Capítulo 2

1386 Words
Vários bocejos consecutivos fizeram com que algumas lágrimas escorressem pelo rosto bonito e cansado. Aquele não era exatamente seu trabalho favorito. Gostava de ficar nas ruas, ajudando a quem necessitasse e não atendendo a chamados por telefone. Maldita hora em que foi honesto contando que bebera uma cerveja. Poderia estar com Oscar nesse momento socorrendo alguém em um bairro miserável de Warbury. Claro que sabia que o atendimento através do telefone era tão importante quanto o atendimento nas ruas, mas era um pouco entediante para alguém tão ativo quanto ele. Inclinando o corpo para trás, Dean bocejou mais uma vez e passou as duas mãos no rosto na tentativa de espantar o sono. E foi nesse momento que uma xícara de um fumegante café foi colocada a sua frente. O aroma forte o fez sorrir e rapidamente ergueu os olhos encarando a figura feminina ao seu lado. —Obrigado Lydia. Eu estava mesmo precisando. —E eu não percebi? — Falou sentando-se sobre a mesa e cruzando as pernas. —Sei como é horrível ser recrutado em plena folga. —Ossos do ofício. Pensando bem foi até melhor. Eu não tinha nada melhor para fazer mesmo. —Descansar, Dean. Já ouviu falar nisso? Ele riu e voltou a beber o café. Lydia era uma bela morena na faixa dos trinta anos, há quase oito noiva de Simon. Dean realmente não conseguia entender como ela aceitava isso. Ele não se via noivo de uma mulher por tanto tempo. Isso era mesmo necessário? Balançou a cabeça inconformado com seus pensamentos. E quem disse que isso era problema dele? Desde quando ficava julgando a vida e os atos das pessoas? Bom, provavelmente desde quando se sentia entediado. —Descanso é bom também, mas eu já tinha perdido minha noite. —Perdido? Isso significa que alguma desmiolada o dispensou? —Desmiolada hum? — Falou em tom jocoso remexendo as sobrancelhas. —Está insinuando que sou um gato que não posso ser dispensado? Simon não vai gostar disso. —Não seja sonso. Simon sabe que sou completamente apaixonada por ele. Mas isso não significa que eu esteja morta. É claro que você é um gato muito gostoso que qualquer mulher daria um braço por uma noite. —Obrigado por levantar meu ego. Mas não foi bem assim que aconteceu. Eu me interessei por uma mulher, mas ela infelizmente estava acompanhada. Quando recebi o chamado entendi que foi melhor assim. —Logo você encontra uma pessoa legal com quem queira passar o resto dos seus dias. Mas agora acho melhor voltar ao trabalho. —Certamente. E obrigado pelo café. Eu estava mesmo precisando. —Disponha. Dean percorreu o ambiente com os olhos observando os colegas que trabalhavam ativamente, ou olhavam para o vazio apenas esperando o toque do telefone. Voltou a atenção para a tela à sua frente enquanto bebericava o restante do café saboroso. Sua mente traiçoeira de repente o levou a algumas horas atrás enquanto estava no pub. A imagem da ruiva veio nítida à sua mente fazendo-o suspirar. Nunca mulher nenhuma o deixou em tal estado de deslumbramento, pensando nela e desejando vê-la novamente. Talvez porque toda mulher que tenha chamado sua atenção acabou em seus braços. Porém ele sabia que não era apenas isso. —Dean? Seu nome foi chamado e ele girou a cabeça encarando Félix. Negro, alto e muito forte, ele era aparentemente bem mais jovem do que seus quarenta e cinco anos. Ele analisava Dean com cuidado, buscando por algum sinal de cansaço excessivo. —Pois não Félix? —Como está se sentindo? —Bem. —Franziu a testa ao responder. —Um pouco entediado, admito. Algum problema? —Não. E entendo que não gosta muito de ficar preso aqui. Mas... tem certeza de que está bem disposto? Bem... acordado? Dean riu estranhando a pergunta, mas deu de ombros. —Fiquei meio sonolento, mas por estar parado aqui. —Bem... Frank não está se sentindo muito bem. Só com o corpo dolorido por causa de um resfriado. Eu o mandei de volta para casa, mas vendo a situação aqui hoje, ele se nega. Então eu pensei que poderia fazer uns ajustes e coloca-lo em seu lugar. Dean suspirou