Pais e filhos

2305 Words
Anya Acordo com um barulho de porta batendo, eu estava tão cansada por ter ficado a noite toda acordada sem conseguir dormir que acabei cochilando. Olhei ao redor do meu quarto e estava escuro, olhei pela janela que estava aberta e percebi que já era noite. "Por quanto tempo eu dormi?", pensei um pouco confusa. Me levantei com o corpo doendo por ter deitado de qualquer jeito na cama e desci para ver se minha mãe já havia chegado. Desço as escadas e ouço um barulho na cozinha. Vou até lá e minha mãe está mexendo na geladeira, ela se vira e abre um sorriso ao me ver. ― Oi Any, por favor me diga que você estava dormindo. --- ela diz, colocando uma panela com água para ferver no fogão. --- Oi mãe, por incrível que pareça eu peguei no sono. Me deitei para descansar e acordei com o barulho da senhora abrindo a porta. Tudo indica que vou passar mais uma noite em claro por ter dormido de dia. --- digo me sentando em uma cadeira. --- Você está tomando o seu remédio direito? --- Estou mãe, mas eles não estão funcionando. --- Acho que é melhor trocarmos de médico. -- ela diz se sentando ao meu lado. --- Eu não sei se isso resolveria, mãe. Eu já troquei três vezes. Estou cansada disso, pra ser sincera. --- Precisamos tentar nem que seja mais uma vez. --- Vai fazer macarrão? -- eu pergunto, tentando mudar de assunto. --- Não tente mudar de assunto, Anya. Precisamos conversar sobre isso, essa insônia já te acompanha há anos. Onde é que isso vai parar? --- ela diz, preocupada. --- Eu não sei mãe. --- é a minha resposta honesta. --- Talvez você devesse começar a praticar alguma hobbie. --- Fazer algum esporte, quem sabe. O que me diz? --- A única coisa que gosto de fazer é ensinar. -- digo. --- Você gosta de animais, não gosta? --- Sim, eu gosto. --- Quem sabe não seria legal se você praticasse equitação, só por diversão. --- Não sei se a gente tem grana para isso, mãe. -- digo, desanimada. Embora eu goste de cavalos, a minha disposição para praticar equitação está em zero por cento. --- Isso, sou eu quem decide. Vou pesquisar melhor sobre o assunto e voltamos a conversar sobre isso. -- ela se levanta e coloca o macarrão na água já quente. --- Mãe? --- Sim? --- Por que chegou mais tarde hoje? A senhora nunca chega quando já está escuro. -- pergunto desconfiada. Eu reparo que seu corpo fica rígido em frente ao fogão e ela não se vira para me olhar. --- Tinha muito trabalho no escritório hoje, amor. -- ela responde e depois se cala. --- Humm, pensei que tivesse acontecido alguma coisa. --- Não aconteceu nada, meu bem. O que poderia ter acontecido? --- ela se vira forçando um sorriso. Eu dou de ombros. --- Vem cá me ajudar a fazer o molho pro nosso macarrão. -- ela convida. --- Claro. -- eu me levanto e ajudo a preparar o molho. Noto que ela ficou calada de repente e me pergunto o que deve estar acontecendo para ela estar agindo desse jeito. --- Eu vou subir para tomar um banho antes do jantar, você termina de arrumar a mesa? -- ela pergunta já indo em direção às escadas. --- Pode deixar. -- eu digo. Nesse momento a campainha toca e eu imagino que deva ser a Liz, lembro dela ter comentado ao telefone que talvez passasse por aqui. Eu abro a porta e lá se encontra ela, toda produzida para variar. Liz está sempre bem arrumada e maquiada, independente de onde quer que ela vá. Ela diz que nunca se sabe quem encontraremos na rua. --- Oie! --- ela diz entrando com tudo. --- Oi, Liz. - eu fecho a porta atrás de nós. --- Vim te convencer a sair comigo hoje, vamos, vai ser legal, prometo. -- ela diz agarrando minha mão. --- Nem pensar, sua maluca. Até parece que não me conhece. --- Nossa, que cheiro bom. -- ela diz e sem esperar convite, entra na cozinha. Eu a sigo. Liz está usando um vestido vermelho super curto, com sandálias de salto cor nude, seu cabelo loiro cacheado está solto. --- É macarrão, quer jantar com a gente? -- eu pergunto, terminando de arrumar a mesa. --- Não, eu agradeço, mas tenho que ir. Você não quer mesmo vir comigo? Precisa se divertir um pouco, garota. Onde está Dona Elisa? Já chegou? --- Sim, ela está lá em cima tomando banho. --- Hoje eu achei ter