Jogados no sofá e se recuperando, Ícaro então lembrou-se de comentar sobre o quarto dela:
— Sério mesmo, adorei sua casa, principalmente seu quarto. Não segue o normal e é relaxante.
— Você não parecia muito relaxado em meu quarto – ela riu.
— Na verdade, nunca estou relaxado ao seu lado, não sei porquê.
— Patrick tira o sarro em minha decoração fora do padrão, mas sei que também adora tudo aqui.
Lara estava relaxada, encostada no sofá, pensava em ir até a cozinha beliscar mais alguma coisa deliciosa que a mãe dele havia mandado.
— Creio que seja isso que me deixa meio acelerado ao seu lado. Esses comentários seus, sei lá, parece que você não tem filtro e só fala. Quando nos conhecemos, por exemplo, eu estava enfurecido e só o que você tinha que fazer era dizer que não era filha da senhora. Mas você achou por bem estender o que entendi errado.
Lara ainda não o conhecia muito bem, mas julgou que ele parecia irritado.
— Do que diabos você está falando? – Ela se virou para ele, mais curiosa do que nervosa. – Vai me dizer que ainda acha que fui a culpada por ter se enganado e ter me tratado m*l?
Caramba, era difícil se manter impassível com ele assim, sentado todo displicente no sofá dela.
— Isso, esse negócio de a gente ter acabado de t*****r e você falar de um cara. Que péssima hora para se falar de um cara.
— Ei, espera aí. Há uma etiqueta pós sexo que desconheço? – Lara sabia que seus decibéis tinham aumentado, mas sua raiva era pura. – Me explique melhor, senhor machista.
— Não é isso, é só que, é estranho.
— Sou estranha? E o que está fazendo na p***a do meu sofá semi despido e me julgando? Vai me dizer que nunca falou de uma mulher após t*****r com outra?
Ícaro se aprumou no sofá, preparando para se recompor e vestir suas roupas e dar o fora dali.
— Foi m*l, não está mais aqui quem falou – ele colocou as duas palmas das mãos para cima em sinal de rendição.
— Não. Fique mais um pouco porque seus pedidos de desculpas são muito estranhos, meu caro. Me pediu perdão por mensagens, queria vir aqui pedir pessoalmente, transamos e já está se desculpando de novo? Muito me espanta que você seja um machista escroto.
Lara estava de pé, na frente dele, os braços cruzados em frente ao corpo.
— Não sou machista.
— Topa então ouvir sobre minhas transas nesse mesmo sofá? Ah, porque eu adoro falar, principalmente para a atual transa – Lara estava p**a com ele.
— Calma, garota – ele tentava sorrir, claramente incomodado.
— Não, estou calma, na verdade. Só acho estranho ter que escolher qual assunto abordar, essa etiqueta horrorosa que se impõe. Falei o nome de uma pessoa e você já se arrepiou todo, se liga, cara! Você não é exclusivo, sabia?
— Do que está falando? – Ícaro agora de pé, se mostrava mais irritado ainda. – Você tem namorado?
— Um pouco tarde para perguntar, não é? – Lara terminava de se vestir e não via a hora dele sair de sua casa.
— Sério, Lara, você tem namorado e só me fala agora?
— Por que não me perguntou antes de começar o assunto de depilação, seu babaca?
— Eu que sou babaca? Você está se ouvindo? E quem começou o assunto de depilação foi você!
— Meu Deus, coitadinho de você, não é? Que judiação, o grande socorrista foi enganado, foi ludibriado pela má moça. Quer me processar, bebê? Vá em frente, canalha, sou uma boa advogada. – Lara alternava a voz e os trejeitos, de frente para ele, bem mais alto que ela, ia de sarcástica a furiosa, um dedo em riste batendo no peito dele com força e Ícaro se afastava, m*l acreditando que ela falava isso.
— Você é louca, sabia?
— Devia ter tomado cuidado antes de ter saído de sua casa e vir me trazer comida, não é?
Ela ria e saiu rebolando da sala.
Entrou na cozinha, se sentou e fez outro prato com as delícias que ele trouxera. Um minuto depois ele entrou na cozinha, o olhar ainda de perplexidade, os cabelos esvoaçados que certamente ele deveria ter passado as mãos e bagunçado incrédulo.
— Coma mais um pouco, socorrista vulnerável – ela apontou as vasilhas sobre a mesa em franco deboche e Ícaro se sentou, mais distante dela.
Lara estava mastigando e, tranquila, preparou um prato para ele com movimentos vagarosos.
— Você tem mesmo um namorado? – Ele perguntou com voz baixa, mas ela detectou um nervosismo na voz dele e se irritou novamente.