aliviado, já se colocando de pé. Felix disfarçou o riso pois imaginava o quão penoso fora o tempo em que ele permaneceu como atendente na Central de Emergência. —Por mim tudo bem, Félix. Não é bom para o Frank trabalhar nessas condições. —Pois bem, então... Dean fez um gesto com a mão quando a luz no aparelho sobre a mesa piscou. Rapidamente ele atendeu ao telefone. —Boa noite. Qual a emergência? Primeiro ele ouviu um choro e em seguida um som alto como se algo caísse ao chão. —Qual a emergência? — Voltou a repetir. — Preciso que tenha calma e... Ele foi interrompido pela voz feminina aos prantos, em total desespero. —Pelo amor de Deus... me ajude. Ele vai me matar. O que se sucedeu depois disso Dean jamais saberia narrar. Ouvir a voz feminina aos prantos foi como um soco em seu estômago. Ele sempre ficava abalado quando havia alguma violência contra a mulher. Aquilo mexia diretamente com ele e por vezes o ódio da situação o deixava incontrolável. Duas vezes precisou ser afastado do trabalho por não se conformar e querer partir para a briga contra o agressor da mulher que pediu socorro. Ele já estava no pátio se preparando para sair, quando Félix foi correndo ao seu encontro. Frank que já estava se aproximando quando Dean atendeu a ligação ocupou seu lugar e conduziu o chamado. —Dean, pelo amor de Deus... controle-se ou vou afastá-lo por muito mais tempo dessa vez. —Estou bem, Félix. Eu prometo. —Ótimo. Alec e Lionel irão com você. Minutos depois Lionel acelerava o carro pelas ruas de Warbury enquanto conversava com Alec. Dean se mantinha calado, rezando em silêncio para que a mulher que pediu socorro estivesse bem. Já viu cenas horríveis de acidentes, homicídios, suicidios, mas nada o deixava tão revoltado quanto a violência contra pessoas indefesas, principalmente mulheres e crianças. Nunca soube de onde veio tamanha revolta. Talvez fosse pelo fato de a mãe ser tratada como rainha e de tê-lo ensinado a tratar as mulheres da mesma forma. Ou quem sabe pudesse ser algo pior, mas ele realmente não se lembrava. Dez minutos depois eles entravam no pequeno prédio de cinco andares, onde o porteiro idoso os recebeu com olhos arregalados, mas com evidente alívio. Sem que precisassem dizer nada ele indicou o apartamento. Dean se apressou e passou à frente dos colegas, empurrando a porta entreaberta. Assim que entrou ouviu o choro desesperado e logo avistou a figura de uma pessoa encolhida em meio ao caos de moveis revirados. Cautelosamente ele se aproximou e sentiu seu coração saltar furiosamente ao ver a cor dos cabelos espalhados pelo rosto e ombros da mulher. Ele não queria acreditar. Aliás, talvez estivesse ficando louco, mas a cor era idêntica ao da mulher do pub. —Senhora? Viemos ajuda-la. —Ele... ele vai me matar. —Não vai. Eu não vou deixar. Dean se ajoelhou ao lado dela, o corpo trêmulo. Lionel e Alec andaram pelo apartamento à procura do agressor enquanto Dean buscava coragem. Não podia ser. Não podia ser aquele anjo. —Eu vou... eu vou tocar em você, tudo bem? Apenas para ajuda-la. Eu preciso ver como você está. Não houve recusa, então com todo cuidado Dean afastou os cabelos dela, reprimindo o silvo raivoso que ameaçava escapar de seus lábios. Passou o braço debaixo do corpo delgado e girou-a com cuidado sentindo as lágrimas se acumularem em seus olhos. A ruiva em seus braços conseguiu enxerga-lo e reconhece-lo mesmo com o olho já se fechando devido ao inchaço. —Você... Engolindo seco ele fechou rapidamente os olhos querendo apagar de sua mente a imagem da bela mulher agora coberta por hematomas. —Vou pegá-la no colo, ok? Diga-me se a machucar. —Eu...eu...ele fugiu. —Eu imaginei. Mas não pense nisso agora. Nós cuidaremos dele depois com sua ajuda. Agora eu só preciso ajuda-la, princesa. Você ficará bem. Quando Lionel e Alec voltaram à sala encontraram Dean com a mulher desmaiada em seus braços. Os dois se entreolharam ao ver o colega arrasado, chorando completamente impotente.
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