Eu nem me lembrava de como saí daquela casa.
Tudo que eu tinha era uma única e incisiva conclusão ecoando na minha cabeça—
Eu não devo ser a filha deles.
E eu precisava descobrir a verdade.
Era a única explicação à qual eu podia me apegar—pois do contrário, como poderia viver com a ideia de que meus próprios pais fossem capazes de serem tão cruéis?
Assim que voltei para meu apartamento, desmoronei na cama. Não me movi até que meu celular começou a tocar.
Era a Yvaine.
Eu não esperei que ela perguntasse nada – simplesmente despejei tudo que meus pais tinham feito.
E, sim... também contei pra ela sobre o caso de uma noite só.
Omite o pedido de casamento.
A Yvaine soltou um grito tão agudo que provavelmente poderia quebrar vidro e matar todas as plantas do meu apartamento.
"Você teve um caso de uma noite?! E não me chamou no FaceTime ao vivo do local?!"
Coloquei o celular no viva-voz e o joguei no sofá, me afundando nas almofadas de olhos fechados.
A voz dela continuava como fogos de artifício:
"Quem é ele? De que reino mitológico esse homem veio? Você está me dizendo que realmente, finalmente deixou o Rhys de lado? Nem me diga—ele parece ter sido esculpido por Michelangelo, ou..."
Ela fez uma pausa. Eu conseguia imaginá-la sentada no sofá, enrolada em um cobertor, fazendo aquele gesto exagerado e famigerado.
"Uma varinha de proporções anormais?"
"Você é... tão... incrivelmente... irritante," gemi, puxando um travesseiro sobre o rosto.
"Você está fugindo do assunto," ela retrucou imediatamente.
Sim.
Sim, eu estava.
Nunca escondi nada de Yvaine. Nem mesmo as partes mais feias da minha história.
Nem mesmo... a noite passada.
Dormi com um homem cujo sobrenome eu não conseguia lembrar.
Só para tirar o resquício de Rhys da minha pele—por um minuto, uma hora, uma noite—o que fosse preciso para me sentir livre novamente.
Foi libertador?
Não.
Foi vingança, fuga, e um coquetel dos dois com uma dose de culpa.
Mas Yvaine não estava aqui para me julgar.
Ela estava aqui para apagar as chamas—mesmo que fosse apenas através do pequeno alto-falante na minha sala de estar.
"Me diz pelo menos uma coisa," ela falou de repente, com a voz mais baixa e suave. "Ele era gato? Tipo, daqueles de fechar os olhos e ainda ver a cara dele?"
"...Gato," murmurei no travesseiro.
"E quando ele te tocou... parecia que ele sabia que você era algo raro? Como se você fosse uma edição limitada feita só pra ele?"
Trinquei os dentes. Não respondi.
"Meu Deus," ela exclamou.
"Você realmente ficou com alguém que valeu a pena."
Continuei de olhos fechados, e, por alguma razão, aquela única frase parecia como uma sutura passando suavemente sobre a ferida no meu peito.
As vozes dos meus pais ainda ecoavam na minha mente — afiadas, sufocantes, como torradas queimadas que você não consegue raspar.
A forma como me descartaram — tão fria, tão calculada. Como jogar fora uma mamadeira que já não serve mais.
"Mira," ela falou de novo, a voz mais serena, mais firme. "Você pode fazer qualquer coisa. Errar, desmoronar, amar a pessoa errada — tá tudo bem. Mas você não pode carregar tudo isso sozinha mais."
Eu não disse nada.
Apenas puxei meus joelhos para o peito e pressionei o rosto neles.
"Eu tô aqui," ela sussurrou. "Onde quer que você vá. O que quer que você faça. Eu tô aqui."
Eu não chorei.
Juro que não chorei.
Eu apenas travei o maxilar, fechei os olhos com mais força e engoli as palavras "obrigado" como se fossem uma pílula difícil de descer. Dei uma olhada no horário. Precisava ir trabalhar. Agora que meus pais deixaram claro que eu era descartável, meu emprego era a única coisa que eu não podia me dar ao luxo de estragar. Claro, eles acreditavam que eu trabalhava como barista. Tinham me proibido de ter um emprego corporativo. Na cabeça deles, uma vez casada, eu deveria ficar em casa o tempo todo—uma dona de casa perfeita. Então eu nunca contei a eles o que eu realmente fazia.
Arrastando meu corpo exausto para fora da porta, me dirigi ao Ground & Pound—meu local de trabalho. O nome? Escolhido porque o dono achou que não tinha potencial real de marca. Era uma cafeteria estilosa? Uma academia de MMA subterrânea? Quem sabia? Quem se importava? Mas era decente. Estável. E por enquanto—seguro. Bem... até deixar de existir.
“Mira.”
Meu chefe, Benny, me cumprimentou como se eu fosse seu agente de condicional – nervoso, suado, provavelmente a dois segundos de fazer xixi nas calças. Ele estava na casa dos quarenta, usava um coque que não favorecia em nada sua linha de cabelo e seus braços estavam cobertos de tatuagens que só podiam ser descritas como um erro—uma delas mostrava uma c***a usando óculos de sol.
"Você não precisava vir hoje. Eu estava prestes a te ligar..." Ele olhou para o chão. "Você não está mais no horário."
Como é que é?