visto... --- Liz? Como está bonita, tem alguma festa para ir hoje? --- minha mãe surge na cozinha de repente, interrompendo o que Liz iria falar. --- Olá, Dona Elisa, como vai? -- Liz pergunta, amável. --- Eu vou muito bem e você como está? E sua família, tudo bem? --- Estamos todos bem, obrigada. --- ela diz com um sorriso. --- O que você estava dizendo antes da minha mãe entrar, Liz? -- eu pergunto curiosa. --- Ah sim... eu me esqueci, assim que lembrar eu te falo. -- ela disse, ficando estranha de repente. --- Uma última tentativa: Vem comigo, por favor Any. -- ela implora. --- Já falei que não estou no clima. Vá e divirta-se. Depois me conta o que rolou. --- Você deveria ir, filha. Sair um pouco dessa casa. -- minha mãe diz, eu faço uma careta. --- Viu? Até a sua mãe acha que você deveria vir. -- Liz contra ataca. --- Outra dia, quem sabe. -- digo tentando pôr um fim ao assunto. --- Tudo bem, não vou mais insistir. Boa noite, Dona Elisa. -- ela se despede. --- Boa noite, Liz. Lembranças a sua mãe. -- minha mãe diz. --- Pode deixar. -- eu acompanho Liz até a porta. --- Amanhã te ligo para contar como foi. --- ela diz caminhando até seu carro. --- Eu vou estar ansiosa para saber todos os detalhes. -- digo. -- Divirta-se, amiga. --- Não tenha dúvida. --- eu fico observando até ela sair com o carro e entro em casa com um suspiro. "O que será que ela ia dizer antes da minha mãe entrar?", penso. Entro na cozinha e minha mãe está servindo o macarrão nos pratos, eu me sento em frente a comida fumegante. --- Parece que está uma delícia. -- digo, pegando o garfo. --- Aproveite, você está muito magra, precisa comer mais. -- minha mãe se senta em minha frente. --- Liz não muda, não é? Sempre maluquinha. --- ela comenta. --- É o jeito dela. -- eu digo, dando uma garfada no macarrão. ---- Está delicioso, mamãe. --- Graças ao seu molho espetacular. --- Eu só ajudei, a senhora fez tudo. --- Deixe de modéstia. Você cozinha muito bem. Como foi na escola hoje? -- ela pergunta, se servindo de uma taça de vinho tinto. --- Foi tudo bem, meus alunos são uns anjinhos. Voltei com uma pilha de cadernos para corrigir. --- Imagino que já tenha corrigido todos. --- Corrigi sim, antes de cair na cama e cochilar. Ainda preciso terminar o plano de aula. Vou fazer isso assim que acabar de comer. --- Pensei que poderíamos ver um filme juntas, o que acha? --- ela pergunta. Eu penso e chego a conclusão de que eu posso muito bem tirar um tempo para ficar com a minha mãe. --- É claro. Comédia ou terror? -- pergunto. --- Terror. --- A senhora é das minhas. -- nós duas rimos. Depois do jantar, eu ajudo a lavar a louça e depois nos aconchegamos no sofá para assistir ao filme com uma bacia de pipoca. Ao final, eu subi, tomei banho, coloquei um pijama e terminei de fazer o meu plano de aula. Já eram 04h00 da manhã, quando consegui pegar no sono. Lucas Passados exatos 15 minutos que eu havia entrado no estábulo acompanhado de Henrique para verificar como os cavalos estavam, o veterinário que tínhamos chamado, entrou com passos rápidos e maleta em mãos. Eu o analisei dos pés à cabeça e achei que ele era muito novo para ser considerado um profissional competente. "Onde será que o meu pai arranjou esse sujeito?", pensei aborrecido. Espero que ele resolva o problema rapidamente, já que levou uma vida para chegar até aqui. ― Boa tarde, qual dos senhores é o Sr. Lucas Carreira? --- ele perguntou. Era um homem de vinte e poucos anos, não muito mais velho do que eu, alto e de cabelos cor de manga chupada. -- Sou eu. -- eu disse, chegando perto dele, percebi que ele se encolheu um pouco. Eu era visivelmente mais alto do que ele. -- Posso saber porque demorou tanto para chegar aqui? Por acaso se perdeu no meio do caminho? -- perguntei irritado. --- Peço desculpas, Sr. Mas, eu tive um problema com o meu carro e precisei parar em uma oficina, não tive nenhuma intenção de deixá-los esperando. --- ele disse, levantando um pouco a cabeça para olhar para mim. --- Da próxima vez avise, se é que vai haver uma próxima vez. Agora se não for pedir muito, faça o seu trabalho. -- digo. --- Ok, Sr. -- ele solta um longo suspiro ( o que me