DA.VIDA III

1432 Words
É estranho eu saber desde o início que Saanvi mudaria completamente minha vida e abalaria minhas estruturas. Pode parecer um tanto precoce eu dizer isso, tendo a visto uma única vez e não ter dito muito enquanto nos falávamos, mas seu olhar de garota despretensiosa fazia minha pele formigar, como uma forte alergia. Ela atrapalharia os meus planos e apesar de não desejar que isso acontecesse eu permaneci ali, parado e vidrado em seu rosto f**o. — Sou Saanvi, muito prazer. — Ela estende a mão e permaneço parado. Será que aquela garota esquisita ainda não havia entendido, que não suporto tocar as pessoas? — Ah me desculpe, eu havia esquecido. Se acostume, sou uma "cabeça de vento", como papai sempre diz. — Não sei o que isso significa, mas te acho um tanto invasiva. O que queria comigo mais cedo e por que está chorando? — Ah claro. — Ela se levanta e descubro, não era um vestido, mas, sim uma calça colorida. Era rosa e sua blusa manchada por várias cores. Meus olhos ardiam ao vê-la e meu grau de Asperger ia ao alto, como aqueles brinquedos de teste de força. — Fiquei assustada em como reagiu ao cupcake que lhe fiz. — Sim, eu sou alérgico. Por que presentearia alguém com comida? Isso é tão i*****l. — Respondo, ainda a olhando. Por que não conseguia parar de observa-la? Aquilo me deixava inquieto. — Na verdade, isso é recorrente em minha cultura. Não sei se percebeu, mas sou descendente de indianos. Meu pai é de Jaipur no Rajastão. Sim, agora eu vejo. Saanvi me parecia indiana. — Onde tem as construções de cor rosa? — Indago com um estrondoso interesse. Ah não, ela havia tocado em meu super foco, agora eu estava completamente em suas mãos. — Sim, essas mesmo! Olhe, eu tenho algumas fotos em minha casa. Se quiser posso trazer para que veja amanhã e também lhe preparo bolo sem sementes. — An...sobre as fotos, eu aceito vê-las. Mas, não gosto de bolo. — Informo e ela parece triste por míseros segundos. — Certo então. Amanhã veremos fotos, até mais Davi! — Acena, correndo em direção a um conversível que lhe esperava. Por que mudara tão rapidamente de sentimentos? Espere, é normal que isso aconteça? Feições humanas se transformarem em partículas tão pequenas do tempo? Ao fim da aula, tomo minha bolsa e subo em minha bicicleta. Isadora corre, se pondo a minha frente, por pouco não me fazendo cometer um crime. Homicídio em dolo indireto. — Davi, ainda está de pé o cinema? — Pergunta e concordo com a cabeça. — Não tem problema se irmos apenas nós dois? — A Yasmin não irá mais? Pensei que seriamos os três. — Respondo, observando o local onde anteriormente estive tão intrigado. — É que, bom, na verdade, ela... — Tudo bem, não vejo problema em ir contigo. Isadora, você viu qual a cor dos olhos daquela garota. A que queria me envenenar? — Pergunto com as sobrancelhas unidas. Nada me fazia lembrar... — Não, eu estava mais preocupada com sua segurança. — Responde e me Afasto, pedalando. — Tudo bem, vá sem dizer adeus. — A ouço, mas estou longe demais para me desculpar caso tenha cometido algum erro. O tempo costuma passar vagarosamente, enquanto estou na casa de Rebeca. Metade do meu dia estudo para provas e também me atualizo sobre novas descobertas médicas e informações pertinentes da minha graduação. Ser médico em minha família é quase que automático, meus pais foram médicos, minha irmã é médica e até alguns dos meus falsos tios são médicos, como o Bruno, o Guilherme, a Rafaela e Débora que cuida de cachorros, por conta do marido. Isaque é o único que se formou em arquitetura, mas trabalha como professor de música, na Renascer. Isaque é minha pessoa favorita, tão estranho estar fora de sua predestinação. — E aí cara, tudo bem? — Ele pergunta, quando estou observando meu projeto mais demorado. Não é a arca de Noé, apesar de se parecer o bastante para confundir. — Sim, tudo bem. — Eu minto ou digo a verdade. Sinceramente, nunca havia me sentido daquela forma. — Pode falar, cara. Sabe que estou aqui pra escutar. — Isaque aperta levemente meu ombro. Agora