— "Não meça o tamanho da montanha, fale com aquEle que pode removê-la. Em vez de carregar o mundo nos ombros, fale com aquele que sustenta o universo.“ — Fecho o livro sobre minhas mãos e suspiro. Minhas pernas estão esticadas e estou sentada em uma cadeira desconfortável, mas em um lindo jardim. Existe uma mesa e xícaras de chá sobre ela, plantas ao redor e portas de vidro como uma estufa. Ele está sentado ao meu lado, seus olhos estão marejados e vermelhos assim como os meus, soltamos um leve gemido juntos e rimos, nos entreolhando
— Esse é um bom livro, senhorita Saanvi.
— O senhor de cabelos grisalhos, sobrancelhas grossas e olheiras fundas e um pouco escuras, diz observando uma rosa em evidência presa a parede.
— Sim, eu também gosto muito dele. Pastor Gabriel. — Sorrio, me preparando para levantar.
— Hoje seria o nosso aniversário de casamento, ela amava os livros do Max Lukado.
— Gabriel sussurra. Aquela era a primeira vez que falávamos após a leitura de um livro.
— Ela também amava dançar e dizia ser sua forma de expressar a alegria. — Ele suga o nariz e me levanto rapidamente.
— Eu preciso ir, tenho um compromisso importante amanhã e não quero estar com sono. — Afasto meus olhos dos seus.
— Ah claro, me desculpe. — Se levanta com uma certa dificuldade, caminhando até sua carteira que está em cima do balcão da enorme casa tão vazia.
— O senhor não precisa me pagar, gosto de ler contigo. — Falo e ele ri levemente, segurando minha mão e colocando algumas notas sobre ela.
— Use para o compromisso amanhã. Ou é o garoto quem irá pagar? — Indaga e dou risada, sentindo meu rosto corar. — Então, eu acertei. Irá mesmo sair com um garoto?
— Sim, mas não é nada do que o senhor está pensando. Talvez eu realmente precise do dinheiro, ele não parece alguém que pague nada a ninguém.
— Vocês podem rachar a conta. Eu sempre fui adepto a pagar o jantar, mas hoje com a modernidade...
— Talvez o senhor esteja certo, eu deveria manda-lo pagar tudo. — Sorrio travessa e Gabriel maneia a cabeça, achando graça.
— Preciso ir, até a próxima sexta! — Aceno e ele faz o mesmo, me vendo sair pela porta.
Conheci o pastor Gabriel há algum tempo em algum lugar, conversamos sobre livros e o mesmo me contou sobre sua extensa biblioteca. Eu o visitei e pedi para lê-los e hoje faz um ano que tomamos chá todas as sextas-feiras, no jardim que sua esposa pediu de presente. A mulher dele faleceu há vinte anos e eu nunca o ouvi gargalhar, desde que nos conhecemos. Hoje pensei sobre isso, ao ver Davi rir e imaginei o quanto seria maravilhoso se Gabriel pudesse fazer o mesmo, pelo menos mais uma vez.
— E então, como foi o chá com o velho triste?
— Papai pergunta, enquanto estamos a mesa do jantar.
— Não deveria falar assim. — Respondo, empurrando brócolis para dentro de minha boca.
— Mas, é a verdade. Aquele homem vive triste em todo lugar que o vemos. — Mamãe continua.
— Ele apenas sabe o que falta dentro de si e não conseguiu encontrar o X. — Respondo, sentindo meus olhos arderem. — Posso me levantar? — Questiono.
— Não, termine de comer. — Papai responde. Bufo irritada e volto a me alimentar, sentindo às lágrimas descerem por minha face.
— Querida o que tem? — Mamãe indaga e choro alto.
— Só me deixe levantar. — Murmuro e ambos movem a cabeça em permissão. Corro para o meu quarto e desabo. A morte me faz tremer, não é algo que aprecio porque sei a dor que ela pode causar nos que ainda permanecem vivos.
{...}
— Não acha que está dando muita importância para esse negócio? — Meu irmão questiona, enquanto joga algo no celular.
— Você sabe o quanto sou profissional, preciso estar apresentável para meu primeiro dia de trabalho. — Sorrio, observando o vestido amarelo em meu corpo. Ele tinha alças finas e era rodado no quadril.
— Quer apostar quanto que ele não vai perceber o vestido? — Raj ri e reviro os olhos. — Ah claro, você é muito profissional, está fazendo isso pelo seu trabalho e não porque é apaixonada por aquele maluco desde o fundamental.
— Alguém já disse como vocês são extremamente preconceituosos para uma família de indianos? — Mostro-me irritada e Raj se levanta, com as mãos para o alto, saindo de meu quarto. — Eu deveria levar um moletom?
— Pergunto a mim mesma, decidindo se Davi havia aprendido a primeira lição ou não.
— Davi, Ei! — Aceno e ele se vira para me olhar. Eu o amei desde pequena, quando perguntou porque eu tinha os olhos tão pretos e a cara tão f**a. O achei engraçado naquela época.
— Boa noite. Aqui, trouxe um moletom para você. — Estende o braço e sorrio. — Por que já veio com blusa de frio?
