Júlia havia percebido a própria ansiedade devido ao som alto que ecoava do salto de seu sapato ao encontrar o chão de madeira. Ela estava em um anexo da sala de descanso que praticamente ninguém sabia da existência, além das pessoas de sua casa. Voltou para casa pelo mesmo caminho em que veio, pelos fundos do jardim, não estava com ânimo para topar com ninguém.
Estava aflita por notícias da Soraia.
Quando Soraia finalmente cruzou a porta, Júlia levantou-se da poltrona com um pulo.
— Por que demorou tanto? — Perguntou a jovem, impaciente.
— Consegui negociar com o Francisco. — disse Soraia, iluminada de alegria. — Enquanto ele estiver no comando, ninguém vai tentar te machucar.
— O que você ofereceu em troca? — Júlia estreitou os olhos.
Soraia deu um sorrisinho sem graça, mas não conseguiu responder. A porta se abriu de repente.
Patricia estava parada logo na soleira, com cara de poucos amigos.
— Tratem de me contar agora sobre o que estão conspirando, ou vou ficar furiosa com as duas. Ainda não engoli o destempero da Soraia porque eu estava conversando com o Davi.— Patricia cruzou os braços, exigente.
As duas garotas se entreolharam, tensas.
— Vamos, eu estou esperando.— Insistiu Patricia.
— A Soraia precisava distrair o meu pai e o Rodrigo para que eu me encontrasse com o Thomás.— Explicou Júlia, desconcertada.
Patricia pressionou as têmporas, sua cabeça parecia prestes a explodir.
— E vocês em nenhum momento pensaram em me avisar que eu fazia parte de um plano sem pé e nem cabeça?— Perguntou a mulher, irritada.
— Desculpe, tem toda razão em estar chateada. Eu deveria ter contado o que estava acontecendo. Acontece que eu pretendia fugir com o Thomás hoje, durante a festa de noivado, mas os nossos planos mudaram.
— Mudaram por quê?— Perguntou Patricia, curiosa.
Novamente Júlia e Soraia se entreolharam.
— Fala de uma vez.— Rosnou Patricia, impaciente.
— Porque o Thomás é um Messina infiltrado e a missão dele era me matar.— disse Júlia, sem rodeios.
Patricia arregalou os olhos, perplexa.
— Ele não sabia que eu era a Sofia, assim como eu não sabia quem ele era. Chegamos a conclusão de que independente de nossas famílias, nós nos amamos e vamos lutar para ficar juntos. O Thomás vai tentar um acordo de paz com o papai.
— Os outros Messinas não estão muito contentes com isso, mas se o irmão mais velho do Thomás, que é o líder, aceitar a proposta, todos terão que concordar.— Acrescentou Soraia.
— Você ficou maluca? Quem não te garante que isso não faz parte de um plano dele para encomendar a sua alma?
— Eu garanto. O que eu sinto por ele garante tudo. O Thomás esteve a sós comigo no quarto de hóspedes, ele teve a oportunidade de me matar e de fugir mais de uma vez.— Rebateu Júlia.
— Como assim " mais de uma vez"?— Perguntou Patricia, confusa.
— Eu fui com o Thomás conversar com a família dele. Eles estavam preparando uma emboscada, mas quando o Thomás descobriu que eu sou a Júlia, desistiu de tudo.
Patricia ficou perplexa e boquiaberta.
— Ficou maluca? Surtou de vez? Não pode está falando sério. E se a emboscada fosse te enganar com uma suposta paixão?
— Eu confio no Thomás, Patricia. Desde o primeiro dia em que o vi eu sabia que era ele. Pode acreditar que seja um amor de outras vidas, ou que foi apenas um amor à primeira vista, mas o que eu posso afirmar é que nós faremos de tudo para ficar juntos.
— Até de fato provocar uma guerra entre os Santiago e os Messina?— Perguntou Patricia, indignada.
— É justamente essa guerra que estamos tentando evitar.— Rebateu Júlia.
— Eu não vou suportar se houver uma outra guerra por causa da sua inconsequência. Você sabe muito bem o que aconteceu comigo da última vez.— Os olhos da Patricia marejaram apenas em falar do assunto.
— Eu sinto muito, Patricia, mas eu não posso deixar de tentar. O que eu sinto pelo Thomás é inexplicável, é um sentimento cheio de certezas por mais que o nosso futuro seja incerto.
