Feiticeira Malvada...

1763 Words
Tem que ser um sonho, Mal disse a si mesma. Isto não pode ser real. Ela estava sentada à beira de um lindo lago, sobre o chão de pedras de um antigo templo, comendo um morango delicioso. A floresta em volta era grandiosa e verde, e o som da água batendo sob seus pés era calmo e relaxante. Até mesmo o ar ao redor era doce e fresco. - Onde estou? - Ela perguntou ao pegar uma uva suculenta da cesta de piquenique perto dela. - Você está em Auradon há dias, e este é o Lago Encantado - respondeu o garoto sentado ao seu lado. Ela não havia notado o rapaz até que ele falasse, mas, agora que tinha percebido, desejou que não o tivesse. O garoto era a pior parte de tudo isso, seja lá o que fosse isso: alto, com cabelos castanho-mel despenteados e terrivelmente bonito, com o tipo de sorriso que derretia corações e deixava as garotas caidinhas por ele. Mas Mal não era como as outras meninas, e estava começando a entrar em pânico, como se estivesse presa em uma armadilha. E justamente em Auradon, de todos os lugares possíveis. Aquilo talvez não fosse um sonho. - Quem é você? - disse. - É algum tipo de príncipe ou coisa parecida? - Ela notou o brasão dourado bordado na camisa azul dele. - Você sabe quem eu sou - respondeu o rapaz. - Sou seu amigo. Mal ficou aliviada por um instante. - Então isto é um sonho - ela disse, com um sorrisinho malicioso. - Porque eu não tenho amigos. O rosto dele murchou, mas antes que pudesse responder, uma voz ecoou pela linda vista, escurecendo o céu e agitando as águas nas pedras. - TOLOS! IDIOTAS! MISERÁVEIS! - trovejou. Mal acordou num pulo. Da sacada, sua mãe estava gritando com os súditos novamente. Malévola governava a Ilha dos Perdidos como controlava todas as outras coisas - com medo e desprezo, sem falar no contingente significativo de criados e guardas. Mal estava acostumada com os berros, mas acordar assim era um pouco demais. Seu coração estava acelerado por causa do pesadelo e ela ainda tentava se livrar das cobertas de cetim púrpura. O que diabos ela fazia sonhando com Auradon? Que tipo de magia negra havia feito um lindo príncipe falar com ela em seu sonho? Mal balançou a cabeça e estremeceu, tentando dispensar a visão apavorante do sorriso dele, cheio de covinhas, e foi confortada pelo ruído familiar dos assustados camponeses implorando para que Malévola tivesse piedade deles. Ela observou seu quarto, aliviada por estar exatamente onde deveria, em sua enorme e estridente cama de ferro, com gárgulas em cada uma das colunas e um dossel de veludo tão baixo que por pouco não caía sobre sua cabeça. O quarto de Mal estava sempre escuro, assim como a Ilha, nublada e cinzenta. A voz de sua mãe fez um estrondo da sacada e o chão do quarto estremeceu, levando as gavetas de sua cômoda pintada de verniz violeta a se abrirem de repente, despejando seu conteúdo no piso. Quando Mal escolheu a paleta de cores para suas roupas, a decoração do quarto e outras coisas logo se apegaram a ela, atraída pela riqueza gótica dos tons púrpura. Era a cor do mistério e da magia, melancólica e sombria, diferente da cor favorita dos vilões, preto. Púrpura era o novo preto, até onde Mal sabia. Ela atravessou o quarto, passando pela estante ampla e assimétrica que revelava todas as bugigangas recém-furtadas - colares, luvas de pares diferentes e uma variedade de frascos de perfume vazios. Abrindo as pesadas cortinas, de sua janela ela podia ver toda a ilha e sua monotonia. Lar, estranho lar. A Ilha dos Perdidos não era muito grande. Alguns diziam que era só um ponto ou uma mancha na paisagem, certamente mais marrom do que verde, com uma coleção de telhados de lata e cabanas construídas desordenadamente, barracos erguidos um em cima do outro, prontos para desabar a qualquer momento. Do edifício mais alto da cidade, Mal olhava o movimento no entorno. Antigamente, aquele era um grande palácio com torres elevadas em espiral. Hoje era um local velho e precário, com a pintura descascando. Ali ficava o chamado Castelo da Barganha, onde vestes encantadas quase nunca usadas se encontravam disponíveis à venda em todas as cores e chapéus de bruxas quase inteiros tinham 50% de desconto. Era também o lar de feiticeiras quase muito malvadas. Mal tirou o pijama e vestiu uma bonita jaqueta púrpura com um toque de rosa em um braço e verde no outro, e calça jeans da cor de ameixas secas. Ela cuidadosamente colocou de suas luvas sem dedo e amarrou os cadarços de seus coturnos desgastados. Evitou olhar o espelho, mas, se o tivesse mirado, teria visto uma pequena e linda garota de olhos verdes e amendoados, com um rosto pálido, quase translúcido. As pessoas sempre diziam o quanto ela se parecia com sua mãe, geralmente logo antes de gritar e sair correndo. Mal sentia prazer com o medo dos outros, e até buscava por isso. Ela alinhou suas mechas de cabelo roxas com as costas das mãos e pegou seu caderno, enfiando-o na mochila junto das latas de spray que costumava levar com ela. Essa cidade não ia se grafitar sozinha, não