Assimilando

989 Words
Não podia ser verdade que vinte e cinco anos haviam se passado, e se realmente isso aconteceu, como eu não conseguia me lembrar de nada? Nunca acreditei nestas histórias de pessoas que viajam no tempo, mas naquele momento eu estava literalmente viajando. Talvez o médico saberia explicar o motivo pelo qual eu não me lembrava de nada que acontecera nas últimas duas décadas e meia da minha vida. Devo ter mesmo batido a cabeça, como Claire havia dito. Mas onde eu estava? Espere! Eu ouvi algo sobre eu estar num avião. O que eu fazia dentro de um avião, ou melhor, para onde eu estava indo? E também, que namorada? À única que tenho é Claire, ou pelo menos tinha antes de dizer aquelas bobagens no baile. Mas que d***a! O que estava acontecendo? Fechei os olhos e nada. Nenhum flash, nenhuma memória. Respostas, era tudo que eu precisava. - Mama? - Chamei minha mãe. Normalmente eu a chamava assim. - Já estava com saudades desse nome. Há quanto tempo você não me chama assim! - Se fosse uma pergunta, eu responderia que há um dia no máximo. Cada vez eu compreendia menos o que estava acontecendo ali. - Disse que o baile foi há vinte e cinco anos atrás, mas eu não me lembro de nada. n******e ser, ontem mesmo eu estava lá. Por favor mãe, se isso for uma brincadeira, preciso que pare. - Olhei bem no fundo dos olhos de minha mãe e notei o quanto ela parecia triste. - Querido, sei que as coisas estão confusas para você por enquanto, mas não se preocupe com isso. Creio que agora você poderá tirar um tempo para alinhar suas ideias. Bem, como não se lembra de como chegou aqui, eu explico. Você estava vindo para cá porque estou vendendo a nossa casa em Baton Rouge, e eu preciso que assine. - Ela disse como se vender a nossa casa fosse normal. Mas não, não era. - Mas por que quer vender a nossa casa? Onde vamos morar? E por que precisa da minha assinatura? E o papai, ele concorda com isso? - Bruce, seu pai morreu há dez anos atrás, e você se foi há muito tempo. Manhattan é sua casa agora, e além do mais aquela casa está muito vazia desde que a nossa Barbie cresceu. - Quem é Barbie? Mama, pode parecer loucura, mas não acho realmente que estou louco. Não consigo assimilar o que está dizendo. A última coisa que me lembro é do baile de formatura. Não sei como o papai pode ter morrido. Onde eu estava? Diga que isso é um pesadelo, por favor. Estava cada vez mais difícil de assimilar tudo o que ela dizia, e a forma como ela dizia. Era certo que eu havia perdido a memória, pois eu apenas me lembrava de uma vida há vinte e cinco anos atrás. - Infelizmente não é um pesadelo, meu filho. - Neste momento, alguém bateu na porta. - Bom dia! Posso entrar? Sou a Dra. Katherine, médica do Sr. Miller. - Uma mulher n***a, a qual não me era estranha, apareceu e perguntou educadamente. - Claro, Dra. Katherine. - Disse minha mãe com um sorriso estonteante no rosto, e o nome me soou familiar. É claro! Essa mulher era a Katie, da escola, líder de torcida, mas era uma Katie diferente que usava um jaleco branco e minha mãe a chamou de doutora. Doutora? Mais perguntas iam surgindo a cada momento. - Bruce, meu mais novo paciente há quanto tempo?! - Ela sorriu pegando o meu prontuário médico. - Katie? Katie líder de torcida? - Ela olhou para mim, surpresa, mas esboçando um belo sorriso. - Sim, e não se esqueça que fui a presidente do Comitê da Irmandade Kappa por cinco anos consecutivos, também. Mas hoje eu sou mais conhecida como a Dra. Katherine Kawanda, reconhecida mundialmente pelo Conselho Federativo de Medicina Neurológica, mas não é disso que vamos falar. - Ela conseguiu usar o tom sarcástico e sutil ao mesmo tempo, e baixando os olhos, leu todas as folhas do meu prontuário com muita atenção. - Dra. Katherine? - Era estranho chamá-la assim. - Não consigo me lembrar de uma longa fase em minha vida. Exatamente vinte e cinco anos. É como se nunca existiram em minha vida. - Ela me encarou por um bom tempo. - Dra. Katie, pode me chamar de Dra. Katie. Qual é a ultima coisa que se lembra? - O baile de formatura. - Respondi. - Que por sinal, hoje fazem vinte e cinco anos. Bruce, em seus exames, identificamos uma espécie de Distúrbio da Função Cognitiva, que pode ter causado a sua total perda de consciência. Mas a perda de memória, ainda não consigo relacionar. Neste caso, eu pedirei mais alguns exames neurológicos. Ainda é muito cedo para tirar qualquer conclusão. Assim que fizer os exames, talvez poderá voltar para casa. Por enquanto, você permanecerá internado. Vou pedir que a enfermeira providencie tudo. - Isso tudo me assustou. E se eu estivesse com os dias contados? Iria morrer sem me lembrar do que aconteceu nos últimos anos. - Dra. Katie, minha querida, acha que pode ser grave? - Minha mãe perguntou, sempre gentil em suas palavras. - Sra. Miller, ainda é cedo para dar um diagnóstico preciso. Vou conseguir analisar melhor com os exames complementares. Mas não se preocupe, prometo que cuidarei de seu filho. Estava tentando controlar o meu total desespero diante daquela situação. Pelo visto, as coisas tinham mudado, e mudado drasticamente. O que se pode acontecer em vinte e cinco anos? Era como se eu tivesse hibernado esse tempo todo e despertado mil anos depois. Talvez o melhor no momento era me acalmar e tentar entender o que estava acontecendo, afinal, como é possível lembrar perfeitamente dezoito anos de uma vida e esquecer vinte e cinco anos? Isso significa que hipoteticamente eu tenho quarenta e dois anos. Impossível!
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