 

Chegaram ao cais da cidade portuária de GuangKou no final da tarde. Os comerciantes do local logo se surpreenderam ao ver que aquelas figuras que acompanhavam o Líder Jiang deveriam ser cultivadores no mesmo nível de Sandu ShengShou, dando passagem ao quarteto. Alguns comerciantes mais bem informados observaram os dois cultivadores de branco e azul, com seus ornamentos em prata no cabelo e imaginaram que pela sua postura e vestes, estes se tratavam das Duas Jades de Lan, os reverenciando enquanto eles passavam. 

Chegando aos muros da seita He, os cultivadores que guardavam suas portas logo reconheceram o Líder Jiang, abrindo passagem para que adentrassem ao pátio principal da seita. Tambores foram tocados, anunciando a chegada dos visitantes, como o costume local previa. 

“Sandu Shengshou, o mestre He logo vira atendê-los!” Um servo se dirigiu aos quatro, não reconhecendo os outros três ao lado de Jiang Cheng. “Por favor, me acompanhem até o Salão da cerejeira!” Indicou o caminho. 

Os quatro cultivadores seguiram o servo, enquanto os olhos atentos do patriarca observavam o lugar que mudou pouco desde sua infância em outra encarnação. Lembrara-se de duas ou três viagens que ele e Jiang Cheng fizeram à GuangKou junto com Jiang FengMian, onde conheceram He Hua e He LiAn ainda muito pequenas. 

Além das lembranças que fluíam em sua mente, o patriarca tentava se concentrar, procurando qualquer vestígio, qualquer sinal de irregularidade na seita, mas não conseguira encontrar nada suspeito a não ser o extremo silêncio e solidão. Não cruzaram por nenhum cultivador no caminho que percorreram. 

Chegaram ao salão da cerejeira e se assentaram, aguardando o Líder os receber. 

“Jiang Cheng, estava tão silencioso e vazio assim das últimas vezes que você veio aqui?” Wei WuXian questionou seu irmão de cultivo. 

“Você também percebeu!? Essa é a primeira vez que eu vejo essa seita tão silenciosa!” O respondeu, mas não deu tempo de levantarem hipóteses, já que o líder He chegou, acompanhado por He LiAn. 

“Bem vindos à Seita He! É uma honra recebê-los em minha pequena seita!” Chegou eufórico, cumprimentando um a um dos cultivadores a sua frente, sendo seguido por He LiAn, que estava com a face angustiada e não fazia questão de disfarçar. “Não imaginei que viriam tão rapidamente para a Seita He, por isso não preparei nada para recebê-los, mas não se preocupem! Já ordenei a meus servos para que organizem tudo para tornar a estadia tão confortável e animada possível!”

“Por favor, Líder He, isso não é necessário! Nós apenas viemos vistoriar a segurança da seita e nos certificar que está tudo bem com He Hua e He LiAn!” Jiang Cheng se adiantou. 

“Oh, sim! Os mestres Lan e Jiang estão fazendo um bom trabalho na segurança da minha seita! Eles são extremamente obedientes e não deixam os seus postos!” Se justificou. 

“Então por que o Líder He não os permite entrar nas dependências da seita e só autorizou que eles façam a vigilância do lado de fora?” Wei WuXian não estava mais conseguindo controlar a língua dentro da boca e queria acabar logo com a bajulação desnecessária do Líder He. 

“Ah, não se preocupem quanto a isso! São apenas regras internas da minha seita! Apenas cultivadores He podem circular por dentro dos muros, mas eu garanto que os mestres Jiang e Lan estão sendo bem atendidos!” Falava no mesmo tom. 

“E quanto a herdeira He, como ela está?” Jiang Cheng perguntou, percebendo que Lan XiChen não aguentava mais esperar e estava aflito. 

“Oh, fico feliz que o Líder Jiang se preocupe com minha filha, infelizmente ela adoeceu depois que o noivado foi desfeito!” Falava mostrando-se um tanto dissimulado. “Ela não aguentou a tristeza de ter que desmanchar seu compromisso, mas tenho certeza que sua visita irá alegra-lá e amanhã ela poderá juntar-se a nós no desjejum!” Sugeriu. 

