Saanvi
Eu sempre fui alguém feliz, a positividade me acompanha como uma velha e querida amiga, eu me levanto, tomo um banho e com minhas roupas coloridas eu também visto a alegria e um belo sorriso em meus lábios. Mas, nestes dias tem sido difícil sorrir, minha avó foi quem ensinou-me ver o lado bom de todas as situações sejam elas perturbadoras ou constrangedoras. Eu sei que não devo me estressar ou preocupar-me excessivamente, mas ainda assim o faço. Família é a obra mais importante para mim e como Jesus falou ao Pai sobre os seus discípulos, eu peço incessantemente que eu não perca nenhum deles. O Brasil é um dos poucos países que ainda aceitam o cristianismo como uma religião legal. De alguns anos para cá, ser cristão tem se tornado cada vez mais contraditório ao mundo, para que compreenda melhor é como se todos estivessem seguindo para o Sul e o cristão caminhasse em direção ao Norte, como se o mundo fosse de pessoas com cabeças redondas e a do Cristão fosse quadrada. Pensar diferente se tornou um crime e a pena é a morte. Quando eu era mais nova, minha avó contava sobre os dias de glórias do Cristianismo, onde as pessoas iam às igrejas e cantavam alto, eles pulavam e falavam em línguas sem se importar que outros pudessem tacha-los de loucos ou terroristas. Eram dias felizes e eu amaria participar de cada um deles. Hoje, adoramos a Deus cada um em nossas casas, assistimos os cultos pela TV e fazemos nossas orações e também participamos do corpo de Cristo da mesma forma. Há alguns anos o mundo foi tomado por um vírus que durante dois anos os cristãos precisaram viver da forma como fazemos hoje, muitos não foram capazes de suportar e perderam a sua fé, isso acontece ainda hoje e minha avó auxilia para que a estatística não cresça. Paulo diz que viver é Cristo e morrer é lucro, é como se ele falasse que independente do que lhe acontecer, se Cristo for o centro você ganhará no fim de tudo.
— Saanvi, olá! — Davi acena e segue em minha direção. Eu sempre fui apaixonada por Davi, meu irmão diz que tenho o coração caridoso. É gratificante e lindo ouvi-lo dizer o meu nome, mas ainda assim nada parece cobrir a dor que há em meu peito. — Quero te levar em um lugar, minha irmã irá em uma palestra nessa tarde.
— Davi, não sei se estou bem para sair hoje.
— Respondo e ele suspira, passando as mãos sobre os cabelos. — Mas, tudo bem. Se é o que quer, posso me esforçar um pouco. — Sorrio levemente e ele concorda com a cabeça.
— Vamos buscá-la às dezenove horas em sua casa, ainda não os avisei, mas vão deixar.
— Comenta e simplesmente se afasta, subindo em sua bicicleta e indo embora.
Davi e sua família chegaram em frente a minha casa, às dezenove horas em ponto, algo que só acontecia com Davi presente. Eu não os conhecia, seria a primeira vez que veria cada um deles.
— Oi!! Eu sou a Rebeca!! — Uma mulher de cabelos grisalhos se aproxima, abraçando-me com força e sorrio um tanto sem graça.
— Olá, eu sou o Isaque!! — O homem alto de cabelos claros, também me abraça da mesma força. Yasmin acena e sorri da mesma forma que eu, constrangida com a demonstração absurda de afeto.
— Desculpe meus pais, eles são bastante afetuosos. — Ela fala, dando espaço para que eu me sente ao seu lado.
— A Saanvi ama abraçar, não devem se preocupar com isso. — Davi responde, sentado no banco da frente ao lado de seu cunhado.
— Sim, o Davi está certo. — Sorrio, sentindo meu rosto corar por ele ter detectado algo específico em mim.
— Viu Yasmin? Você é a única chata daqui, além do Davi. — Rebeca Informa, zombando.
— Mas, temos laudo, então é nosso direito ser chatos. Já vocês, fazem isso deliberadamente.
— A garota responde e tanto Rebeca quanto seu esposo reviram os olhos.
— Então, podemos ir?! — Isaque mostra animação e todos concordamos. Davi está com seus olhos fixados no retrovisor do carro, olhando em minha direção. Seu olhar é vazio e ao mesmo tempo protetor e preocupado.
A viagem até a palestra fora bastante silenciosa, a família de Davi parecia estar presa a personalidades que não eram próprias. De início me perguntei o motivo, mas ao observar o quanto Davi parecia completamente angustiado eu entendi o porquê, ele era a causa de todo aquele desconforto.
