— Não estarei aqui, vou ao cinema com a Isadora. — Digo, dobrando minhas roupas que se encontravam desalinhadas no armário.
— Por que não gosta da visita do seu primo?
— Rebeca pergunta, escorada na porta de madeira. Meu quarto é pequeno, foi projetado às pressas por Isaque, quando papai me mandou a minha irmã, dizendo que era incapaz de suportar meu gênio r**m. Existe um armário de madeira preso a parede, também foi feito por ele com minha ajuda. A cama também montamos com madeiras encontradas em uma empresa de paletes. Eu gostava de Isaque, ele parecia entender meu super foco em construir.
— Por que ele é meu primo? Você é irmã da Carolina? Por que você, Carolina e Melissa se tratam como família? São apenas amigas.
— Respondo e Rebeca revira os olhos, se aproximando e bagunça todas as roupas que eu dobrava. — Rebeca!!
— Você é insuportável! — Ela exclama e me faz lembrar, que somos irmãos. Apesar do meu corpo doer ao ver aquela montanha de peças desarrumada, sinto uma certa satisfação, eu a amava quando era apenas isso, minha irmã mais velha chata e mandona.
Não fomos ao cinema, Isadora também foi obrigada por sua mãe a jantar em nossa casa. Carolina veio do Rio de Janeiro com seu marido e os três filhos. Eram eles Vitória, Eloá e Gael, que me irritava constantemente. Ele parecia querer disputar quem era mais doente.
— Você sabe, que Asperger é apenas uma síndrome derivada do autismo? É como se, eu fosse original e você a cópia. — Fala e o olho furioso.
— Me admira ouvi-lo ser tão retrógrado. Ninguém lhe disse que todos somos TEA, agora? Pelo menos eu não tenho super foco em dinossauros. — Retruco de braços cruzados.
— Ahh claro, pelo menos eu não sou o novo Noé que acredita estar construindo uma arca para os animais!! — Grita, fazendo bico.
— Meninos!! — Rebeca e Carolina exclamam sentadas a mesa. Percebemos que todos ao redor nos olham, eles haviam parado de se alimentar, para ouvir dois esquisitos discutirem.
— Peço desculpas. — dizemos juntos e os adultos suspiram, voltando a rir e comer. Nos levantamos e caminhamos até a varanda, sentamos em uma cadeira de madeira que balançava repetidamente.
— É uma boa cadeira. — Gael comenta, ajeitando os fones e me entregando um deles. Olho com nojo. — Não está sujo, não sou imundo como você.
— Obrigado. — Digo, pondo o aparelho em meu ouvido e sons de animais ecoam pelos meus ouvidos. O céu está estrelado e como moramos longe da cidade, tudo parece ainda mais iluminado. — Os sons de animais também são bons.
— Sim, eles são. Pode usar, quando quiser chamar os pares para sua arca. — Zomba e reviro os olhos. — Estou brincando. Tenho aprendido a fazer piadas em minhas sessões de terapia.
— Tenho aprendido a sorrir. — Mostro meus dentes e Gael finge se assustar. — Parece melhor do que eu, com aquilo que se propõe a fazer.
— Nem sempre foi assim, antes de dar certo, muitas coisas deram errado para mim. Todos os dias, eu descubro uma fragilidade diferente em minha mente e me esforço para torna-la aceitável pela sociedade.
— Você não me parece alguém feliz, Gael.
— Sou sincero e ele ri, pousando sobre as costas da cadeira.
— E quem é totalmente feliz? Se um dia encontramos a total felicidade, não saberemos como lidar com ela e a veremos escorrer por nossos dedos. — Mostra suas mãos e respiramos profundamente. Eu não gostava de Gael, mas me sentia normal perto dele, afinal, aquele cara era mais louco do que eu, já que era o "autista original"
Minha vida não é de toda r**m, tenho pessoas com quem socializo, além de Gael, meu auter-ego. Yasmim sempre esteve comigo, ela é basicamente minha irmã postiça, pois dividimos a mesma mãe e alguns dias descobrimos que até a mama compartilhamos. Tive episódios de vômitos naquele dia, as informações pareceram extremamente grandiosas e demais para mim. Yasmim riu e ainda conta a todos que encontramos, sejam pessoas conhecidas ou não. Também sou amigo de Isadora, ela é filha de Melissa e parece bastante complacente em relação a mim. Yasmim sempre diz que ela está apaixonada, então por que não fala com o cara? Será que está me usando como treinamento? Esses dias às encontrei assistindo um vídeo sobre "como conquistar o garoto que gosta", recebi almofadas nas costas e precisei tomar um banho por conta da poeira que exalou das capas de cobertura da espuma.
Conforme eu crescia, minha ideia sobre a tristeza mudou. Muitas pessoas pensam que nos sentimos tristes pela ausência de uma vida estável, de família ou amor. Mas, a tristeza vem da ausência de si mesmo, isso é o que causa a profunda e dolorosa tristeza.
Morrer...parece uma palavra que se usa no fim de todas as frases, de todas as coisas, de todos os momentos. Mas, em minha concepção, morrer pode ser também um recomeço, eu não acredito em vida após a morte ou em todas as histórias que minha irmã conta sobre os céus e toda aquela esperança vã de que um dia nos encontraremos novamente e mataremos a saudade daqueles que um dia nos deixaram. Eu acredito na morte simples e sucinta, onde você fecha os seus olhos e pela última vez inspira e solta o ar de seus pulmões, deixando este mundo e finalmente descansando para sempre. Então, você se torna produto biológico e os fungos se alimentam de você, levando assim força a terra para produzir uma nova vida, às vegetações.