O tempo todo, enquanto o Líder He falava, He LiAn, que estava posicionada logo atrás do tio, fazia um movimento negativo com a cabeça e seu rosto transmitia angústia, enquanto olhava fixamente para Jiang Cheng. Havia algo de muito suspeito nas atitudes do Líder He e todos estavam cientes disso.

“Deixem-me apresentar as instalações da minha pequena seita para os meus visitantes ilustres! Por favor, me acompanhem até os servos terminarem de preparar o banquete!” O Líder He os chamou e embora nenhum dos cultivadores estivesse preocupado em conhecer as instalações da seita, eles o seguiram, ficando bem atentos a qualquer momento estranho ou intenções nas entrelinhas do que o Líder He falava. 

He LiAn se separou do grupo, enquanto os quatro seguiam o velho líder, que não parava de tagarelar sobre a história da seita e sobre os líderes passados e seus grandes feitos, enaltecendo grandemente a antiga ligação entre as Seitas Jiang e He, aliadas a gerações e que ele fazia questão de que a união delas ainda se concretizasse. Enquanto passeavam por um dos grandiosos jardins de GuangKou, observaram He LiAn atravessando um dos corredores da seita com uma bacia de água quente em mãos e umas toalhas. Não falaram nada, mas analisaram atentamente a ação. Alguns minutos depois, a mesma atravessou os corretores, retornando para de onde veio, com as toalhas úmidas e manchadas de sangue. 

Jiang Cheng cerrou os punhos ao observar tal cena. Wei WuXian e Lan WangJi se entreolharam preocupados e depois volveram seus olhos para Lan XiChen. Seu rosto estava ainda mais angustiado do que antes, mas todos sabiam que se perguntassem diretamente ao Líder He, este daria uma desculpa qualquer para esconder a verdade. 

Quando avistaram alguns cultivadores Jiang e Lan na parte de fora dos muros da seita, imediatamente Lan XiChen e Jiang Cheng foram até eles, mas quando Wei WuXian percebeu que o Líder He queria acompanhá-los para saber de que falavam, o patriarca agiu imediatamente. 

“Líder He, espere!” O chamou, contendo-o. “Lembro que uma vez visitei GuangKou e havia um pomar de nêsperas em algum lugar, mas minha memória é r**m e não consigo me recordar do caminho para chegar lá e como HanGuang-Jun ama nêsperas, acho que seria de bom grado levá-lo para colher umas frutas frescas, já que estamos na época da colheita!” Sugeriu. 

“Oh, claro, claro que sim! Pedirei para um servo trazer uma cesta de nêsperas mais tarde!” Tentou se desvincular do assunto para ir até onde os líderes Jiang e Lan estavam com seus cultivadores. 

“Não, não, Líder He! Acho que o mestre não entendeu! HanGuang-Jun gosta dele mesmo colher as frutas frescas e o Líder He não vai querer desagradar o Cultivador-Chefe em sua primeira vistoria oficial a sua seita!” Wei WuXian insistiu, convencendo o velho Líder. 

“Oh, sim! Eu não imaginava que o Cultivador-Chefe tivesse hábitos tão delicados com sua alimentação! Por favor, me sigam!” Indicou o caminho. 

O patriarca deu um sorriso vitorioso ao marido, que já havia entendido as intenções do amado desde sua primeira frase. 

O Líder He continuava a se vangloriar pela sua seita durante todo o caminho, mas estava apressado e frequentemente olhava para trás, tentando manter contado visual com os líderes que ficaram para trás. 

Notando a distração do velho Líder, Wei WuXian tomou as rédeas da situação, tagarelando sobre sua infância com Jiang Cheng e Jiang FengMian nas visitas à GuangKou e as estripulias dos irmãos de cultivo entre os jardins e pomares famosos da região, enquanto colhia algumas frutas e as entregava a seu marido. 

“Líder He!” Um servo chegou apressado. “O banquete já está pronto!” Informou. 

“Perfeito! Vamos, Vossa Excelência, Patriarca Yiling?” Os chamou. 

Embora Wei WuXian aparentasse estar animado com as frutas que colheu, não perdia um olhar, gesto ou palavra do Líder He, cada vez mais suspeito. Os três se juntaram aos Líderes He e Jiang, mais preocupados do que antes e seguiram todos ao salão de banquetes da seita. Ao chegarem ao local, avistaram He LiAn já em seu assento, ao lado da mesa central, pertencente ao seu tio. 

