Tom quase conseguiu dormir naquela noite. Ele revirou para os lados por muitas vezes, mas a ansiedade o tirava completamente de órbita. Ele só havia dormido três horas naquela noite quando a luz solar invadiu as frestas do seu quarto.
Alguns minutos depois, golpes violentos contra a porta anunciaram a chegada do Francisco e do Daniel, primos do Tom.
— Você ainda está de pijamas, precisamos comemorar, é hoje que você termina a sua missão e que todos poderemos voltar para Rosa Rosso.— disse Daniel, empolgado, antes de perceber o desânimo do primo.— O que houve? Não vai voltar para casa.
— Provavelmente ele vai para o outro lado do mundo, com a amada Sofia dele.— Zombou Francisco.
— Você não pode falar muita coisa. Está de namorico com a professorinha.
Francisco apenas deu de ombros.
— Professorinha?— Perguntou Tom.
Ainda tomava uma xícara de café bem forte, torcendo para que a sua insónia não atrapalhasse o seu plano.
— É uma dessas rastaqueras que gosta de usar o tempo livre para fazer caridade.— Explicou Francisco.— Jamais me apaixonaria por uma fulana como aquela.
— A julgar pelo beijão que você deu nela... Não teria tanta certeza.— Provocou Daniel.
Tom apenas olhava de um para o outro.
Francisco e Daniel eram irmãos, tinham poucos meses de diferença de idade e um temperamento bem parecido, como a maioria da família Messina.
— Eu estava apenas me divertindo, fratello. O noivo daquela lá é outro rastaquera que nem sequer sabe satisfazer a própria mulher.
— Eu realmente não quero saber detalhes sórdidos dos relacionamentos de vocês.— Tom estava impaciente demais para toda aquela conversa.— Nesta noite eu preciso que cerquem o casarão dos Santiago, provavelmente eu vou precisar.
— Por um instante achei que você não teria coragem de matar a moça. Estava demorando demais.— Observou Daniel.
— E distraído demais com a tal Sofia, claro.— Francisco não resistiu a oportunidade de provocar.
— Não sou homem de falhar com a minha palavra, já deveriam saber. Falem com os outros e cerquem a casa, eu posso precisar de cobertura. De hoje a tal Júlia Santiago não passa.
...
Júlia estava prestes a ter um colapso nervoso.
Faltavam apenas cinco horas para o seu jantar de noivado, que seria celebrado as 19:00 em ponto.
Faltavam apenas três horas para que o seu destino fosse decidido. Se tudo desse certo, ela fugiria com o Thomas e seria feliz com o homem que ama.
Soraia a ajudava com toda a produção, desde o cabelo, maquiagem e o lindo vestido de festa que ela usaria. Júlia optou por um modelo clássico na cor azul-claro com silhueta estreita e a cintura marcada. A peça havia sido confecionada inteiramente com tecido jacquard e o comprimento ia até os joelhos. Ela usava uma maquiagem simples, sapatos de salto e optou pelos cabelos soltos. Poucos minutos antes do jantar, tanto Júlia quanto Soraia estavam prontas.
A noiva ainda olhava o próprio reflexo no espelho quando a sua amiga voltou para o cómodo no intuito de avisar sobre a chegada de uma boa parte dos convidados.
— Pelo visto, o seu jantar vai abafar a banca. Desconfio que a sala de jantar não irá comportar tanta gente.
— Graças a Deus.— Júlia levou a mão ao p.e.i.t.o.— É tudo o que preciso, que o papai e o Rodrigo se mantenham bem distraídos.
— Eu vou te dar cobertura para você sair pelos fundos, vou dissimular uma briga com o Davi na frente do seu pai e vou começar a chorar.
— É, para o meu pai, assim como para todos os homens que estão nessa casa, nós somos seres puramente sentimentais que não pensam.
— E foi assim que Joana D'arc conseguiu fazer uma rebelião.— Brincou Soraia.
As duas deram sorrisinhos conspiradores e foi justo na hora que Manoela as flagrou.
— Meninas, se apressem. Faltam cinco minutos para as sete da noite, sabem como o doutor Eugênio é pontual.— disse Manoela.
— Termine de passar rouge nas bochechas, precisa parecer corada.— Soraia caminhou até a penteadeira da amiga para buscar o objeto mencionado.
Júlia respirou fundo, estava muito próximo do grande momento.
Do lado de fora da sua casa, no caminho de pedras que conectava a área verde para o portão de entrada, Tomásio caminhava em passos calculados.
Ele também estava nervoso, embora aparentemente parecesse tranquilo. Deu uma última olhada para trás antes de bater na porta de madeira, os seus homens cercavam a mansão caso ele precisasse de reforços.
Estavam todos muito escondidos por entre os arbustos, de longe assistiam a performance do Tom.
O homem foi muito bem recebido pelos anfitriões e pelos empregados. A casa de Eugênio era exuberante, exatamente como havia imaginado. Metros e mais metros quadrados dignos de uma mansão. A casa levava uma estrutura antiga, assim como a decoração. Com certeza deveria pertencer a família de Eugênio há muitas gerações.
O piso era de madeira maciça, as paredes eram revestidas de uma pintura na cor neutra e um grande relógio do século 18 ficava bem no centro da sala de jantar.
Tom varreu o ambiente com os olhos, haviam várias pessoas, inclusive o Rodrigo estava ali conversando com um pequeno grupo de rapazes da idade dele.
Nada da Júlia.
