PART I
Há cinco minutos o céu estava claro, o sol caminhava para o horizonte e até onde os olhos podiam alcançar já se podia ver as várias tonalidades do fim do dia.
Uma bela tarde de verão se transformou em minutos, a tempestade veio sem aviso, tornou tudo um breu mal deu tempo de fechar todas as janelas. E da janela do segundo andar da pensão Oscar viu ao longe uma moto prateada que cortava bravamente a cortina de chuva que caía sobre o motoqueiro.
Pensou consigo “Esse cara tem coragem”, ficou ali olhando o corajoso cavaleiro em seu cavalo de metal ganhar a estrada. Então se lembrou de que precisava ligar o gerador, se com uma leve brisa a luz acabava com esta tempestade certamente ela cairia, sorrindo ele imaginou o que seria uma semana sem luz.
A pensão ficava no alto de uma colina, no fim de uma estrada cheia de curvas, a vista do segundo andar em dias claros era maravilhosa, dava para ver a cidadezinha que ficava mais abaixo no vale. E a noite, quando o céu se pintava de estrelas, ali era o melhor lugar do mundo para se estar.
Bem, não nesta noite que começava antecipada e com a tempestade sem tréguas.
Mais uma vez Oscar foi olhar pela janela, ele sabia que o motoqueiro se dirigia à propriedade, afinal se ele não parasse lá, então provavelmente saberia voar, por que depois da pensão só o céu ou o abismo, e mais uma vez admirou a coragem, a moto não descansava. Levaria mais uns vinte minutos em dias normais, mas com a chuva seria mais ou menos quando desse.
Algum tempo depois a porta da frente se abriu, um misto de confusão e espanto ficou congelado no rosto de Oscar, ali na sua frente estava a mulher mais linda que ele já vira.
Ainda de boca aberta ouvia a voz rouca dela.
-- Olá, eu tenho uma reserva…
Mas a voz se perdia então ela colocou o capacete e a jaqueta molhada no balcão e repetiu.
– Eu tenho uma reserva!!!
O embaraçado Oscar saiu do transe, pegou o livro de registros, olhou desesperado, mas não tinha ali nenhum nome feminino, o que não seria problema, pois a maioria dos quartos estava vazio e reserva mesmo somente para um Sr. Sam Torres. E foi o que ele disse.
-- Bem só se você se chamar Sr. Sam Torres, mas fica tranquila, ainda temos quartos vagos.
Um sorriso brincou no rosto dela.
– Sam? E ele escolheu o quarto da torre virado pra colina?
-- Sim (pareceu encabulado) vocês estão juntos?
-- Não, eu sou ele.
-- Como?
A confusão era boba e fácil de explicar, mas Samantha se pegou brincando com o embaraço do rapaz. Então se apresentou.
-- Samantha Torres, historiadora. É mais fácil abreviar o nome, mas nunca foi tão interessante…
Ela se viu estudando os traços do rapaz moreno de olhos castanhos escuros com os lábios carnudos entreabertos, a pele de um moreno queimado ao sol, contrastava com a dela, de textura europeia que combinava perfeitamente com os tons avermelhados de seus cabelos.
Por um breve momento os dois se perderam e as palavras ficaram perdidas, então mais uma vez ela quebrou o transe.
-- Eu sei onde fica o quarto, tem toalhas lá? E, eu não trouxe malas e o que estava na mochila molhou.
Então ele percebeu que, o homem que ele esperava se tornou uma bela mulher de curvas exatas e uns olhos de um verde jamais descrito, não por ele.
E sorrindo indicou o caminho, avisando que havia roupas no armário e máquina de secar no subsolo.
O casarão era estilo colonial com tijolos aparentes, muito bem colocados demonstra que o clássico fazia um bom casamento com a modernidade atual.
Samantha encontrou o subsolo com facilidade, colocou as roupas na secadora e voltou para o seu quarto. Apesar do seu porte atlético reclamou enquanto subia os lances da escada saltando a cada dois degraus.
-- Esse lugar poderia ter um elevador, espaço para isso tem.
Já em seu quarto, dirigiu-se ao lavabo como estava escrito na porta. Quando abriu a porta foi atingida por uma lufada de ar fresco, foi mágico e ela se viu ali no mesmo lugar, deveria ter uns cinco ou seis anos, subiu as escadas correndo, molhada da chuva e lama nos sapatinhos de princesa.
A mãe estava sentada na mesma penteadeira que agora ela encarava com lágrimas nos olhos. Ninguém sabia da ida dela para a cidade, a ideia era não chorar, não deixar o passado tomar conta. Mas a dor da saudade foi grande e ela permitiu esse momento de fraqueza.
– Falta pouco vovô.
Passou as mãos pelos cabelos, um gesto que sempre se repetia quando algo lhe frustrava. Se voltou para a banheira de louça branca a sua frente e ligou a torneira para que a água quente que começava enchê-la também deixasse o ar com muito vapor. Era fácil rever a menina naquele ambiente. Ali sempre fora seu esconderijo.
Quando se deitou na banheira, estava com um sorriso maroto, “finalmente cresci, pra entrar aqui”, quando pequena a banheira era um local proibido.
Relaxou e deixou o corpo descansar e por meia hora um pouco mais talvez esse fosse o seu mundo, calmo ao som da tempestade que batia a janela lá fora. Ao sair da banheira, se aconchegou no roupão felpudo, passando a mão no monograma do lado esquerdo.
Estava relaxada, mas ainda assim cansada. Então se abraçou ao travesseiro e finalmente se permitiu descansar.