— Eu-eu... — gaguejo me arrependendo por não ter confiado em sua inteligência.
— Achou que eu não me lembraria? Essa não era a primeira lição? Levar uma blusa de frio para a garota?
— Na verdade, você deveria dar a sua. Mas, eu não pediria isso ou sentiria frio. — Respondo e o mesmo parece não me entender. — Mas, eu posso colocar a blusa que trouxe.
— Não faça isso, assim poderia continuar com ela. Estava temendo que por deixa-la usar não poderia colocar em mim novamente.
— Ok, isso pareceu bem ofensivo. Está falando com qual intenção?
— Só não gosto de compartilhar itens pessoais com ninguém. — Responde e sorrio de lado.
— Por que sorriu?
— Porque entendo agora, na próxima vez pode dizer a Isadora que não divide blusas, por não se sentir confortável em compartilhar suas coisas.
— Tudo bem, acho que posso fazer isso. Devemos ir? — Indaga, caminhando em direção a bilheteria e concordo o acompanhando. Meu irmão iria ganhar uma transferência hoje. Davi não percebeu meu vestido amarelo quase que fluorescente. — Um ingresso, por favor.
— Com licença... — O impeço de continuar. No primeiro encontro, você deve pagar os ingressos do cinema e uma pipoca para a garota.
— O que? Mas, por que? Além de dar a minha blusa, devo pagar ingressos e alimentação? O que devo fazer mais? Lhe dar uma casa? Pagar sua faculdade e chama-la de filha? — Questiona e a vendedora arregala os olhos.
— Desculpe, ele é autista. — Sorrio sem graça. Ou seria "machista"??? — Davi, não pode falar dessa forma. Pagar um ingresso para a garota no primeiro encontro, só é uma forma de demonstrar gentileza.
— Bom, por que não demonstra gentileza e paga para mim? — Indaga e bom, ele tinha um ponto agora. — Isso não parece muito vantajoso, eu dou minha blusa, p**o ingressos e sempre devo pedir desculpas até pelo que não fiz ou não sei que fiz?
— Bom, é que... — Sinto minha cabeça fervilhar, mas ao olha-lo percebo que se sente ainda pior. Davi está com os olhos avermelhados e seus lábios tremem, ele estava a ponto de ter uma crise pelo simples fato de não entender ações básicas humanas. — Podemos rachar então. Tudo que consumimos dividimos entre os dois, ontem eu recebi um dinheiro no trabalho.
— Tudo bem, isso parece bom para mim.
— Informa, voltando a bilheteria. — Ei, nós vamos...como é mesmo a palavra?
— Vamos rachar. — Sorrio envergonhada. A mulher revira os olhos e retira dois bilhetes nos entregando.
— Qual será o filme? — Pergunta.
— Pode ser algo científico, aquele que assisti na quinta feira era um ótimo filme. O que acha?
— Olha para mim.
— Bom, talvez devêssemos ver algum filme romântico. É o que mais gosto no cinema.
— Informo e as sobrancelhas avermelhadas de Davi franzem, se unindo.
— Ah pronto, ele nem mesmo vai deixá-la escolher o filme? Como pode namorar alguém assim??
— Alguém assim? O que está dizendo? — Davi a olha confuso.
— Alguém doente como você. Não sabe nem mesmo tratar uma mulher direito! Por que não fica preso dentro de casa? Assim, não causa problemas!! — Grita e Davi se afasta, começando a correr.
— Davi, não! Davi, espere por favor!! — Corro em sua direção, tentando acompanha-lo. Aquele garoto era extremamente rápido, por que eu nunca me esforcei para fazer nenhum esporte e me tornar alguém menos sedentária?
— Davi!! Eu não consigo correr mais!! — Exclamo e ele para, sentando-se em um banco da praça.
— Eu quero desistir do nosso contrato. — Fala e o olho supresa. — Aquela mulher está certa, não sei como tratar as outras pessoas, nem mesmo entendo como um ser humano se sente. Eu sou um fardo.
— Talvez você esteja certo, não sobre ser um fardo. Mas, sobre não entender os seres humanos. — Digo, buscando ar em meus pulmões. — Às vezes também não compreendo às pessoas, elas são más e ferem os outros sem nenhum motivo, apenas para suprir o que acreditam faltar dentro de si ou sobrar...
— Então, por que ainda quer me ajudar? A forma como fala, parece não valer a pena entende-los.
— Sabe, em meio a tantas pessoas ruins existem aquelas que merecem ser compreendidas e...eu acredito que a Isadora seja uma delas. Então, se dê mais uma chance.
— Digo me esforçando para sorrir, eu só queria deixa-lo calmo naquele momento que parecia tão ensurdecedor para sua mente.
— Eu deveria ir embora, me desculpe não ter sido capaz de aprender nada hoje. — Informa e forço um sorriso. Ele caminha para longe de mim e disco o número de meu pai rapidamente no telefone celular.
— Luz da minha vida, está tudo bem?
— Papai, pode vir me buscar? Eu corri.
— Respondo, sentindo meu corpo se desfalecer.