Soraia salva Júlia

2195 Words
— Eu acho que você deveria ficar bem longe disso. A Júlia está muito bem resguardada, além do mais, Eugênio já sabe que os inimigos deles estão rondando por Aventine.— Constatou Davi, após ouvir todo o drama de sua noiva. Ele já havia tomado todo o seu sorvete enquanto ouvia Soraia falar. — Como vou ficar longe? Se trata da minha melhor amiga! Sim, a Júlia foi uma ingrata comigo, e sim, ela me tira do sério muitas vezes, mas eu a amo. Escrevi uma carta para ela contando tudo, desde quando aquele brutamontes me atirou no chão, até o momento em que acabou se tornando professor voluntário para substituí-la. — Por insistência sua.— Observou Davi. — Como eu saberia que aquele homem tão elegante se tratava de um mafioso da p.ior qualidade? Papagaios! Estou me sentindo culpada. — Você não tinha como adivinhar, não se culpe tanto.— Davi, que estava de frente para a moça, esticou o braço para segurar a mão da mesma. — Pare com isso, estão todos olhando.— Soraia afastou a mão. — E daí? Somos noivos. — Mas ainda não casamos. Bom, voltando ao assunto, pedi para que a minha criada de confiança entregasse a minha carta na casa da Júlia. Não vou deixar que aquele benfeitor de araque apronte para a minha amiga. — Tente não se meter em problemas. Amanhã já é o noivado da Júlia e do Rodrigo, em breve ela estará bem longe daqui. Se você ficar se expondo a brigar com um mafioso, terá que sair foragida de Aventine. — Você quem pensa! Eu acabo com o p****e. Ah, se o tal Francisco cruzar o meu caminho novamente, eu o encho de bolsadas. — Preciso voltar para o trabalho.— Davi conferiu o relógio de pulso antes de ficar de pé.— Não se meta em problemas.— Em seguida, o homem caminhou para fora da sorveteria. Soraia assistiu a porta balançar, antes do vazio preencher o lugar que foi ocupado por Davi. Na maioria das vezes, ela tinha a forte impressão que o Davi usava o trabalho como desculpa para fugir da companhia dela. As vezes o achava impaciente. Davi sempre foi prático e objetivo, já Soraia, intensa e sonhadora. Ela era empolgada e cheia de vida, mas sentia que aquilo, as vezes, sufocava o Davi. O que podia fazer? Estava prometida a ele desde que se entendia por gente, uma aliança entre duas famílias tradicionais. Davi m.al a beijava, apenas rápidas encostadas de lábios. Ela nunca experimentou a sensação de estar apaixonada. Mas não tinha muito o que fazer, estava destinada a aquilo. Chateada por não ter a atenção que esperava, Soraia ficou de pé e também deixou o estabelecimento. Caminhou alguns passos até perceber que estava sendo seguida. Ao voltar-se para trás empalideceu ao se deparar com Francisco. — Pelo visto, algo parece te atormentar. Instintivamente ela recuou, passou a ter medo do Francisco desde que soube quem ele era. — Deveria me tratar com mais educação, visto que somos colegas de profissão.— disse Francisco, novamente. — Nem se atreva a voltar na escola. Eu vou conseguir outro professor voluntario até a Júlia voltar a lecionar, mas não será você. — Deveria me deixar ficar, até mesmo porque a sua amiga não vai voltar. Aquela insinuação maldosa fez gelar a espinha da Soraia. — Canalha… Eu não vou deixar vocês encostarem em um fio de cabelo da minha amiga. Já escrevi uma carta para ela contando tudo. — É mesmo? E o que você vai fazer? Me atirar a sua bolsa na cabeça?— Perguntou Francisco com ironia. — Sabe que não é má ideia?— Soraia se lançou sobre o homem, o acertando com várias bolsadas. Francisco precisou prender o riso enquanto se desvencilhava dela. Facilmente o rapaz segurou as duas mãos da moça e a imobilizou. Ele a arrastou para uma rua estreita e sem saída logo na lateral, pressionando-a contra a parede. Os dois estavam frente a frente, poucos centímetros os separavam. — O que vai fazer? Pretende me matar também? — Eu não mataria uma colega de classe.