é? Em um mundo cheio de magia, talvez isso ocorresse, mas não era essa a realidade. Uma vez que os armários da cozinha estavam vazios, como de hábito, e não havia nada na geladeira além de jarras cheias de globos oculares e todo tipo de líquido pegajoso de procedência duvidosa - tudo parte do esforço de malévola para fazer poções e conjurar feitiços como antigamente -, Mal se dirigiu à Loja Enoja, do outro lado da rua, para tomar café-da-manhã. Ela verificou as opções do menu - café negro-como-sua-alma, pingado de leite azedo, mingau de aveia com maçã estragada ou banana murcha e cereal mofado, nas versões puro ou com leite azedo. Nunca havia muitas opções. - O que vai querer? - Perguntou um duende grosseiro, exigindo o pedido da menina. No passado, essas criaturas repugnantes haviam sido soldados do exército sombrio de sua mãe, enviados ao reino sem piedade para encontrar princesas desaparecidas. Agora suas tarefas haviam sido reduzidas a servir café tão amargo quanto seus corações, nos tamanhos gigantes, grande e médio. A única diversão que havia restado era errar de propósito o nome do cliente, escrito com caneta na lateral de cada copo (a piada ficava só entre os duendes, já que ninguém sabia ler a língua deles, mas isso parecia não fazer diferença). Eles continuavam atribuindo seu aprisionamento na ilha à sua aliança com Malévola, e todos sabiam que eles viviam pedindo anistia ao Rei Fera, usando seus distantes laços de família com os anões como prova de que não pertenciam àquele lugar. - O de sempre, e faça direito - disse Mal, batendo os dedos impacientes no balcão. - Posso colocar leite azedo de um mês? - Por acaso eu tenho cara de quem gosta de coalhada? Me dê o café mais forte e preto que tiver! O que é isso, Auradon? Foi como se ele tivesse visto seu sonho, e aquilo deixou-a incomodada. O pequeno ser grunhiu, balançando o copo diante do nariz dela, e praticamente empurrou o recipiente em sua direção. Ela pegou o copo e saiu correndo, sem pagar. - SUA MIMADA, VOU FERVER VOCÊ NA CAFETEIRA DA PRÓXIMA VEZ! - gritou o duende. Ela desdenhou. - Só se conseguir me alcançar antes! Os duendes não aprendiam. Também nunca encontraram a princesa Aurora, mas, até aí, os tontos procuraram um bebê por 16 anos. Não é de admirar que Malévola vivesse frustrada. Era difícil achar bons capangas ultimamente. Mal seguiu em frente, parando para zombar do pôster em que o Rei Fera pedia aos cidadãos da ilha que fossem BONS! PORQUE É BOM PARA VOCÊ! Com aquela coroa amarela ridícula na cabeça e um sorriso no rosto. Era definitivamente nauseante e até meio assustador, pelo menos para Mal. Talvez a propaganda de Auradon a estivesse influenciando, e quem sabe tenha sido por isso que ela sonhara com o príncipe e o encontro à beira de um lago encantado naquela noite. O pensamento a fez tremer novamente. Ela tomou um gole de seu café. Tinha gosto de lama. Perfeito. A comida, ou melhor, os restos de comida vinham de Auradon, o que não parecia bom o bastante para aqueles esnobes, eram enviados para a ilha. Ilha dos Perdidos? Que tal Ilha dos Restos? Ninguém se importava muito, na verdade. Coisas como creme de leite e açúcar, pão macio e frutas inteiras e frescas faziam as pessoas amolecerem. Mal e os outros vilões banidos preferiam manter-se durões, por dentro e por fora. De qualquer forma, ela tinha que dar um jeito naquele pôster. Mal tirou as latas de tinta da mochila e fez um bigode e cavanhaque no rosto do rei, além de riscar aquela mensagem ridícula. Foi o Rei Fera quem os havia prendido na Ilha, afinal. Aquele hipócrita. Ela tinha alguns recados para ele também, e todos tinham a ver com vingança. Essa era a Ilha dos Perdidos. O mal vivia, respirava e governava a ilha, e o Rei Fera e seus cartazes horrorosamente gentis incentivando os antigos vilões do mundo a fazer o bem não tinha vez aqui. Quem queria fazer de um limão uma limonada quando podia fazer granadas? Ao lado do pôster, ela traçou uma linha preta na forma de uma cabeça com chifres e uma capa aberta. E, sobre a silhueta de Malévola, escreveu O MAL VIVE! Com tinta verde da cor de gosma de duende. Nada mau. Pior. E assim era bem melhor. Mal ouviu um barulho desconhecido e ao olhar para trás, viu uma limousine de Auradon, reconhecível de acordo com as pequenas bandeiras que estavam do lado de fora da mesma. De lá de dentro saiu um garoto: alto, com cabelo castanho-mel - exatamente como o sonho da de cabelo púrpura, o garoto carregava consigo duas mochilas e uma mala, o que indicava que iria passar uma temporada na ilha. O coração de Mal acelerou, ela não conseguia acreditar, ele era mesmo o garoto dos seus sonhos, ela conseguiu confirmar quando ele deu aquele típico sorriso que derretia corações enquanto observava a ilha decrépita, nublada e cinzenta. Mal não entendia a tamanha felicidade do garoto, por que ele estava tão feliz estando em uma ilha cheia de vilões? Por que ele estava na ilha? Ou melhor, o que estava procurando?
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD