Inclino a cabeça olhando para a cadeira e forço a mão contra a roda tentando colocar ela no lugar, ela se mexe, mas volta para o lugar torto dela.
Porcaria
- Acho que quebrou – a senhora Nanci diz e eu suspiro empurrando mais forte
- Vamos ter fé, o que me diz?
- Fé eu tenho, só não sei se isso vai funcionar com você dessa vez – arqueio uma sobrancelha para ela que sorri e dá de ombros do seu lugar no sofá – Vamos lá querida, admita, você tentou concertar e quebrou a cadeira de rodas.
- Eu não quebrei
- Quebrou sim, e eu que não vou me sentar em uma cadeira em que a roda está virada para o lado errado
- Você vai poder ir para dois lugares ao mesmo tempo, isso é legal, não é?
- Muito engraçado – ela diz chateada e eu reviro os olhos
- Não se preocupe, vou pedir para que olhem
- E até lá eu durmo no sofá? – ela diz arregalando os olhos e eu me levanto empurrando a cadeira para trás.... Ela foi para o lado direito.
Bem, tanto faz
- A senhora vai dormir em sua cama, como sempre – eu falo e arrumo sua cama, ajeitando os travesseiros – Quem quebrou foi a cadeira, não a cama
- Bom, e você vai me carregar no colo?
- Eu poderia, sabe? – finjo fazer um muque batendo em meu antebraço com força – Sou muito forte
Nanci começa a rir e eu sorrio empurrando os lençóis para o lado, onde ela vai se deitar.
- E como foi a viagem? – ela pergunta e eu começo a colocar os remédios do lado de sua cama.
- Foi boa
- Fez algo do qual se arrependeu? – ela pergunta animada e eu quase digo não. Mas aí me lembro do beijo e suspiro irritada
- Sim, fiz
- Ótimo – ela bate palmas e eu sorrio desconfiada – Uma viagem só é uma viagem se você fizer algo do qual se arrepende
- Isso tem em algum livro de autoajuda?
- É claro que não, eles não são tão inteligentes assim
- Ou.... - Pego o copo de água e a deixo do lado da cama – Eles são sensatos
Nanci bufa e faz um gesto com a mão dispensando o meu comentário
- A vida não é sensata querida
- Não posso dizer que a senhora está errada
- Inteligência sua
Balanço a cabeça e vou até a porta, olho no corredor e aceno para um dos enfermeiros vir me ajudar com Nanci. Cinco minutos depois e muitos resmungos da parte da paciente, conseguimos colocar ela na cama.
- Tenha uma boa noite Nanci – eu falo e ela resmunga mais alguma coisa se ajeitando nos lençóis.
Volto para a porta e já ia fechando a porta quando ela chama o meu nome, me viro de novo e coloco a cabeça para dentro do quarto.
- Sim?
- Não escolha sempre o caminho certo.
- Perdão? – eu digo confusa e ela suspira aborrecida
- Porque as vezes o que você procura está no outro caminho, e você tem medo de mais de trocar de pista
- Não foi isso que eu ouvi dizer
- Eu já disse, eles são meio burrinhos mesmo – ela faz uma careta e olha para mim – As vezes os melhores caminhos são aqueles que são imprevisíveis.
- Você está muito intensa hoje, engoliu um livro de filosofia?
- Você é irritante, sabia? – ela diz e eu fecho a porta rindo.
...........................
Sabe no tempo da escola quando você estava sentada na sua cadeira sem fazer nada e aí de repente uma voz ressoa na sala chamando o seu nome e o seu corpo inteiro fica em estado alerta querendo correr para o lado oposto?
Bom, aconteceu comigo agora.
A única diferença é que foi a enfermeira chefe do meu departamento que me chamou e não a diretora. Mas eu meio que acho que dá no mesmo.
As duas sempre estão com expressões fechadas e com cara de quem vai te dar um belo sermão. Então me preparo para dizer que a culpa de a cadeira ter sido quebrada não é minha.
- Temos que conversar sobre um assunto muito delicado, srta. Fontaine
- É sobre a cadeira? Porque eu juro que....
- Cadeira? Que cadeira? – Jennifer Bulton é uma mulher bonita, do tipo de cabelos grandes, olhos claros, rosto pequeno, mas quando ela fica piscando os olhos como estava fazendo agora, ela me parecia muito um passarinho.
- Cadeira nenhuma – eu falo me desviando do assunto – Prossiga por favor
Ela suspira e se senta na cadeira a minha frente, cruzando as mãos sobre a mesa ela sorri e eu me preparo, lá vem notícia ruim.
- O departamento está precisando se recuperar de alguns problemas financeiros, então estão fazendo alguns cortes e....
- Espera, isso é você tentando me demitir? – eu falo arregalando os olhos assustada.
- Sinto muito – ela diz e eu me levanto da cadeira – Mas algumas pessoas terão que sair para começarmos a organizar tudo novamente sabe?
- Eu gosto do meu trabalho Jennifer, nunca cheguei atrasada...- paro e reformulo a frase, até porque nunca é uma palavra muito forte – Eu só não entendo.
- Eu sei, mas não há nada que eu possa fazer
Suspiro cansada e olho ao redor da sala. O primeiro emprego dela depois de terminar a faculdade de enfermagem fora ali, no hospital St. John, onde todos se comunicavam em grupo e onde todos ajudavam no que pudessem e agora depois de seis anos trabalhando em um local do qual gostava ela estava sendo demitida.
Sem nem ao menos o direito de lutar pelo cargo.
Isso era maldade.
Olho de novo para Jennifer e sorrio me desculpando.
- Tudo bem, a culpa não é sua – pigarreio e dou um passo à frente – Quanto tempo eu tenho?
- Somente esse mês
- Certo. Obrigada Jennifer
Ela sorri se levantando e sai da sala, pego o meu pingente na correntinha em volta do pescoço e aperto.
Nanci disse que eu deveria tomar novos caminhos. Tudo bem, eu poderia fazer isso.
Só tinha que descobrir como.