— disse Francisco, irônico. Ele ainda mantinha as duas mãos dela para o alto da cabeça. — Não é possível que não tenha um pingo de sensibilidade aí dentro. Eu vi o amor e a dedicação que você ensinou as crianças. Como pode aquela pessoa ser o bandido da p.ior laia? Por que você usa a sua inteligência para fazer m.al aos outros? — Você não sabe de nada, menina. Não passa de uma rastaquera, uma princesa que sempre teve a vida perfeita. — Você não sabe nada sobre mim. Mas de uma coisa pode ficar certo, eu não me dou por vencida. Não vou te deixar fazer m.al a Júlia. — Você é leal, isso é admirável. Pelo pouco que vi de você, sei que é intensa, inteligente e sonhadora. Acha que pode resolver tudo, não é? Nem sempre poderá. — Virou conselheiro agora? — Olha, boneca… Quer ouvir outra coisa que eu sei? — Não! — Mas vou dizer assim mesmo. Aquele seu noivo não é homem para você. Está nítido que ele não vai dá conta de toda essa sua vivacidade. — Abusado! Não sabe de nada sobre nós para dizer essas tolices. O Davi é o meu noivo desde… Desde sempre, desde criança sou prometida a ele. — E por isso nunca experimentou uma paixão de verdade. Aposto que nem mesmo sabe como é ser beijada devidamente.— Ao mencionar aquilo, Francisco olhou rapidamente para os lábios rosados dela. A boca de Soraia parecia trêmula, o corpo dela estava todo retesado. Francisco, pouco a pouco, soltou os pulsos dela. Ao se ver livre, Soraia reagiu. Ela tentou disferir uma forte bofetada contra o rosto do homem, mas novamente ele segurou a mão dela com facilidade. Dessa vez, a puxou contra si sem cerimônias e a controlou com um beijo pouco gentil. A princípio Soraia se debateu, mas o beijo se tornou envolvente. Os lábios de Francisco exploraram e estimularam sua boca, até que ela o retribuísse. Soraia não se reconheceu naquele momento. Com um dos braços ela abraçou o pescoço do homem, ficando na ponta dos pés para alcançar a altura dele. Francisco apertou a cintura dela com vontade, enquanto seus lábios exploravam a linha delicada do pescoço feminino. Soraia nunca havia se sentido tão desejada por um homem como naquele momento. O beijo do Francisco era intenso e nada recatado, o p.ior foi que ela gostou, e se sentia uma devassa por isso. Ele usou a boca e a língua para beijá-la novamente até que ela quase perdesse os sentidos. Até que ela esquecesse que deveria odiá-lo. De repente, a realidade a trouxe de volta e ela tomou consciência do que exatamente estava fazendo. Soraia empurrou Francisco bruscamente para trás, a sua respiração estava ofegante. — Como você se atreve? Seu p****e, calhorda de uma figa!— Soraia disferiu três tapas contra os ombros dele. — Você gostou.—Francisco esticou o canto da boca num sorriso malicioso.— Se não tivesse gostado, não teria me beijado de volta. Aquele comentário deixou Soraia ainda mais indignada. — Você é mesmo um p****e! Como se atreve? — Pensa, senhorita. Pensa e me responde se algum dia o teu noivo te beijou assim. As bochechas da Soraia ficaram enrubescidas e Francisco não sabia se era por raiva ou timidez. A garota saiu dali pisando duro, logo após acertá-lo com a bolsa. Francisco a observou se afastar. Quis convencer a si mesmo que apenas fez aquilo para irritar a garota, mas na verdade, ele também tinha gostado de beijá-la. ... Júlia piscou os olhos algumas vezes a se deparar com o conteúdo deixado por Soraia. Já estava de noite, ela havia voltado um pouco mais tarde para casa, visto que queria aproveitar com Tom os últimos minutos antes da fuga. Amanhã era o grande dia e muitas incertezas pairavam na sua cabeça. Será que daria certo? Será que ela conseguiria formar uma vida com o Thomas bem longe dali? Será que um dia o seu pai a perdoaria por ter arruinado a aliança dele com o prefeito? Júlia não estava por dentro dos negócios que o pai tinha com o prefeito, mas sabia que o casamento dela com o Rodrigo era muito importante para Eugênio. Sua cabeça já estava um turbilhão e após ler a carta da Soraia, piorou. Ela era o alvo dos Messina, e aquilo significava que precisava ir embora o mais rápido possível. Mas ao mesmo tempo, se preocupava com a sua famíla. O que aconteceria com eles se realmente houvesse essa guerra? — Sinto que estou com a corda no pescoço.