— Thomás, meu amigo, que bom que veio!— Exclamou Eugênio, aproximando-se para cumprimentar o outro.
Ele vinha acompanhado com Anastasia, sua esposa.
Anastasia era uma mulher já quase na casa dos cinquenta, mas ainda conservava beleza e juventude. Ela tinha olhos da cor de esmeralda, como a Júlia, e os cabelos dourados já haviam adquirido uns fios esbranquiçados.
Tom a achou muito parecida com alguém, mas não estava conseguindo assimilar.
— Essa é a minha esposa, a Anastasia.— disse Eugênio novamente.
— Feliz em conhecê-la, senhora Santiago.— Tom segurou uma das mãos da mulher e pousou os lábios no dorso, por cima da luva rendada.
Anastasia fez um leve meneio com a cabeça:
— Igualmente.— disse a mulher.
— Esses são meus filhos, Arthur e Gabriel.— disse Eugênio, em seguida, apresentando os dois jovens que chegaram depois.
Tom cumprimentou cada um com um aperto de mão.
Em seguida, Eugênio apresentou Theresa e Christina, suas noras, logo depois, ele mostrou os seus quatro netos.
Tom não evitou lembrar de como foi a sua infância no mundo do crime, principalmente após a morte de seu pai.
Um sentimento de ódio e ressentimento vinha crescendo cada vez mais.
— Thomás é o nosso melhor advogado, não tem um problema que ele não resolva. Além disso, me salvou de uma emboscada, tenho certeza que era obra dos malditos Messina, mas não vem ao caso agora, hoje é dia de festa. Por isso, como forma de agradecimento, o chamei para comemorar a festa de noivado da Júlia conosco.
— Seja bem-vindo.— disse Arthur, encarando Tom com desconfiança.
— Obrigado.— Agradeceu Thomás.
— Praticamente todos os convidados estão aqui. Cadê a Júlia?— Perguntou Eugênio para Anastasia.
— Céus…— Anastasia estava prestes a ficar nervosa, quando viu a filha adentrando a sala de estar na companhia da amiga.— Ali está a Júlia!
Aquele era o momento que o Tom mais esperou, finalmente conheceria a moça.
Quase um mês que estava em Aventine e sequer conhecia o rosto da Júlia.
Ele estava de costas para a porta de entrada, por isso, ao ouvir Anastasia mencionar a chegada da filha, ele virou-se vagarosamente para trás.
Tom sentiu tudo ao seu redor girar em câmera lenta.
Finalmente estaria frente a frente com sua encomenda.
Quando o rapaz finalmente virou-se de frente, o mundo parecia ter desabado na sua cabeça.
Tom nunca se sentiu tão confuso.
Era a Sofia quem estava na frente dele.
A garota ficou tão confusa e assustada quanto ele.
— Thomás, essa é a minha filha, a Júlia.— Eugênio caminhou para o lado da moça mencionada e pousou um beijo na testa dela.
Tom experimentou o gosto amargo da bile na garganta, Júlia também.
Soraia, a única que estava a par da situação, ficou tão desesperada quanto Júlia.
Estava sendo muito difícil para todos eles controlarem o misto de sensações r.uins que estavam sentindo.
Por sorte, a chegada do Rodrigo impediu que o Tom falasse algo.
— Meu amor… Você está linda.— Rodrigo colocou-se na frente da Júlia e pousou um beijo nos lábios dela.
Em meio a toda a confusão que existia dentro dele, Tom desejou afundar a cara do Rodrigo em um soco.
— Vejo que acaba de conhecer a minha noiva.— Rodrigo lançou um olhar de desprezo para Tom.
— Aonde fica o banheiro?— Tom perguntou para Eugênio.
— Pode subir o lance de escadas e virar a esquerda.— Instruiu Eugênio.
Tom seguiu as recomendações do anfitrião.
— Um tanto estranho esse rapaz.— Opinou Arthur.— Achei isso desde o dia que o conheci na fábrica.
— É, eu também achei.— Concordou Theresa.
— Tolice. Thomás deve estar tímido no meio de tantas pessoas estranhas. Júlia, querida, vá cumprimentar os seus convidados.
— Papai, eu preciso passar um pouco de rouge, agora que lembrei que não coloquei.— disse Júlia.
Ela precisava de qualquer pretexto para ir atrás do Thomás, precisava conversar com ele.
Aquilo foi totalmente inesperado, Júlia jamais imaginou que o seu pai convidasse um funcionário da fábrica para uma festa í.ntima.
— Suas bochechas já estão coradas, querida.— Falou Anastasia.
— Não o suficiente, mamãe. Eu não quero que os meus convidados me vejam de qualquer jeito.
— Deixe a Júlia em paz. Vá de uma vez, menina.— Falou Eugênio com impaciência.— Quem vai entender esses fricotes de mulher?
Júlia prontamente agarrou o braço da Soraia e foi com a amiga para o andar de cima da casa.
— Céus… E agora? Será que o Thomás ainda vai querer fugir com você?
— Eu não sei, Soraia, mas preciso que me dê cobertura enquanto converso com ele. Céus, nada disso deveria ter acontecido. Eu planejava contar tudo com calma, eu planejava dizer para ele quem sou eu quando já estivéssemos bem longe daqui.
— Ficou maluca? Vai ficar a sós com o seu amante, tendo o seu noivo no andar debaixo?
— Não há outra saída, Soraia. Eu preciso explicar para o Thomás o que está acontecendo.— Júlia se apressou ao subir o lance de escadas.
Soraia foi logo atrás dela.