No fundo do poço.

2460 Words
“ Meu querido diário, hoje de manhã precisei lidar diretamente com Vera Lúcia Gaião, mais uma vez. Olhar para essa mulher me faz lembrar de tudo de r.u.i.m que já me aconteceu antes mesmo de chegar aqui.” Betina deu uma breve pausa em sua escrita, ganhando um olhar perdido para através de sua janela. Estava sentada de frente para a sua escrivaninha, como de costume, e também como de praxe, acabou se perdendo nos próprios pensamentos. Reviveu o passado, voltando para o dia em que precisou fugir de casa, em março de 2018, aos seus dezessete anos. Ultimamente, adquiriu o hábito de remexer no baú antigo de sua mãe, no qual o seu pai fazia questão de manter em um setor a parte de seu armário. Encontrou um diário, achando nas diversas páginas, conteúdos importantes a respeito do casamento de seus pais. Ela folheou o objeto, parando ao encontrar uma informação interessante. - “ Meu amigo diário, suspeito que o meu marido tenha outra mulher”- Falou Betina em voz baixa, lendo para si mesma. Ela folheou mais uma página, encontrando algo parecido na segunda folha. - “ Meu amigo diário, já tem um tempo que não escrevo. Depois das ligações suspeitas que ouvi do Otto, revisei a conta de telefone. Encontrei o número de uma tal Soraia.”- Os olhos de Betina começaram a marejar, uma raiva crescente estava prestes a explodir dentro da garota. Continuou revisando cada página que se seguia, todas revelando o descontentamento e a angústia de sua mãe a respeito da amante de seu pai. - “ Meu amigo diário, está sendo insuportável lidar com as dores, apenas consigo resistir pela Betina”.- Á aquela altura, as lágrimas que ardiam nos olhos da garota já escorriam por suas bochechas. Ela deu uma breve pausa, engolindo o som sufocado do choro.- “ Estou com câncer terminal, e sei que tenho poucos meses de vida, mas sempre resta uma esperança. Achei transferências da conta bancária do meu marido para a tal Soraia, acho que ele cansou de esperar por mim”.- Betina precisou se esforçar muito para abafar um grito. Suas mãos estavam trêmulas, o seu corpo inteiro parecia convulsionar em desespero. Sua mãe não só teve uma morte repleta de dores e sofrimentos. Foi abandonada pelo próprio marido no momento mais difícil de sua vida. Foi abandonada por aquele que jurou amá-la e respeitá-la na saúde ou na doença, até os seus últimos dias. Com relutância, passou para a próxima página. - “ Meu amigo diário, descobri que o meu marido tem uma segunda família. A sua outra mulher, era secretária dele na nossa empresa. Têm uma filha pequena, os vi na foto, pareciam uma família perfeita. O detetive provavelmente se apiedou de mim, já que não quis me cobrar. Sinto que não tenho o direito de reclamar, me resta uma semana de vida.”- Não suportando mais aquela tortura, Betina deixou escapar um urro de dor. Ela caminhou de frente para o espelho da grande penteadeira de Soraia, agarrando o primeiro frasco de perfume que viu pela frente, e o arremessando contra o espelho, reduzindo-o a pedaços pequenos de cacos de vidros. Empurrou todos os outros perfumes para o chão, se deparando com Soraia ao virar de frente para a porta. A mulher estava perplexa e indignada ao mesmo tempo. Provavelmente, aquilo seria um grande motivo para Betina receber mais uma das muitas surras que levava da madrasta, desde o dia em que a mesma colocou os pés em sua casa, mas Betina não se deixou intimidar. - Você vai se arrepender por esse mau comportamento.- Soraia trincou os dentes, caminhando de forma intimidante na direção da mesma. - Tenta erguer a mão para mim, apenas tenta. V.a.g.a.b.u.n.d.a, p.u.t.a de m.e.r.d.a, você destruiu a vida da minha mãe, sua demônia.- “ Meu amigo diário, eu nunca tinha me sentido tão poderosa em toda a minha vida. Disse na cara da Soraia tudo o que estava entalado há muito tempo.” Soraia ergueu a mão para disferir uma b.o.f.e.t.a.d.a em sua enteada, mas foi detida pela mesma. Betina agarrou o pulso da outra mulher ainda no ar, e torceu, sem piedade, a mão da mais velha para o lado. - Eu não sou mais aquela menina que você espancava. Agora, Soraia, eu posso destruir você.- Betina a atirou contra a mesinha de cabeceira, assistindo-a despencar no chão.- Encontrei o diário da minha mãe, eu já sei de tudo. Você era amante do meu pai. Meu Deus, que nojo de vocês dois. Enganaram a minha mãe, a fizeram sofrer mais ainda em seus últimos dias de vida.- - Estava revirando as coisas do seu pai?- - Não tente reverter o jogo. Eu tenho direito a tudo o que era da minha mãe, e isso, sua porca i.m.u.n.d.a, não é da sua conta!