Da.Vida XIV

1511 Words
O silêncio aprofunda meus ouvidos, meu coração se acelera incansavelmente e temo perder a consciência antes de vovó aparecer naquela pequena tela de um Notebook. Todos estavam ansiosos ajoelhados sobre o tapete colorido de meu quarto, havíamos decidido usar aquele cômodo para conversamos, assim não iríamos acordar Shanti, minha irmã mais nova de apenas três anos. — Mamãe, estou com sono. — Raji diz. Era compreensível, ele era apenas um garoto de quinze anos que passava o dia inteiro com a cara nos livros e quando tinha um tempo livre, escutava música e jogava com os colegas, dormir não era algo que ele fazia constantemente. — Mas deve esperar...sua avó precisa ver que estamos todos bem e felizes por falar com ela. — Mamãe diz. Minha avó era sua sogra, elas tinham uma convivência saudável quando estavam próximas uma da outra. Minha Mamadi perdeu sua mãe quando ainda pequena e logo em seguida se casou com meu pai, aos dezesseis anos. — Tudo bem ele ir descansar, vá filho. Luz da minha casa, se também quiser ir...sua mãe e eu esperaremos sua Dadi. — Gostaria de ficar, Baldi. — Respondo ao meu pai e ele sorri. Quando nasci, papai disse que minha avó fez uma grande festa e dançou por todas as ruas de nosso bairro, ela escolheu meu nome "Saanvi", pois trazia alegria e conhecimento. Ela dizia constantemente que eu seria a pessoa que mudaria o mundo, mas não sei se terei tempo para isso. Dadi!!! — Exclamo, ao ver a tela se acender e vovó aparecer com aquele sorriso gentil e alegre em sua face. — Minha princesa da alegria! — Ela devolve o entusiasmo batendo palma. Vovó usava um vestido branco de flores vermelhas, seus cabelos grisalhos e longos estavam presos em um coque e sua pele enrugada estava brilhante. — Mamadi, quantas saudades!! — Papai chora e mamãe o consola, acariciando seus ombros repetidamente. — Também tenho sentido saudades, me desculpem ter ficado tanto tempo sem falar com vocês, foram dias conturbados. Mas, conseguimos encontrar um bom lugar, agora estou em paz. — Fala e meus pais levantam as mãos para o céu, também o faço, mas meu coração ainda está apertado pois temia que ela estivesse em perigo. — A senhora está em perigo? Quando volta para o Brasil? Tenho tantas coisas para lhe contar, sobre a escola, amigos e tudo mais!! — Exclamo. Minha voz estava fina, me sentia tão ansiosa e estasiada que a falta de ar me toma e me controlo, para não preocupa-la. — Acredito que entre essa semana e a outra estarei indo ao Brasil para buscar doações, estamos preparando um hotel para os cristãos do Haiti. — Dadi, isso é incrível! Queria tanto estar com a senhora, imagino quantas aventuras poderíamos viver. — Falo e os olhos de minha avó se marejam, ela sorri e a chamada começa a falhar. — Dadi, não vá agora...quero passar a noite conversando com a senhora. — Eu adoraria minha alegria, mas a internet por aqui é emprestada dos moradores deste lugar abençoado. Voltaremos falar quando eu for ao Brasil. — Sim, Mamadi. — Papai responde com o coração calmo. — Sogra, amamos a senhora! — Mamadi acena várias vezes de forma rápida. Eles estavam tão calmos e satisfeitos com aqueles poucos minutos, mas eu não me sentia assim, a amava demais para estar junto dela por tão pouco tempo. — Saanvi, quero citar um versículo para você. Está em João 16:33 "Eu disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo". Não temas minha querida, Cristo já venceu por mim e por você. — Fala suavemente e sorri com carinho, aquele carinho que aquecia meu coração e parecia se possível me curar de toda ansiedade e angústia que havia dentro de mim. A tela se apaga e meus pais seguem para fora de meu quarto, animados por terem visto minha avó, subo para a cama já de pijama, pego meu diário e escrevo aquele versículo junto de muitos outros que Dadi havia citado, ela amava me acalmar e sempre conseguia. Vejo os dias da semana e nos encontrávamos perto dos trezentos dias do ano, estava chegando ao fim mas antes de terminar eu a veria e poderia abraça-lá com ternura Não me esqueci de escrever sobre o encontro que havia tido com Davi, como ele estava lindo e engraçado tentando transmitir confiança e ao mesmo tempo sendo um completo bobo desengonçado. Amanheceu e desperto diferente dos dias anteriores, a alegria havia voltado a me