— Na verdade, não – Lara falava com tranquilidade, queria ver até onde ele iria. – Tenho alguns “cachos” por aí, sabe como é, né? Pegar e não se apegar, o básico. E por falar nisso, obrigada por ter vindo ou teria que usar meu Vinni. É meu vibrador, antes que você surte igual um maluco.
— Jesus.
— O que foi? Não tem peguetes por aí, meu caro? Ou só gosta de namorar firme? Gosto de ter sempre um PA, não há coisa melhor.
— O que diabos é um PA?
— Um p*u amigo, uai, pensou que fosse o quê, que mundo você vive, senhor puritano?
— Não conhecia o termo.
— E você, tem um BA? Já sei, não sabe o que é, pois bem, é uma b****a amiga.
Lara estava adorando encher a paciência dele e o ver desconcertado.
— Nunca usei esse nome antes, mas sim, saio com umas garotas sem compromisso às vezes.
— Sou sua BA, ao menos fui hoje.
— Acho estranho usar esse termo.
— Use como quiser, uma transa sem compromisso, uma BA, use como quiser.
— Mas não me respondeu se tem um namorado?
— Porque não é da sua conta.
— Claro que é, pois se nós acabamos de …
— Fale, Ícaro, acabamos de f***r, de trepar, você me comeu, nós fodemos.
— Chega!
— Você tem alguma religião? Parece um garotinho, sabia. Se liberte, cara. Acabei de te f***r e adorei, aceite.
— Acho isso tão chulo, essa forma como você fala do que acabamos de fazer.
— E queria que eu falasse o quê, que fizemos amor, que nos amamos, fizemos nenê, papai e mamãe? Ah, me poupe de moralismo, vai. Porque para mim foi sexo, puro e simples sexo, metemos gosto ali e você fez sua parte, muito bem, na verdade.
— Quem é Patrick?
— Ah, vá se f***r, Ícaro. Você já me encheu. Saia da minha casa porque já deu. Já transamos, estou com o estômago cheio e minha b****a satisfeita, agora vaze, saia da minha casa, cara.
Lara se pôs de pé e o instava a se levantar.
Ícaro segurou-a pelos pulsos, impedindo-a de o empurrar, que era o que ela estava fazendo.
— Sei o que está fazendo, Lara. – Ele a olhava sério. – Está fazendo isso para me afastar e sei o motivo.
— Hum, sério, e o que seria?
— Você gostou de mim.
— Ha ha ha, agora você se superou mesmo, hein? – Ela se desvencilhou dele e foi até o armário debaixo da pia, tirando de lá potes para colocar o que sobrara das comilanças que ele trouxe, colocando os potes em cima da pia, passou a andar da mesa e da pia, guardando e escolhendo potes que coubesse a fartura que a mãe dele tinha mandado. – Você se acha mesmo, não?
Ícaro ficou ao longe, encostado no umbral da porta da cozinha, fitava-a com um meio sorriso nos lábios.
— Sei que é isso, quando gosta de alguém, você tende a afastá-la.
— Você é socorrista ou psicólogo?
— Não precisa ser psicólogo para saber que gostou de mim, moça.
— Hum, então me diga, doutor – ela se apoiou na pia com os quadris, um dedo dobre o queixo, os braços cruzados sobre o corpo. –, e me apaixonei por você, exatamente quando? Foi quando adentrou a lanchonete montado em seu uniforme delicioso de socorrista e salvou a senhorinha? Ou foi quando me olhou com um ódio mortal e saiu disparando farpas envenenadas, me acusando de filha negligente que não cuida da mãe. Ah, espere, acha que foi na hora que insistiu que eu deveria entrar na ambulância ou me arrependeria? Nossa, será que foi na hora que me ameaçou de processo, caso eu não fosse falar com a assistente social? Me ajude aí, pois não sei direito qual foi a hora em que me apaixonei por você, me desculpe.
Lara foi aumentando a voz a cada vez, deixando-o desconfortável, tirando-o de sua franca tranquilidade corporal e adorou ver o desconforto dele.
— Ah, não! Tenho quase certeza e me corrija se eu estiver errada, por favor – ela não o olhava, parecia pensar profundamente, olhando para o alto, compenetrada. – Será que não foi quando você anotou mentalmente meu número de telefone e me mandou mensagem? Acertei? Olhe como estou arrepiada só de me lembrar disso.
Chegando perto dele, ela lhe mostrou o braço esticado, obviamente não arrepiado e com uma expressão tão grande de deboche, que lhe escorria escárnio da voz.