Isaque Albuquerque
O dia no Rio de Janeiro amanheceu ensolarado e Victor aproveitou aquele momento para passear um pouco com as crianças na praia. Os acompanhei, pois o jantar beneficente aconteceria no início da noite.
— Menina, está ensolarado, mas vejo uma nuvem ao longe. — Uma mulher diz, ao nos ver caminhando com Gael a segurar em minha mão e Vitória nos braços de Victor.
— Ahh peço que chova, em minha horta!
— A outra exclama, fazendo sua amiga rir alto e acenar para nós dois. — O melhor de dois mundos, eu diria!! — Esbraveja e Victor ri, me olhando.
— Por que está rindo? Gostou do elogio?
— Pergunto a ele que discorda.
— Então o que foi?
— Estou rindo de nervoso, ao imaginar o que Alice faria com essas mulheres se estivesse por aqui. — Responde e gargalho, concordando. Não quero nem mesmo pensar em Rebeca com ciúmes.
— Vamos nos sentar um pouco, enquanto as crianças brincam na areia. — Fala e assinto. Retiramos os nossos chinelos e nos sentamos na areia, usando bermudas e camisetas largas para referescar um pouco. Vitória é repreendida por seu irmão há cada segundo, por todo momento tentar comer o telhado do castelo que ele construía com dedicação. — O que sente quando os vê?
— Uma mistura de sentimentos.
— Respondo, suspirando. — Desde que Rebeca e eu nos casamos, meu sonho sempre foi ter um filho que fosse realmente nosso. Mas, com o tempo as coisas foram acontecendo, tive de sair do meu emprego para dar atenção a escola e logo em seguida descobrimos os perigos que haveriam em uma futura gravidez...
— Mas, vocês são o próprio milagre, Isaque. Como pode se preocupar tendo um Deus tão grande? — Victor questiona e sim, eu sei que ele está certo. Talvez sinta medo, não por crer em Deus, mas por não acreditar em mim mesmo.
— Só não sei se, estou pronto para o NÃO de Deus. E se nosso amor não for forte o suficiente? Sinto-me angustiado em perde-la, em ser esquecido por conta da dor.
— Desabafo e Victor respira fundo, apertando meu ombro, tentando me dar consolo.
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— Parece que estamos prontos! — Alice diz animada, usando um lindo vestido rosa com muito brilho e ajeitando a gravata borboleta de seu esposo, com a mesma cor.
— Nunca imaginei que nos arrumariamos tão rápido, até que é bom ter três adultos em casa. — Victor se refere a mim e Alice gargalha. — O que foi? Não é a hora de fazermos a proposta ao Isaque?
— É o que?! — Arregalo os olhos e ambos riem, como dois bobos que são. — Prefiro a vida a dois, esqueçam. — Respondo, entrando na brincadeira.
— Ah que pena, mas, pelo menos tentamos.
— Alice zomba, fazendo bico e seu esposo lhe imita. — Crianças, vamos lá! — Ela exclama, pegando Vitória no colo.
— Mãe, não estou encontrando minha meia colorida. — Gael diz, vindo até nós e Victor corre até o quarto do menino.
— Isaque, pode cuidar da Vitória por um minuto? — Pede e assinto, não entendendo o que acontecia.
— Mãe!! Eu já procurei, não está aí! Mãe, eu preciso da minha meia, meus pés estão tão gelados! — Gael começa a dizer, deixando lágrimas descerem por seus olhos.
— Filho, se acalme, vamos encontra-la.
— A jovem mulher, responde. — Thor, não viu a meia?
— Estava junto das roupas da lavanderia, mas, eu me lembro de te-las separado para lavar em casa. — O marido responde, também ansioso. Gael se aproxima de uma parede e Victor corre, pondo sua mão entre a cabeça do menino, que bate fortemente sobre ela.
— Alice, tem algo que posso fazer? — Digo, já bastante preocupado. — Posso ajudar procura-la. — Respondo.
— Não precisa, Za. Já estamos acostumados. Fazemos o seguinte, vá com meu carro para o evento, pois precisa encontrar o professor...depois lhe encontramos. — Ela me entrega a chave, pegando sua filha nos braços e o telefone da lavanderia preso a geladeira.