O banquete transcorreu normalmente, embora o Líder He não parasse de enaltecer sua seita e fazer insinuações para Jiang Cheng sobre uma possível retomada do noivado dele com sua filha. 

Jiang Cheng, mesmo desconfortável com tais sugestões, estava mais preocupado com a expressão aflita de sua amada. 

Logo que o último prato foi servido e todos o terminaram, He LiAn fez questão de falar em voz alta suficiente para que todos a ouvissem. 

“Tio, já terminei! Peço permissão para me retirar e ir meditar!” Falou. 

“Ah, sim! Vá! Mas não demore muito! Amanhã você deverá acordar cedo e preparar He Hua para vir tomar o desjejum junto com os nossos convidados!” Ordenou. 

“Sim!” O referenciou e depois fez o mesmo com os demais presentes, lançando um olhar convidativo a Jiang Cheng. Um encontro noturno havia acabado de ser marcado bem a frente dos olhos do Líder He e ele não percebeu. 

Wei WuXian também sabia de como era a meditação de He LiAn quando Jiang Cheng visitava GuangKou e se adiantou para encerrar o jantar. 

“Líder He, se não se importar, eu e HanGuang-Jun vamos nos retirar, afinal, a viagem foi muito cansativa!” Wei WuXian sugeriu. 

“Sim! Sim! Mandei os servos prepararem os melhores quartos para os mestres! Pedirei para que um servo os acompanhe para os seus quartos, HanGuang-Jun e Patriarca Yiling!” O Líder He se fez solicito. 

“Obrigado, mas ficaremos em um quarto só!” Respondeu, já se levantando e sendo seguido por seu marido. Ao se retirarem, Wei WuXian lançou um olhar cúmplice ao irmão de cultivo, como se esperasse que ele descobrisse tudo o que estava acontecendo a partir de seu encontro com He LiAn. 

O servo chamado pelo velho Líder acompanhou o casal até os dois quartos, mas eles escolheram ficar apenas com um, o mais afastado, deixando os outros três quartos a escolha para Jiang Cheng e Lan XiChen. 

“Líder He, eu estou com minhas energias um pouco desalinhadas e gostaria de me retirar também para meditar!” Jiang Cheng falou, arranjando uma desculpa para sair. 

“Claro, claro! Vamos aos seus aposentos! Líder Lan, me acompanha também?” Chamou e os três seguiram para os quartos indicados. 

Passados uns quinze minutos, Jiang Cheng notou que não havia mais nenhuma movimentação por entre os corredores da seita, percebendo que todos já haviam ido dormir. Em silêncio, queimou um pequeno talismã. O mesmo se materializou nos aposentos ao lado do seu quarto. Lan XiChen recebeu a mensagem curta. 

‘Me acompanhe!’ dizia a mensagem. 

Ambos saíram de seus quartos e se encontraram no corredor. Sem dizer uma palavra para assim não fazerem barulho, concentraram suas energias nas solas de seus pés e tomaram impulso, saltando sobre a cobertura dos quartos e pousando no jardim atrás deles. Caminharam ligeiramente, mas ainda sem fazer ruído algum, até o coreto onde He LiAn costumava meditar e lá a encontraram. 

“He LiAn!” Jiang se adiantou, a chamando e então ela se virou para os dois. Conteve-se na presença do Líder Lan para não se jogar nos braços de seu amado. Os cumprimentou e depois se pronunciou. 

“Eu estou extremamente grata por vocês terem vindo o mais de pressa possível à GuangKou!” Falou, aflita.

“O que aconteceu com He Hua? Por que havia sangue nas toalhas que você carregava esta tarde?” Jiang Cheng queria logo esclarecer tudo. 

“O Líder He... ele ficou furioso com He Hua por ela ter aceitado terminar o noivado! Ele esperava que ela tivesse renunciado à essa proposta no Píer Lótus e quando regressamos, ele enviou a maioria dos discípulos da seita para missões sem muita importância e então a castigou...” começou a contar. 

O choque nas expressões de ambos os líderes era nítido. Os dois não imaginavam que o Líder He, tão solicito quando as sugestões de Jiang Cheng, fosse capaz de agir assim contra sua própria filha. 

“A castigou como?” Lan XiChen precisava saber. 

