Minha boca tardou mais do que o normal na borda da xícara — estava evitando a conversa que precisava ter.
Olívia estava sentada de frente para mim, ela na poltrona e eu na cama.
Ela já tinha desistido de conversar e checava as mensagens quando eu decidir quebrar o silêncio:
— Acha que o Victor sabe do meu noivado?— Mordi o lábio inferior e enruguei a testa.
Ela levantou os olhos na minha direção e piscou algumas vezes.
— Não acha essa pergunta um pouco óbvia?
— Não esperava que minha pergunta fosse respondida com outra pergunta — Resmunguei.
— Tudo bem…— Ela ajeitou o corpo na cadeira confortável.— O seu pai e o pai do Victor são sócios e se encontram com frequência. Acho que mesmo sem querer notícias suas, é inevitável para ele.
— Então ele deve ter ligado os pontos— Levei uma das mãos para o rosto.
— Acho que todo mundo percebeu que aconteceu algo muito errado no seu relacionamento. Sabe como cidade pequena é…
Soltei o ar devagar, não contendo minha frustração.
— Eu não deveria ter ido beber sozinha. Isso foi o que chamou atenção.
— Agora já foi. Não adianta chorar pelo leite derramado— Ela se curvou na minha direção e pegou a xícara vazia.
— Parece que toda a minha vida virou pelo avesso. Não sei o que fazer. Não sei quais providências tomar — Meus olhos voltaram a marejar.
— Não precisa pensar em nada agora. Acho que você tem que viver o seu luto primeiro.
Aquiesci, concordando com a sugestão.
— Como eu vou contar isso para os meus pais?— As lágrimas começaram a escorrer por minhas bochechas.— A minha tia Silvia com o meu noivo — Sibilei, tentando me convencer do que vi.— Eu acho que vou ser atormentada por essa visão pelo resto da vida.
— Não me surpreende vindo da Silvia, ela nunca gostou de você. Mas o Breno… ele parecia tão apaixonado. Ele investiu tanto em você quando ainda estava enrolada com o Victor.
— Acho que depois que conseguiu a conquista perdeu a graça — Funguei, secando minhas lágrimas.
— Ele é um burro. Jogar fora quase sete anos de relacionamento desse jeito…
— Eu não sei o que dizer ou o que sentir. Parece que alguma coisa morreu, sabe? Eu tô muito triste, muito decepcionada e com muito odio! — Cerrei o punho trêmulo.
Olívia lançou um olhar enviesado para a minha mão antes de pigarrear. Foi aí que percebi que ainda usava o meu anel de noivado.
Até tinha esquecido dele.
Arranquei o objeto do meu dedo e o olhei com um misto de desprezo e ressentimento. Toda a minha história com o Breno ao longo dos últimos 7 anos rolaram como um filme na minha cabeça.
— Se quiser, posso devolver o anel no seu lugar — Sugeriu Olívia.
— Não — Rebati, incisiva.— Eu preciso colocar um ponto final nisso. Em algum momento terei que encarar aquele cretino.
— E quanto ao Victor? Está pronta para encará-lo depois de tudo?
A minha resposta foi o silêncio. A verdade é que eu não fazia ideia de como me sentia em estar cara a cara com um passado que jurei ter enterrado.
…
Senti minhas bochechas queimarem no instante em que me aproximava da rua de casa. Para me dar apoio moral, Olívia fez questão de me levar até lá.
— Tem certeza que não quer que eu entre?— Perguntou minha amiga.
Balancei a cabeça em negativa, antes de lançar-lhe um olhar aflito.
— Obrigada por tudo — Murmurei, antes de abraçá-la.
Olívia me abraçou de volta, me apertando contra seu corpo.
— Vai ficar tudo bem.
Respirei fundo perante aquela afirmação. O meu coração parecia prestes a explodir minha caixa torácica.
Tomei coragem de entrar e logo me deparei com meu padrasto na sala, assistindo televisão. Paralisei um pouco depois da soleira.
Ao perceber minha presença ele logo me olhou. Ficou desconfiado com o meu olhar de tensão.
— Algum problema, filha?
Logo desabei em lágrimas. César era uma espécie de segundo pai e tê-lo ali me deixava confortável para demonstrar minha vulnerabilidade.
O homem veio na minha direção para me abraçar e eu logo contei toda a história, em meio a soluços.
— Está mais calma? — Perguntou minha mãe.
César já tinha relatado para ela todo o ocorrido.
Afastei a boca da borda do copo de água que segurava, os lábios ainda trêmulos.
— Durante sete anos eu me preparei para esse momento e de repente foi tudo por água abaixo.
— Como o Breno faz uma covardia dessas? Humilhar a minha filha desse jeito, ainda mais com a própria tia dela — Sibilou minha mãe, revoltada.
— A traição dói porque vem de quem menos esperamos, meu amor — Meu padrasto levou a mão ao ombro dela.
— Eu não vou deixar isso barato. Vou acabar com a raça daquele imprestável do Breno — A mais velha cerrou o punho com força.— E quanto aquela vaga.bunda da Silvia… juro que se vê-la na minha frente…
— A Silvia me odeia, mãe, e sabemos o porquê. Até hoje ela me culpa do fim do noivado dela. Claro que fez isso para se vingar, não esperava nada diferente dela. Mas o Breno…— Novamente minhas palavras foram interrompidas por um soluço de choro.
— Aquela mulherzinha sórdida…ah, mas ela vai me pagar — Em seguida minha mãe se afastou.
Caminhou até a porta que dava para a rua e saiu por ela — Cesar foi atrás.
Já eu, levantei minha mão trêmula e encarei a joia que enfeitava o meu anelar direito.
— Eu também tenho algo a fazer — Falei para mim mesma, antes de também sair pela porta.