Eu não decidi fazer o que pretendo de uma hora para outra, eu pensei por meses. Eu busquei situações que pudessem mudar os meus pensamentos. Rebeca me fazia sorrir, quando dançava comigo no meio da sala, mas eu acabava me lembrando de que poderia ter feito isso com Agatha, pois soube que ela amava dançar. Yasmim dividia seus brinquedos, seus pais e toda sua vida comigo, mas ao mesmo tempo meu coração se apertava, por imaginar tudo que ela precisou renunciar para assim fazer. Meus amigos riam e brincavam ao meu redor, mas eu sentia a pressão que causava neles quando tocavam minhas mãos e eu as afastava por sofrer com cada toque. Então, eu decidi que aquele seria o último ano da minha vida e eu o viveria da forma mais monótona possível e sobreviveria trezentos e sessenta e seis dias até a minha morte.
Tudo parecia perfeitamente projetado, todos os dias pela manhã eu pedalava até o cemitério e deixava flores para a mamãe, assim teriam o bastante quando eu me fosse, também colocava o jornal do dia na caixa de correio do papai, pois apesar de não estar mais lá, eu sabia que ele gostava de ler pela manhã tomando café puro sem açúcar. Mas, tudo se tornou uma completa bagunça no dia 265, ela apareceu e ferrou com todo meu plano de sobreviver quase que de forma invisível. Suas roupas, seus cabelos e aquele chiclete se movendo em sua boca me assustavam, pois eu sabia que ela tinha o poder de trazer confusão a minha vida de m***a.
— Os seus cabelos estão bonitos, hoje.
— Isadora comenta e a observo com as sobrancelhas arqueadas. — Foi um elogio, não precisa dizer nada.
— Eu deveria dizer "obrigado", certo? — Indago e ela sorri satisfeita, conforme li nos livros de emoções. Tenho aprendido muito com literatura brasileira também, as mulheres parecem ter uma certa afeição por homens inteligentes e misteriosos. Será que também gostam de homens tristes? Por que eu estaria pensando sobre isso? Ela traiu ou não traiu?
— Com licença! Você é o Davi? — A garota do dia anterior se aproxima. Estamos no refeitório, é um espaço grande em largura e profundidade com dez mesas brancas e compridas, divididas em cinco fileiras de dois . Yasmim e Isadora olham-me, como se aguardasse explicações. Elas estão sentadas, ambas de frente uma para a outra e estou na ponta.
— O que quer? — Me levanto assustado. Ela segura uma caixa rosa com um laço branco e temo haver uma bomba. Coisas ruins, costumam ser entregues em caixas bonitas como disfarce.
— Desculpe, acabei não me apresentando. Sou Saanvi, segundo ano de artes! — Estende a mão para mim e meu corpo permanece paralisado. Uma faixa vermelha é passada sobre ela em meus pensamentos e letras garrafais escrevem "PERIGO"
— Ele não gosta de tocar nas mãos das pessoas. — Isadora diz entre os dentes.
— Ahh claro, me desculpe. Eu também prefiro abraços! — Sorri e agarra meu corpo e meus olhos se enchem de lágrimas. Não estava emocionado, mas sim completamente desesperado.
— Ei solta ele!! — Yasmim grita e a empurra para longe, me sento em um súbito sobre a cadeira, meu coração está acelerado e sinto de repente minhas vistas se fecharem.
— Ahh meu Deus, traz uma água para ele!
— Yasmim ordena e Isadora corre em direção ao longo caminho até o bebedouro próximo a porta de entrada da área de alimentação.
— O que está acontecendo? Ele está passando m*l? Eu fiz um cupcake de nozes, talvez ele possa comer e repor as energias. — Mostra-se afoita, tentando abrir o laço colorido da caixa e meus olhos se arregalam e agora parece que me esqueci de como se respira.
— Não, você é louca? Ele tem alergia a nozes, sua maluca!! — Isadora a empurra mais uma vez e me entrega o copo com água, eu o bebo, mas nada muda. Por que Isadora diz tantos sinônimos em uma só frase? — Sai daqui!
— Impele a jovem e ela corre, olhando algumas vezes para trás, com seus olhos enormes e verdes molhados.
— Você está bem, Davi? — Melissa surge e minha respiração volta gradativamente. Melissa estica minhas pernas e as move de um lado para o outro, naquele momento estão todos nos olhando e eu falho miseravelmente na oportunidade de passar desapercebido. Era a segunda vez, em apenas dois dias que aquela garota quebrava o meu protocolo e isso estava começando a me irritar.
— Eu estou bem, posso ir embora antes do fim do tempo? — Pergunto e ela apenas assente. Me levanto e caminho para fora, andando por toda extensão do pátio e em seguida Campus aberto. Logo a frente a tal Saanvi está sentada sobre a grama, embaixo de uma árvore. Ela usa um vestido amarelo de alças. Ele tem um forro de tule sobre ele, desenhando uma espécie de rosa azul. Os cabelos da garota estão presos, eles são longos e escuros, também há uma franja indiana jogada sobre seus olhos...Que cor são seus olhos?
Coloco a touca de meu moletom e sigo a caminhar, ouvindo seu choro baixo e ao mesmo tempo ensurdecedor. Parece como um rato a noite, perambulando por sua casa e fazendo grunhidos finos.
— Ah não, cara. — Digo a mim mesmo, caminhando de costas, dando três passos até onde ela está. — Ei garota. — Eu digo sem olha-la.
— O que foi? — Choraminga, passando às mãos nos olhos e sorri ao me ver. — Oi, é você. Me desculpe. — Volta a chorar novamente, fazendo com que minha pele queime de tanta raiva.