- Ainda com o diário nas mãos, Betina pisou duro para fora do quarto do seu pai. “ Meu amigo diário, eu não fazia ideia que o p.i.o.r estava por vir. Depois do confronto com a minha madrasta, chorei em meu quarto por quase uma hora, até o meu pai invadi-lo com sangue nos olhos.” Betina estava encolhida por entre as cobertas, quando sem bater na porta, Otto adentrou o seu quarto. O homem estava alterado devido a algumas doses de uísque, e Betina nunca o viu tão vermelho. Assustada, a garota chutou os lençóis, ficando de pé em um pulo. - Quem você pensa que é para revirar as minhas coisas, sair quebrado o meu quarto inteiro, e ainda por cima, agredir a minha mulher?!- Gritou Otto, reduzindo consideravelmente as distâncias entre Betina e ele. - Eu descobri tudo.- Falou Betina, com a voz trêmula.- A Soraia era a sua amante. Você enganou a minha mãe com aquela mulher.- O olhar de Otto mudou de raiva para remorso, por um breve momento, pois em seguida, a fúria aumentou. Ele teve ódio por Betina fazê-lo lembrar da porcaria de homem que foi. Teve ódio, por Betina passar a morte de sua falecida esposa em sua cara. - Você não sabe o quanto fez a minha mãe sofrer, pai. E quer saber? Se antes eu já não gostava de você por me obrigar a viver com essa mulher, agora então, eu te odeio de verdade.- - Então vá embora da minha casa. Eu preciso da minha mulher, mas não de você.- Betina assentiu, os olhos ardendo em lágrimas mais uma vez. - Eu sinto muito por minha mãe não ter conhecido um homem que a amasse de verdade. Pode olhar para as suas mãos, doutor Otto Valente, porque estão manchadas de sangue. Você é o maior responsável pela morte da minha mãe.- Proferiu Betina, com a voz embargada. - Cale a boca!- Bradou Otto, disferindo um t.a.p.a generoso contra o rosto de Betina. A garota caiu de bruços sobre o tapete, perplexa com a violência de seu próprio pai. O lado golpeado queimava, e uma mancha vermelha começava a se formar em sua bochecha. “ Eu mal me recuperei do primeiro golpe, o meu pai me bateu, me bateu, e me bateu, até que eu perdesse completamente as minhas forças”. Aproveitando que sua filha ainda estava caída no chão, Otto tirou o cinto de sua calça. Ele disferiu golpes duros e fortes contra os braços e as pernas da garota, não parando até o braço cansar. No final de sua pequena explosão de raiva, ele estava completamente sem fôlego, e Betina completamente machucada. Permaneceu paralisada, em choque, o corpo tremendo da dor que sentia. Marcas grossas e avermelhadas estavam espalhadas por seu corpo, em conjunto com arranhões que continham até um pouco de sangue. “ Eu olhei nos olhos do meu pai antes de que ele saísse do meu quarto. Encontrei até um pouco de remorso, mais uma vez, contudo, ele não se desculpou. Eu fiquei ali, atirada no chão, até ter forças para me levantar de novo.” Betina precisou de um tempo para se recuperar. Ficou de pé com muita dificuldade, determinada a fazer o que já deveria ter feito há muito tempo. Correu o mais rápido que uma garota ferida conseguia, e saiu do casarão pela porta dos fundos. Rodou tantas ruas, que já não sabia aonde estava. Sentia fome, frio, dor, e viu a sua única chance de tentar ajuda ao se deparar com um bar que estava bem a sua frente. “ Não suportaria aquilo por muito tempo, eu tinha certeza. Precisava comer, descansar as pernas, e depois disso, ainda precisava achar um rumo para a minha vida. Pedi ajuda ao dono do bar, mas como o esperado, no estado deplorável em que eu estava, ele me expulsou do estabelecimento”. Betina não conseguia dar mais um passo sequer. Os seus músculos falharam, e ela caiu sentada na calçada. Se viu completamente no fundo do poço, até se deparar com uma mão estendida logo á sua frente. Ergueu os olhos para cima, encontrando um homem com os olhos acinzentados mais bonitos que já tinha visto em sua vida. - Vi a forma desprezível com a que aquele homem te tratou. Venha comigo, deixe-me ajudá-la.- Ela respirou fundo, não tinha outra alternativa a não ser aceitar a ajuda de um desconhecido. Era isso, ou morrer de fome nas ruas. Segurou a mão masculina, ficando de pé, tendo o corpo largo e rígido do homem como suporte. Ele envolveu o braço ao redor dos ombros dela, conduzindo-a na direção de seu carro. - Sou o Rico. E você?- - Betina.- A mulher o olhou de soslaio, encontrando o sorriso gentil e ao mesmo tempo sedutor do homem. - Vou te levar para a casa da minha mãe, poderá passar a noite lá.