“Ele mesmo aplicou o castigo! Foram trinta chicotadas nas costas de He Hua...” uma lágrima começou a escorrer pela face de He LiAn enquanto ela falava. “Eu tentei impedir meu tio, mas ele estava irredutível! Depois das chicotadas, ele proibiu a qualquer servo de prestar atendimento a He Hua ou de chamar um médico. Ela ficou por três dias, de joelhos, no centro do pátio, abaixo de sol e chuva! Eu a ajudei, entregando-lhe remédios, dando comida e tratando suas feridas em segredo, a noite, mas mesmo assim, ela adoeceu, suas feridas infeccionaram e ela foi atingida por uma grande febre!” Sua voz começou a beirar ao desespero. “Quando seu castigo acabou, meu tio me permitiu levá-la ao seu quarto e a tratar suas feridas, mas não deixou que eu chamasse médico algum! Ele não queria que ninguém soubesse desse castigo, além dos servos, que estão proibidos de comentar sobre isso! Mas eu consegui ajuda de uma amiga minha, filha do principal médico de GuangKou e ela me trouxe em segredo os remédios para curar He Hua! Ela ficou por três dias com febre alta e inconsciente, até acordar a alguns dias atrás!” Terminou de falar. 

“E por que você não me disse isso? Por que não fomos comunicados?” Lan XiChen a questionou. 

“Antes dela receber o castigo, ela havia me pedido para não falar nada! Ela não quer causar uma discórdia entre as seitas por causa disso, nem quer que seu pai ou sua seita sejam castigados de alguma forma pelo que aconteceu com ela!” Explicou, já mais calma. 

“Eu preciso vê-la! Por favor, me leve até ela!” Lan XiChen implorou. 

“Líder Lan, essa não é uma boa ideia! He Hua está dormindo profundamente por causa do remédio que ela tomou enquanto eu tratava suas feridas hoje à tarde, durante o passeio de vocês às dependências da seita, além do mais, não é de bom tom que um homem visite o quarto de uma mulher a noite!” He LiAn explicou. 

“Leve-me até ela ou eu descobrirei por conta própria onde seus aposentos ficam!” Lan XiChen jogou toda a sua compostura fora em nome da angústia que sentia em seu peito. He LiAn se viu pressionada e não sabia mais como recusar esse pedido.

“A-LiAn, por favor, o acompanhe!” Jiang Cheng interveio em auxílio ao Líder Lan. 

“Está bem, mas teremos que ser rápidos e entrar pela janela, já que tem dois guardas a postos na porta de seu quarto para garantir que ninguém entre!” Formulou o plano, que Lan XiChen aceitou prontamente. 

Jiang Cheng permaneceu no coreto, enquanto sua amada acompanhava Lan XiChen até a janela do quarto de He Hua. Ao entrar, o Líder Lan não pode acreditar na cena que presenciou. 

He Hua estava deitada sobre sua cama, de bruços, com as costas nuas e cheias de cortes e hematomas arroxeados e amarelados causados pelas chicotadas que recebera. Sem controlar seus atos, Lan XiChen caminhou lentamente até o lado do leito de sua amada e pode ter mais clareza de seus ferimentos. As marcas da infecção ainda eram aparentes e as feridas estavam encobertas por finas cascas, demonstrando que até a pouco tempo estavam em carne viva. 

“Como o Líder He pode fazer uma coisa dessas com sua própria filha?” Questionou, sôfrego, He LiAn, que estava ao seu lado. 

“Ele sempre foi assim! Sempre castigou He Hua com mais severidade do que qualquer outro discípulo He! Ele dizia que He Hua deveria ser forte e aguentar suas dores, custasse o que custasse, então, toda vez que ela era castigada, éramos proibidos de ajudá-la ou de chamar médicos, assim, ela sempre treinava à exaustão e se curava sozinha de seus ferimentos, se tornando a mais forte cultivadora He, porém, sempre foi muito carinhosa e gentil com os demais discípulos, provocando a ira do meu tio com certa frequência!” Explicou. “Ele queria que sua filha fosse uma líder severa e autoritária como ele, mas He Hua não é assim! Como eu, desde pequena, demonstrei que não tinha força espiritual suficiente para o cultivo, então ele me instruiu para ajudar He Hua com as questões administrativas da seita, enquanto ela se dedicou aos treinamentos!” Concluiu. 