me lembrei, eu não o suporto. Ele tem o cabelo bem penteado, usa camisa polo colorida e calças com tons pastéis e é extremamente bonito e gentil, ao ponto de gerar estresse. — Tem uma garota na faculdade... — Eu digo e ele ri. Como um romântico de meia idade. Isaque se senta em uma cadeira ao meu lado, estica as pernas e suspira, como se lembrasse dos seus dias de glória. — Ahh garotão, eu sabia que não iria me decepcionar. Me diga, como ela é? — Ri pausadamente. Eu sei que imaginou um cara de quarenta anos, acreditando ainda estar na flor da idade. Sim, ele age exatamente dessa forma. — Eu não sei como ela é. — Respondo e recebo um forte olhar de surpresa. — Não consigo me lembrar de suas características, a cada vez que lhe vejo, pareço criar uma nova descrição... — Que loucura, cara! Isso sim, deve ser amor a primeira vista em! — Sorri com animação. Suspiro decepcionado, ao perceber que dali não me viria nenhuma ajuda. — Mas, a aparência é o que pouco importa. Se ela já te intriga, acredito que valha a pena observar um pouco mais, até encontrar a descrição final. — Aconselha e se levanta, voltando para o interior da casa. Ele realmente é um t**o, eu nunca iria atrás de algo que me deixa inquieto, quer que eu morra obsessivo? Cinema não é algo que me agrada, o barulho me deixa angustiado e também sou fotossensível com certos tipos de coloração. Talvez este seja o principal motivo de Saanvi não sair da minha mente, suas roupas coloridas afetam minhas fraquezas genéticas. — Davi!! — Isadora acena. Minha prima sempre se veste, como quem quisesse acalentar meus olhos. Suas roupas são sempre presas a mesma paleta de cores: cinza, branco e preto. Hoje, ela usa vestido preto com golas brancas e sandália baixa da mesma cor. Os cabelos loiros estão presos no alto e sua pele clara, parece um pouco vermelha, por conta do frio, talvez. O clima frio diminui o metabolismo, tornando sua pele mais seca e consequentemente sensível e avermelhada. — Olá. — Digo a observando. — Trouxe algo para você. — Lhe entrego uma sacola, ela sorri animada e semicerra os lábios em seguida. — É um cofre castelo, fiz esses dias. — Informo e Isadora segue com seus olhos em minha direção. — Ah obrigada, é um ótimo presente. — Informa e passo as mãos sobre os cabelos despenteados. — Mas, se quiser ficar não tem problema. — Obrigado, vou colocá-lo em minha coleção. — Digo por fim. — Também lhe trouxe algo. Sei que seus olhos ficam sensíveis no cinema. São óculos protetores. — Retira de uma sacola e os coloca em meu rosto. — Acho que ficou um pouco torto. — Estende a mão e lhe afasto. — Eu arrumo, obrigado. — Me esforço para sorrir. Aquilo era tão desconfortável. Todas as vezes que Isadora me tocava, parecia haver agulhas sobre meu corpo, mas eu me segurava, pois Rebeca disse que ela gostava de mim e eu deveria retribuir agindo com gentileza. — Escolhi ficção científica, pois sei que gosta. — Fala e agradeço. Realmente não estava afim de assistir nada que fizesse o tempo demorar mais do que o necessário. O filme me prendeu, falava sobre satélites naturais. — O filme foi ótimo! — Sorrio contente. Sim, eu ainda me sinto satisfeito em pequenos momentos da minha vida. — Que bom, escolhi pensando em você. — Ela diz, caminhando ao meu lado. Isadora abraça os próprios ombros e me aqueço com o moletom de mangas térmicas para aquele dia tão gelado. — A noite está um pouco fria... — Sim, por isso coloquei meu casaco térmico. Você sabia que existe uma maior chance de morrer por conta da baixa temperatura, do que pelo calor? — Mostro-me animado. Sempre gosto de espalhar conhecimento. — Isso o torna ainda pior. — Ouço uma voz conhecida e nos viramos para encontrá-la. Ali está ela, usando um conjunto de calça e blusa verde fluorescente. — Como pode usar um moletom tão quente, enquanto sua namorada morre de frio? — Questiona, cruzando os braços e a olho com furor. O que aquela garota esquisita estava fazendo mais uma vez, em meus últimos dias de vida?
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