- Rico ajudou Betina a entrar no carro, antes de assumir o volante. A garota apenas assentiu, estava exausta até mesmo para respondê-lo. Sabia que nunca deveria entrar no carro de um desconhecido, mas já não tinha nada a perder. “ Eu apenas deixei o Rico me conduzir para onde quisesse. Ou ele seria o meu salvador, ou terminaria o trabalho que o meu pai começou.” … Betina acordou um pouco desnorteada na manhã seguinte. Embora fosse muito macia e confortável, aquela não era a sua cama, e tampouco aqueles eram os seus lençóis. Depois de uma boa refeição e um banho quente com roupas limpas, Betina caiu em um sono profundo. Não sabia dizer quantas horas tinha dormido, mas tinha noção de que eram muitas. Uma das várias funcionárias que trabalhava no lugar, deixou uma bandeja de café da manhã repleta de opções de frutas, queijos e pães, na mesa de cabeceira, e por sorte, Betina acordou a tempo de saborear os pãezinhos ainda frescos. Suspirou de satisfação, se obrigando a pensar no rumo que daria a sua vida apenas quando acabasse de comer. Devorou tudo, sem deixar sequer uma migalha, não sabia quanto demoraria até ter uma refeição de novo. Ainda estava sentada quando ouviu um vozerio vindo do corredor, reconheceu a voz de Rico sendo uma delas. Se assustou quando a porta foi aberta abruptamente, encontrando uma mulher rechonchuda e de cabelos castanhos, na companhia de seu mais novo amigo. - Essa é a menina de quem me falou?- A mulher mais velha avaliou Betina da cabeça aos pés, como se fosse uma mercadoria. Demonstrou interesse, já que além de muito bonita, a garota parecia ser de boa família. - Sim, mãe, é a Betina. Ela não tem para onde ir.- - E você resolveu hospedar a menina na minha casa.- Constatou a mulher, deixando a garota constrangida. - Eu vi que estavam dando uma festa ontem, imagino que seja de negócios. Não quero atrapalhar, só precisava de um lugar para passar a noite, mas já estou de saída.- Betina fez menção de ficar de pé, mas a anfitriã a impediu de continuar. - Não tão rápido, garotinha. Acha que pode comer da minha comida, dormir na minha cama, e usar as minhas roupas, sem pagar nada?- - E-eu não estou entendendo.- Betina olhou para Rico, esperando alguma ajuda. - Sabe que eu sempre escolho as melhores garotas para você, não é, mãe? Olhe para essa daí, com certeza tem potencial e vai te fazer lucrar muito.- Rico não deu a mínima para os olhares de Betina, estava calculando mentalmente o quanto poderia faturar com ela. - Será que alguém pode me explicar o que está acontecendo?- Betina alterou o tom de voz, tentando chamar a atenção dos outros. - É simples, meu amor. Sou Vera Lúcia Gaião, uma empresária de sucesso, e você não pode ir embora daqui sem me pagar o que deve. Não entendeu ainda que precisa ficar?- - Espera… Está me cobrando pela noite que passei aqui? É isso?- Novamente Betina se virou para o homem que aparentemente a ajudou.- Rico, você não falou nada sobre isso.- - As vezes o Rico deixa escapar algumas informações, mas tecnicamente não foi uma noite. A pernoitada aqui é cara, deve ter percebido pela estrutura do lugar. A comida é de primeira, as roupas são de grife, até mesmo as camisolas.- - Pelo que entendi, a senhora quer que eu fique aqui e trabalhe para retribuir o favor.- Disse Betina. - É exatamente isso, minha linda, tirando a parte que Vera Lúcia Gaião não presta favores.- Rebateu a outra mulher. - Então eu posso ficar aqui em troca do trabalho?- - Pode, Betina, pode. Ou melhor, deve, já que você tem uma dívida comigo.- A mulher gargalhou, achando graça da própria piada descabida.- Não existe a opção de você não aceitar, ou é isso, ou te mando diretamente para forca. Ninguém que deve a Vera Lúcia Gaião sai vivo da história.- - Tudo bem.- Concordou Betina.- O que eu devo fazer?- - Tirar a roupa.- Respondeu Rico, se divertindo com os olhos arregalados de medo da garota. - O-o que?- Perguntou Betina, incrédula. - Ainda não percebeu que a minha casa, é uma casa de prazeres?- Perguntou Vera, com um tom de voz sarcástico. - Está dizendo que para te pagar, eu preciso…- Betina não conseguiu completar a própria frase. - Precisa se prostituir.- Confirmou a cafetina. “ E foi aí que eu percebi que, para sobreviver, eu precisava tirar a roupa”. ———————————————————————- Muito obrigada por estarem acompanhando essa história, que estou fazendo com tanto carinho. Cada um de vocês são especiais, e me inspiram para que cada dia faça um capítulo inédito. Conto com a ajuda de vocês para votarem em mim no bilhete lunar! Clique em #Vote# nas notas do autor
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