— Poderíamos ouvir música, o que acham? Eu e meus pais sempre escutamos, quando viajamos. — Falo mais baixo do que pretendia, mas alto o bastante para fazer Isaque parar o carro bruscamente.
— O Davi não se dá muito bem com o ruído.
— Yasmin cochicha e os dois "adultos" concordam.
— Mas, ele pode usar o fone protetor, assim o ruído ficará menor. — Continuo, olhando agora para Davi. — O que acha, Davi? — Todos aguardam uma resposta. Se eu pudesse tornar isto mais explícito, eu diria que era possível ver seus rostos suarem, suas mãos tremerem e seus pelos arrepiarem.
— Eu acho uma boa ideia, Saanvi. — Ele responde, abrindo uma mochila que carregava em seu colo. Retira seus fones e os coloca nas orelhas, ajeitando os fios de cabelos ruivos.
— Bom, então vamos ouvir um rap!! — Isaque Exclama, ligando o som em sua playlist e todos riem aplaudindo. Os olhos de Davi seguem para a janela e suspira por longos segundos, sorrindo levemente.
Ao chegarmos em frente o local que seria transmitido a palestra, eu sorrio pela primeira vez naquele dia. Era uma igreja grande e linda, com paredes douradas, uma obra arquitetônica como os templos católicos antigos.
— Esse lugar é lindo! — Eu me animo e digo, suspirando. Isaque desce e abre a porta para que façamos o mesmo, enquanto Davi ajeita perfeitamente o carpete no chão do carro.
— Essa é a igreja do nosso pai, ele quem fundou aqui em São Paulo. — Rebeca fala, apesar de parecer algo incrível ter um pai que fundou uma igreja, ela não se mostra feliz.
— Mas, não irá conhecê-lo. Afinal, ele não visita a própria igreja. — Davi finalmente diz algo, retirando os fones. Sigo com meus olhos até ele e instintivamente o toco, ajeitando seus fios. O rapaz se afasta e faço o mesmo, sentindo meu rosto queimar, toco minhas bochechas e Yasmim gargalha, puxando-me pela mão e caminhando ao meu lado.
— Não crie tanta expectativa, isso é o máximo que conseguirá do Davi. — Responde e abaixo minha cabeça por alguns minutos.
— Vem Davi, acho que vai ter uma surpresa quando entrar. — Isaque Informa e Davi o acompanha, sem me observar com os olhos como anteriormente.
Ao entrarmos sou coberta de um grande êxtase, estar pela primeira vez dentro de um templo parecia fazer valer toda a minha vida até hoje. Eu amava a Jesus Cristo e as histórias que vovó contava sobre o prazer que tinha em ir a casa de Deus todos os dias, aquele momento estava sendo extremamente especial para mim e pelo que pude ver também tocara o coração de Davi. Sobre as cadeiras existiam um Tablet e fones de ouvidos, a grande tela acima do altar informava que a palestra seria transmitida ao vivo a todos de forma individual, respeitando assim as necessidades de cada um. Surdos e mudos teriam a palestra com a linguagem de sinais acoplada ao aparelho, cegos também teriam a letra em braile, aqueles que acompanham melhor imagens, seria recepcionados desta forma em cada momento da apresentação e os autistas não precisaria se preocupar com o barulho ensurdecedor do microfone e seus fones estariam adaptados em sua frequência mais confortável.
— O papai fez isso pensando em você, Davi.
— Rebeca sussurra, Davi desvia o olhar, limpando seus olhos.
— Eu deveria ir embora. — Responde, caminhando para a área exterior. Lhe seguro a mão e o mesmo se vira rapidamente olhando para mim, tento solta-la, mas Davi segura com seus dedos.
— Não vá, estou ansiosa pela palestra e adoraria que estivesse aqui comigo.
— Falo. Davi suspira e observa o lugar, segurando mais firme minhas mãos e caminhando até uma das fileiras, sentando-se. Faço o mesmo, pondo o iPod em meu colo, ele o toma e liga, pegando os fones e posicionando em minha cabeça, organizando meus fios rebeldes da franja indiana. — Obrigada.
— Agradeço. Davi não responde, apenas se vira e observa a tela com os fones em seu ouvido. Será que eu havia errado em pedir para que ficasse? Ao olha-lo era possível ver quanta dor havia dentro de si, preso e sufocado na tentativa de parecer normal e contente.