— Você se apaixonou por uma pessoa que não poderia jamais se apaixonar, Júlia, e terá que enfrentar consequências muito graves por causa disso. Eu não vou contar nada ao seu pai, mas não conte mais com a minha ajuda. Os Messina me fazem lembrar do p.ior momento da minha vida.
Júlia apenas ficou quieta, ela nunca sabia o que dizer em momentos como aquele.
Na verdade, ela sabia que não tinha mesmo o que dizer.
Silenciosa, Patricia deixou o ambiente. Falar daquele assunto a fazia lembrar de um pesadelo que nunca terminaria.
— Você perdeu a única aliada que tinha dentro de casa, Júlia. Agora, sim, as coisas ficarão difíceis. Agora que está oficialmente noiva do Rodrigo não conseguirá fugir para encontrar o Thomás.
— Posso encontrá-lo depois das aulas voluntárias.
— Você pediu distanciamento por causa do casamento.— Lembrou Soraia.
— Posso pedir para voltar. Acredito que a diretora prefira a mim do que ao seu Francisco.
Soraia arregalou os olhos.
— Meu Francisco?— Soraia estava assustada com aquela constatação.
— A julgar pela i.ntimidade com a que vocês se tratam… Ele até atendeu um pedido seu em poupar minha vida. Inclusive, muito obrigada.
— Eu conversei com o Francisco por você, apenas.
— Tem certeza que não há algo mais?— Júlia estreitou os olhos.
— Papagaios, Júlia! Eu conversei com aquele tratante por sua causa, apenas. O que está querendo insinuar?
— Eu não fui com a cara do tipo, mas preciso reconhecer que ele foi o único a respeitar a vontade do Thomás, assim como respeitou o seu pedido. Há algo mais nisso, uma tensão misturada com atração.
— Me respeite, Júlia. Eu sou noiva do Davi.— Soraia ficou com as bochechas vermelhas devido a sua irritação.
Júlia apenas ergueu a sobrancelha.
— Aquele beijo que o p****e do Francisco me roubou foi apenas para me provocar.
— Tem certeza de que não gostou nem um pouco?— Insistiu Júlia.— Soraia… Eu te conheço desde que me entendo por gente.
Soraia abriu e fechou a boca, desconcertada. Ela tinha dificuldades de assumir para si mesma que havia gostado e muito do beijo daquele homem.
Do beijo de outro homem, que não era o seu noivo.
Júlia estava prestes a fazer mais um comentário quando novamente a porta foi aberta, dessa vez era o Rodrigo, que estava com cara de poucos amigos.
— Aonde esteve à noite toda?— Rosnou o homem.
— Soraia, nos deixe a sós, por favor.— Pediu Júlia.
Soraia a olhou de soslaio, sem ter certeza se realmente deveria sair.
— Pode ir.— Assegurou Júlia.
A garota saiu do escritório.
— Eu estou esperando uma resposta.— Rodrigo cruzou os braços, impaciente.
— Eu estive cumprimentando os convidados, depois fui retocar a maquiagem e o cabelo. É o dia do meu noivado, eu tenho o direito de querer está impecável.
— Hum… Suponho que não tenha visto o escândalo que a sua amiga deu com o Davi.
— Sim, eu ouvi.— Mentiu Júlia.— Fiquei com tanta vergonha que passei mais um tempo no quarto. Inclusive, estava passando um sermão na Soraia quando você chegou.
— Não pareciam brigar. Pareciam confidenciar algo.
— Soraia estava me confidenciando de que suspeita que o Davi a traí com outras mulheres, por isso, se souber de algo, fale a verdade.
— Pare de frescuras, Júlia. O Davi tem até paciência demais com a Soraia, eu no lugar dele já tinha desistido do casamento.
— É? E por que não desistiu do nosso?— Júlia cruzou os braços, afrontosa.
— Porque você não é destrambelhada como a Soraia.
— Não vou admitir que fale m.al da minha amiga, ainda mais injustamente. A Soraia não é nenhuma destrambelhada, você não a conhece direito para julgá-la dessa forma.— Rebateu Júlia, irritada.
— Tudo bem, tudo bem, esqueça o que disse. Eu só te acho menos emotiva do que a Soraia, melhorou?
Júlia deu de ombros, indiferente. Rodrigo se aproximou dela, segurando o queixo delicado com uma de suas mãos.
— E também porque eu te amo, muito e muito.
Júlia precisou controlar a vontade de vomitar quando os lábios do Rodrigo encontraram os seus.
Primeiro, porque era torturante ter que beijar um homem amando outro.
Segundo, porque sabia exatamente das pretensões ambiciosas de seu noivo.