“Como...? Eu não posso acreditar que um pai possa fazer isso com sua única filha...!?” Lan XiChen ainda não conseguia absorver por completo o que acabara de ouvir. Nem Lan QiRen era tão c***l ao ponto de castigar seus discípulos e proibi-los de receber cuidados médicos. 

Lembrou-se das feridas de Lan WangJi, quando ele foi castigado e embora achasse severa demais aquela punição, ele pode ficar ao lado do irmão e ajudá-lo em sua recuperação. 

Observou mais atentamente a pele ferida de sua amada e encontrou mais algumas cicatrizes antigas, de punições passadas e sem dar-se conta, correu seus dedos sobre uma delas, dedilhando-a como se quisesse retirar a dor e as lembranças negativas que elas marcavam em sua amada. 

“Líder Lan, precisamos ir antes que alguém nos flagre!” He LiAn o chamou, tirando-o de seu momento de martírio. 

“Vamos...” respondeu, compassivo, embora sua vontade fosse passar a noite em vigia ao lado da sua amada. 

Saíram do quarto da mesma forma que entraram e caminharam em silêncio de volta para o coreto, em meio ao jardim florido da seita. Ao encontrarem novamente Jiang Cheng, Lan XiChen já havia se decidido. 

“Precisamos tirá-la daqui! Não permitirei que ela passe mais por nenhuma tortura do Líder He!” Anunciou convicto. 

“Não podemos fazer isso! He Hua jamais aceitará abandonar sua seita!” He LiAn ditou, surpresa pela decisão de Lan XiChen.

“Iremos levá-la para se tratar com Lan Xion em GusuLan, depois chamaremos o Líder He e irei propor o casamento, mas não permitirei que He Hua fique mais aqui e seja manipulada pelas vontades de seu pai!” Afirmou. Embora fosse uma decisão drástica, He LiAn percebeu que essa era a melhor saída. 

“Mas como iremos convencer o Líder He sobre isso?” Jiang Cheng sabia que tinha uma grande influência sobre o velho Líder, mesmo assim precisavam de uma justificativa plausível para tal medida. 

“Ele não poderá negar nada a WangJi!” Lan XiChen ponderou. De fato, nenhum líder de seita poderia renegar um pedido ao Cultivador-Chefe. “Preciso falar com ele agora, para estarmos aliados com o que iremos falar amanhã!”

“O que? Você vai ter coragem de bater no quarto daqueles dois a essa hora?” Jiang Cheng se assustou. 

“Chamarei WangJi de outra forma!” Lan XiChen pegou sua xiao e começou a tocar uma suave melodia, bem baixa e que não iria acordar a ninguém na seita. Era uma música que lembrava seus tempos de infância, quando sua mãe estava reclusa no Jingshi. Sempre que Lan WangJi estava triste e sentia saudades da sua mãe, tocava tal melodia. Lan XiChen a reconhecia de longe, por mais que ela fosse quase inaudível aos ouvidos dos demais cultivadores, os dois irmãos sempre a reconheciam onde estivessem e então, Lan XiChen deixava tudo que estava fazendo e ia até Lan WangJi e ambos tocavam juntos a melodia que demonstrava da forma mais pura o sentimento deles pela mãe. 

De onde Lan WangJi estivesse, ele reconheceria a mensagem e iria ao encontro do irmão. 

Em alguns minutos, a Segunda Jade de Lan apareceu, silencioso e sorrateiro, ao lado do patriarca. 

“WangJi, precisamos retirar He Hua daqui e levá-la à GusuLan!” O olhar doloroso de Lan XiChen expressava todo o seu sentimento. 

A mais de uma década atrás, Lan WangJi havia feito um pedido semelhante ao irmão e este apoiou-o sem questioná-lo de mais nada, agora, Lan XiChen estava do outro lado e o Cultivador-chefe não precisava de nenhuma explicação para atender ao pedido do irmão. 

Apesar de saber disso, Lan XiChen e He LiAn explicaram tudo que havia acontecido nessas semanas depois do retorno à GuangKou, deixando o casal de cultivadores a par de toda a situação. Não precisava de mais nada. Lan WangJi usaria de sua autoridade para convencer o Líder He a deixar He Hua partir para o GusuLan.