— Desabafou Júlia para Manoela, sua criada de confiança. Manoela era filha de escravos e trabalhava para a família da Júlia praticamente a sua vida toda. — O que tem nessa carta, Julinha? É muito sério? A senhorita Soraia disse que era muito urgente. — E é, Manoela.— Júlia respirou fundo, pesarosa.— Eu me sinto perdida. Não posso casar com o Rodrigo amando o Thomas, mas não posso abandonar a minha família nesse momento de guerra. — Não abra mão da sua felicidade por causa da guerra, filha. Isso já vem acontecendo há muitas gerações e não é você quem vai mudar o destino dos Santiago e dos Messina. — Talvez eu possa voltar quando estiver casada com o Thomas. Tenho certeza que o Thomas vai proteger a nossa família dos Messina.— Júlia mordeu os lábios, empolgada.— Eu preciso falar com a Soraia. Preciso fazer as pazes com a minha amiga e me desculpar por ter sido injusta com ela. — Não sei se vai ser uma boa ideia, Julinha. Vosso pai está uma fera. Júlia estava prestes a responder, quando Eugênio chegou inesperadamente no jardim. Da varanda de sua casa, ele viu quando Júlia e a criada conversavam no canto. — No que as duas estão de segredinhos?— o homem lançou o seu melhor olhar sombrio para ambas. — E-eu contava para Manoela da discussão que tive com a Soraia e que estávamos fazendo as pazes.— Explicou Júlia, parecendo nervosa. — Onde você estava até essa hora, Júlia?— Perguntou o mais velho. Embora a sua voz estivesse tranquila, o seu olhar diabólico indicava que ele estava a ponto de explodir. Júlia chegou a abrir a boca para responder, quando foi salva por um anjo misericordioso. — Ela estava comigo, padrinho. Brigamos f.eio esses dias e passamos horas nos acertando. Estávamos na casa de chá ao lado da minha casa e em seguida fomos na praça. — Considerando o tempo que gastaram, a briga foi f.ei.a.— Observou Eugênio, ainda com um olhar desconfiado. — Não, meu pai, foi bobagem. Eu estou com os nervos a flor da pele por conta do casamento que se aproxima, daí tudo que me contraria eu simplesmente explodo. — Vou te contar o motivo da nossa briga...— disse Soraia, já sabendo que o homem fugiria de uma explicação. — Não estou interessado em ouvir fricotes de mulher. Está tarde, o que veio fazer aqui? Seu pai não gosta que saia a noite.— disse Eugênio para Soraia. As duas jovens se entreolharam em cumplicidade. — Eu vim porque a Júlia ficou com medo do senhor brigar com ela por conta da demora. Foi só para explicar que não estávamos fazendo nada demais. — Da próxima vez conversem em casa. Duas moças de família, principalmente que são noivas, não devem ficar andando por aí. — Sim senhor, meu pai. Não iremos mais perder a hora dessa forma.— Concordou Júlia. — Durma aqui essa noite, Soraia. Vou avisar ao seu pai que vai ficar.— disse Eugênio antes de se retirar. Júlia suspirou aliviada, antes de puxar a amiga para um forte abraço. — Você salvou a minha pele. Muito, muito obrigada. — Vim me certificar de que recebeu e leu a minha carta. Estava em pânico para que soubesse do tal Francisco. — Eu entreguei na hora que a Julinha chegou.— Se defendeu Manoela. — Me desculpa por ter sido tão injusta com você. Sei que fala essas coisas para me proteger.— disse Júlia ao soltá-la do abraço.— Eu estava prestes a ir na sua casa para fazermos as pazes quando o papai chegou. Não queria ir embora sem me despedir de você. — Nos conhecemos a vida inteira e nunca tínhamos brigado. Mas acontece, irmãs também brigam. — Nunca mais vamos brigar.— Júlia a abraçou de novo. — Deixem de tanta lenga-lenga. Lembrem que doutor Eugênio observa tudo da varanda do quarto.— Lembrou Manoela. — Sim, vamos entrar. Precisamos nos atualizar. Amanhã... Já é amanhã. — Eu até estou aliviada que vá embora.— Confessou Soraia ao caminharem para dentro de casa.— Agora sabendo que você é o alvo dos Messina... Ao menos o Thomas pode te proteger. — Eu confio a minha vida ao Thomas, minha amiga.— disse Júlia, enquanto caminhava ao lado dela.— Eu sei que ele jamais faria nada para me machucar.
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