deixa irritado) e vai em direção aos cavalos para examiná-los. Eu fico por perto observando, quero ver se ele realmente sabe o que está fazendo. ― Podia ter pegado mais leve com o cara, ele não teve culpa do carro enguiçar no meio do caminho. -- diz Henrique se aproximando de mim. --- Eu sei que ele não teve culpa, mas como eu disse, ele poderia ter tido a consideração de nos avisar. Mas, ao invés disso, nos deixando esperando igual trouxas. - repliquei. --- Cara você precisa desestressar, você tá uma pilha. Dá até para ver fumaça saindo das suas narinas. -- ele ri. --- Há, há, há. Muito engraçado Henrique, hilário você. Quer saber? Vou para o meu escritório, mande o veterináriozinho para lá quando ele terminar. -- digo me virando para sair. --- Às ordens, patrão. --- Henrique diz, eu reviro os olhos e saio. Vou direto para o meu escritório, me sento na cadeira que antes era ocupada pelo meu pai, mas que hoje ele já não faz questão nem de passar perto e analiso alguns recibos dos fornecedores, algumas contas a pagar, papéis e mais papéis, responsabilidades e responsabilidades. Separo as contas a pagar e deixo de lado para não esquecer. Abro a gaveta para guardar os recibos e encontro uma foto da nossa família, quando minha mãe ainda estava viva. Sinto a tristeza se aproximando, mas logo a afasto. A saudade que sinto é imensa, quem dera eu pudesse deitar no seu colo como quando era criança e deixar que ela me fizesse um cafuné. Mas isso é impossível, porque ela está morta. Alguém bate á porta e peço que entre. ― Com licença, Sr. Carreira. Vim avisá-lo que alguns dos cavalos foram acometidos por uma infecção, mas eu já os mediquei e eles ficaram bem logo. --- o veterinário diz. --- Por favor, sente-se. -- eu digo. Ele se senta e fica encarando a pilha de papel sobre a minha mesa. --- Acho que o senhor precisa de uma secretária. -- ele diz de repente. Eu o encaro surpreso e digo: --- Eu acho que o senhor precisa cuidar da própria vida. -- ele me olha espantado, com um pouco de vergonha e se cala. Eu preencho o cheque e entrego a ele. --- Aqui está o seu pagamento, agradecemos o seu trabalho. Tenha um bom dia. --- Obrigado. Tenha um ótimo dia, Sr. Lucas. --- ele sai e fecha a porta atrás de si. "Que carinha intrometido, onde já se viu?". Já é tarde quando termino tudo no Haras e vou para a fazenda onde moro sozinho com o meu pai, desde o falecimento da minha mãe. Meu pai até insistiu para que nos mudássemos, mas eu amo aquele lugar e ele me faz lembrá-la e eu acho que isso é reconfortante. Saio do escritório e já está escuro, a maioria das pessoas já foram embora, até mesmo Henrique. Entro na minha caminhonete e dirijo até a fazenda. Entro em casa e meu pai está sentado no sofá da sala principal, esperando o jantar ficar pronto. Aqui na fazenda contamos com vários funcionários, dentre eles uma cozinheira e uma arrumadeira. --- Chegou quase na hora, filho. Deu tudo com o veterinário? --- meu pai pergunta. --- Tudo certo, até que ele não é tão incompetente quanto eu que achava que fosse. Mas, não sei se vou contratá-lo novamente. Prefiro o veterinário que estávamos acostumados. Espero que ele dê um sinal de vida amanhã. Vou subir para tomar um banho e já desço para jantar. -- digo subindo as escadas. Meu pai não responde nada, há tempos não somos mais os mesmos que costumávamos ser, há tempos não temos uma relação verdadeira de pai e filho, às vezes acho que somos dois estranhos morando na mesma casa. Entro no meu quarto, tiro a roupa de trabalho e me jogo embaixo do chuveiro, hoje fez um calor tremendo e o meu corpo está todo suado. Saio do banho e visto uma calça de moletom e camiseta. Antes de descer para jantar, me deito na cama para descansar um pouco, cansado eu estou de carregar aquele haras nas costas. Às vezes as responsabilidades pesam demais, às vezes eu queria apenas fugir e esquecer de tudo isso. Sem muita fome, eu desço para fazer companhia ao meu pai à mesa, no entanto, comemos em silêncio, mal trocamos duas palavras. Depois do jantar, subo para o meu quarto e fico brigando com o sono, até que ele consegue me vencer.
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