— Tem certeza? — Indago mais uma vez e ambos concordam, apontando para que eu vá e assim faço. Entro no carro e uma crise de choro me invade, um medo envolto em desespero, sem saber se estava realmente preparado para situações como aquela. Um pensamento me cobre, algo r**m, como um desejo de que minha última noite com Rebeca não tivesse resultado em nada, além de prazer e carinho.
Ao chegar no enorme salão do Copacabana Palace, sou recebido por um gentil mordomo que me entrega um cartão de lance. Agradeço, apesar de não ter um centavo para comprar nada. Na verdade, sentia que naquela noite era eu quem seria leiloado e esperava encontrar um bom comprador.
— Olá, você deve ser Isaque Albuquerque. Alice me enviou uma foto sua. — Um senhor de cabelos grisalhos e sorriso gentil, estende a mão e o cumprimento animado. Ele ajeita seus óculos quadrados e marrom, enquanto observa meu terno emprestado de Victor, pois não tinha nada parecido com aquele lugar em minha mala. É estranho, quando somos jovens pensamos que alcançaremos o mundo inteiro, que encontraremos um bom emprego que nos permita viver bem e confortável. Mas, vem a vida e muda tudo, lhe torna um sonhador com uma escola endividada, uma casa como garantia no banco e a esposa desejosa por um filho.
— Sim, sou eu. Muito obrigado pelo convite, sou imensamente grato em poder mostrar o meu trabalho aos senhores. — Respondo e ele arqueia as sobrancelhas, como se não entendesse muito bem o que eu dissera.
— Ahan, claro, tudo bem. — Fala, batendo levemente em minhas costas e caminhando até o mordomo gentil, que vem em minha direção.
— Com licença, senhor...será que poderia me acompanhar até a saída? — O homem pergunta, não tão gentil como logo quando cheguei.
— O que? Desculpe, eu vim falar com o professor sobre minha escola de música.
— Falo, sentindo-me de certa forma constrangido.
— Senhor, neste momento estamos aqui para um leilão e não fazer boas ações para os necessitados. — Sussurra e me coloco a perguntar, então por que raios, se chama "jantar beneficente", essa mer...!
— Senhor, peço que se retire calmamente ou teremos de chamar os seguranças...
— Antero, está tudo bem aqui? — Uma jovem usando um longo vestido preto, com a******a nas costas e cabelos vermelhos presos no alto, se aproxima, tocando o ombro do senhor.
— Ah, sim senhorita. É apenas este jovem, já pedimos que ele saia e não atrapalhe o leilão. — Responde, sorrindo nervoso.
— An...desculpe, não nos conhecemos?
— Ela indaga e me observa e sim, nos conhecemos. Ah caramba, nos conhecemos com certeza.
— Mariana? — Pergunto e ela ri, assentindo e beijando minha bochecha em um impulso, que nem mesmo sou capaz de impedir.
— Meu Deus, quanto tempo!
— Sim, muito tempo! Isaque, você está...está ótimo! O que faz aqui? — Questiona, me olhando. — Antero, nos deixe a sós, por favor. Traga algo para o Isaque beber, um suco?
— Sim, claro, está ótimo. — Falo e ela assente, me puxando pela mão e nos levando ao jardim no exterior do local.
— Como é incrível ver você, está ainda mais bonito do que quando jovem.
— É...obrigado. Você também está bonita, linda por sinal. Parece viva e feliz.
— Falo e ela concorda. Era tão estranho e ao mesmo tempo incrível ver Mariana depois de tanto tempo, só queria correr e contar para Rebeca que a garota que ela salvou estava bem, depois de tantos percausos.
— Sim, estou muito feliz. Claro que, tenho de vir aqui todo fim de semana e ajudar minha mãe a arrecadar milhões para os fundos do hospital, mas não é um trabalho de todo r**m, amo ajudar as pessoas.
— Diz, ainda segurando a minha mão e só agora percebo, afastando-a levemente.