Não suportaria continuar com aquela farsa por muito tempo, precisava arranjar logo uma forma de desmascarar o Rodrigo e se livrar dele.
— Eu estou ansioso para o nosso casamento.— Murmurou o homem, deslizando suas mãos grandes pelos ombros estreitos da Júlia.— Estou ansioso para que você finalmente possa ser minha, por completo.
Júlia estremeceu de pavor. Só de imaginar a possibilidade de se casar com Rodrigo, a fazia ficar desesperada.
Novamente ele a beijou, dessa vez, com uma maior intensidade. As mãos dele agarraram a cintura esguia e puxaram o corpo feminino contra si.
— Rodrigo, Rodrigo, por favor. Ainda não somos casados, se contenha.— Júlia o afastou.
— É difícil.— Confessou o homem, ofegante.— Embora que aprovo muito o seu recato. Não confiaria em uma mulher que se entrega para um homem sem ser casado.
Júlia engoliu em seco. Ela estaria perdida se desconfiassem que ela já não era mais pura e intocada.
— Nos vemos amanhã, na hora do almoço.
— Amanhã eu estarei na escola, dando aulas voluntarias para as crianças carentes.
— Não sei porque ainda insiste em perder tempo com isso.
— Porque todo mundo merece ter o direito de estudar e a chance de mudar de vida.— Rebateu Júlia, irritada.— Além do mais, preciso treinar para quando tivermos os nossos filhos.— ela sorriu após falar com menos agressividade.
— As mulheres gostam mesmo de ocupar o tempo com atividades maternais e de caridade. Eu acho mais proveitoso do que perder tempo pensando em trabalhar fora, como se fosse um homem.
Júlia mordeu a língua para não ter que rebater aquilo.
— Nos vemos amanhã, no jantar.— Rodrigo deu mais um beijo nos lábios dela antes de sair.
Júlia não evitou cuspir no lixeiro mais próximo.
…
Thom sabia que o mais difícil de seu romance com Júlia, seria enfrentar Matt que mesmo distante sempre ficava a par de tudo. Ele estava apenas aguardando o telefonema do irmão para dizer poucas e boas para o mesmo.
— Você é um calhorda traidor, Tomásio.— Foi o primeiro que disse Matt, assim que ouviu a voz do irmão do outro lado da linha.
— Eu não planejei nada disso, Matteo. Não fazia ideia de que a Julia e a Sofia eram a mesma pessoa.
— Ela, no entanto, deveria saber muito bem quem você era.
— Ela não tinha como saber. Frequentava escondida a fábrica do pai para aprender na prática a contabilidade. Júlia é uma mulher sonhadora e progressista…
— Que nem deveria existir mais se você fosse homem para cumprir com a sua missão!— Explodiu Matt.
— Eu a amo, Matteo.— Thom achou que aquilo seria argumento o suficiente para o seu irmão entendê-lo.
— Eu não acredito que você possa ser tão fraco… Tão i*****l. O que eu faço com você, Tomásio? Sabe muito bem o que acontece quando alguém não entrega uma encomenda.
— Leva a bala no lugar da pessoa. Eu achei que essa lei de Rosa Rosso já tivesse sido extinguida, mas já que não… Eu morro pela Júlia se for necessário.
— Sabe que eu vou ter que mandar outra pessoa para fazer o que você deveria ter feito, não sabe?
— Eu sou capaz de matar qualquer um que encostar em um fio de cabelo dela.— Ameaçou Thom.
— É isso mesmo, Tomásio? Está declarando guerra contra a sua própria família por causa de uma Santiago? Por causa de uma mulher cujo pai matou o nosso pai?!— Exclamou Matt, furioso.
— A Júlia não tem culpa de nada!— Tom esmurrou o braço da poltrona em que estava sentado, em sua sala de estar.— Eu não quero ter que me voltar contra a minha própria família, mas não vou deixar que ninguém faça nenhum m.al á Júlia. Eu sugiro que façamos um acordo de paz com os Santiago.
A risada desdenhosa do Matt deixou Thom furioso.
— Nunca!— Exclamou Matt.
— Você sempre foi um bom líder, meu irmão. Todo mundo te admira por ser justo, então seja justo. Eu sugiro uma reunião para ouvir a opinião da maioria.
— Você sabe que a maioria não será ao seu favor, Tomásio.
— Ainda assim, eu quero uma reunião. Eu quero ter a chance de defender a vida da Júlia.
— Reunião concedida. Dentro de alguns dias eu estarei em Aventine para decidirmos a vida da sua Júlia.