encontrar como fazia em todas as manhãs. Tomo um longo banho e até lavo os cabelos que estavam longos como os de minha avó, coloco um vestido colorido e solto de mangas curtas, a capital acordara ensolarada e enquanto papai me levava para a faculdade pude ver pessoas caminharem de havaianas e tomarem picolés ainda às nove horas da manhã. Papai liga o rádio e as notícias surgem, tentando me deixar angustiada novamente. "O Brasil ainda permanece firme sendo um dos últimos países democráticos de nossos dias atuais. Será até quando irá durar? Pedimos a Deus que cuide de nós e nos abençoe nessa manhã" As revoltas contantes sobre países laicos cresciam constantemente, muitos já haviam sido tomados por terroristas e governantes ditadores que condenavam toda e qualquer adoração, que não fosse ao homem sentado sobre a cadeira do poder. — Querida, lembre-se do que sua Dadi disse ontem. Não tenha medo, apenas confie. — Fala olhando para mim do retrovisor e sorrio, me aproximando e recebendo um beijo na testa. Desço do carro e caminho pela faculdade, encontrando o motivo de minha taquicardia matutina. — Ei Saanvi!! — Ele acena desengonçado. Acho que Davi não havia entendido que estava calor ou ele simplesmente era desinteressado demais com a moda do momento. — Olá Davi, não está com calor? — Finjo indiferença, caminhando até meu armário pessoal. Os armários se encontravam nos corredores das salas, após a área de alimentação. — Acredito que não, o sol não é em si motivo para existir calor. Pelo que vi no jornal da manhã, estamos em vinte seis graus. — Para essa época do ano, já estamos praticamente tendo um verão antecipado. Eu amo o sol, praias... Ahhh, seria incrível uma praia!! — Bato palminhas, pegando meus cadernos e caminhando. — Não temos praia na cidade. Ahh, não deveria estar pensando sobre isso, hoje é sua prova de cálculo. — Fala e os cadernos caem de minhas mãos, me abaixo e Davi faz o mesmo, estico o braço e ele toca minha mão por estar agindo de forma espelhada. — Não acredito que havia me esquecido, serei detonada nessa prova. — Respondo, levantando-me. Agora eu realmente aceitaria um pequeno infarto. Ah não, por que penso tanta bobeira? — Desculpe, está assustada? Mas, não estudamos para isso? Não deveria estar tão ansiosa assim. Quer dizer, pelo menos quando estudo me dou bem nas provas. — Fala pensativo e reviro os olhos, pegando dois livros que ele segurava em suas mãos e eram minhas propriedades. — É uma pena que sou apenas um ser humano sem nada a acrescentar, deve ser bom ter a super dotação correndo em suas veias. — Altas habilidades, na verdade. — Sorri levemente e viro as costas, caminhando em direção a minha sala. O professor aguardava na porta, dando a impressão de que a fecharia naquele exato momento. — Demorou senhorita Saanvi. Bom, vamos começar. — Wilson diz e entrega as provas para as primeiras carteiras de cada fileira, que distribuem de forma organizada para o seu colega logo atrás. Observo os números e tomo o lápis em minhas mãos, nada parecia fazer sentido, havia uma grande dúvida em mim: entregar a prova em branco ou fingir um desmaio já que tenho laudo médico? Alguém bate a porta e meu coração pula, todos levantam os olhos, Wilson que se encontrava á rodear a sala como um falcão caminha até lá e a abre. — Pois não? — Ele pergunta. Um ser de cabelos desajeitados e ruivos acena para mim, meu rosto queima. — Acabei me esquecendo, eu havia comprado um leite fermentado para a Saanvi. Com licença, irei levar até ela. — Passa pela porta e caminha até mim, coloca a embalagem sobre a minha mesa e sorri, olhando rapidamente a prova. — Uau, essa prova está baba com açúcar... — Desculpe, você quis dizer "mamão com açúcar"? — Wilson questiona ainda desacreditado. — Não, quis dizer "baba com açúcar mesmo". Vai se dar muito bem! — Mostra os dedos polegares para mim e sorri horrorosamente antes de sair, caminhando para fora e seguindo pelo corredor. — Não acredito no que acabou de acontecer, Saanvi, isso não deve se repetir. — Sim senhor, peço desculpas. — Respondo quase em um grunhindo. Abro o leite e bebo de uma vez, para engolir a vergonha guela a baixo e abaixo a cabeça sobre a prova, rindo da situação ridícula. Eu o amava, acho que nada poderia mudar isso.
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