— Nossa, me desculpe...acho que a nostalgia me tomou de forma estrondosa.
— Imagina, tudo bem. — Sorrio sem graça.
— Tenho que contar a Rebeca que você está bem, ela sempre quis saber, mas não sabia como lhe contatar ou o que dizer.
— Digo, trazendo minha esposa ao assunto, pois temia o que mais poderia invadir aquele momento.
— Ah claro, Rebeca Sullivan. Vocês ainda mantém contato? — Questiona e fico surpreso dela não saber que havíamos nos casado.
— Rebeca Albuquerque, nós nos casamos. Temos contato todo dia, quer dizer, nos falamos todos os dias. — Gaguejo e ela gargalha, sentando-se em um banco de madeira e me coloco ao seu lado.
— Perdi muita coisa, enquanto estive na casa de recuperação. Mas, hoje lhe rever, fez tudo valer a pena. Foi por sua causa que decidi cuidar de mim, Isaque. — Mariana fala, voltando a tocar minha mão.
— Mariana, me desculpe...ainda me sinto da mesma forma de antes, eu amo a Rebeca.
— Confesso e ela suspira, levando seus olhos para uma grande piscina iluminada que havia em nossa frente.
— Tudo bem, eu entendo. Um amor tão forte como o de vocês, somente a morte pode separar.
— Nem a morte, eu acho que...vou amar a Rebeca mesmo depois que morremos.
— Digo do fundo de meu coração. Quando vi Mariana, às memórias que invadiram minha mente foram de tudo que Rebeca e eu passamos para chegar até aqui, quando Mariana tocou minha mão um anseio em ter Rebeca no lugar dela me invadia e minhas pernas pareciam querer correr do Rio até São Paulo, para chegarem o mais rápido possível aos braços da minha mulher.
Rebeca Albuquerque
— Boa noite, estou atrapalhando? — Passo pela porta do quarto, onde mamãe estava deitada com papai sentado em uma poltrona, lhe segurando a mão.
— Sim, como sempre. — Papai zomba e mamãe ri, tossindo levemente. Ele se levanta rapidamente, lhe trazendo um copo com água.
— Obrigada, meu amor. — Agradece, lhe beijando a testa. — Querida, venha, assista um filme conosco. — Aponta para a televisão que passava algo asiático.
— Sua mãe gosta de asiáticos agora, diz querer estar na moda como as jovens.
— Papai informa e sorrio, me aproximando e beijando a testa de minha mãe. Ela se encontrava um pouco mais magra e sua pele estava clara como o algodão.
— Vou dar uma olhada nos outros pacientes, pode fazer companhia a ela? — Pede e assinto, me sentando em sua poltrona e mamãe me entrega um cobertor, para que eu me cubra. A noite de São Paulo estava fria, como normalmente acontece.
— Ele está tão babão comigo, nem quando eu era paraplégica foi tão gentil. — Agatha resmunga e dou risada, sentindo meus olhos marejarem. — Querida, será que pode me fazer um favor?
— Sim, claro, o que a senhora precisar.
— Digo rapidamente e ela suspira, tentando pegar um papel dentro da gaveta de um armário ao lado de seu leito.
— Eu ajudo, não precisa se esforçar.
— Levanto-me o pegando e vendo que estava escrito "escritura de moradia"
— Mãe, para que isso?
— Filha, quero que vá a Goiás. As pessoas que moram na casa de sua avó querem compra-la. Não tenho como ir até lá, poderia fazer isso por mim?
— Mas, mãe...a senhora vai vender a casa da vovó de vez? Não acha que deveria deixa-la em seu nome, como uma lembrança?
— Pergunto e mamãe sorri, discordando.
— Sua avó me ensinou, que as boas lembranças nós guardamos dentro de nossos corações e não em objetos materiais. Se você ama algo, irá se lembrar, independente de qualquer circunstância.
— Ela diz, tocando meu coração e sorrio lhe abraçando.
— Não se preocupe, eu irei e resolverei tudo para a senhora. — Falo enfim e mamãe agradece, suspirando e voltando seus olhos para a televisão.