O reencontro inesperado.

2254 Words
Layla nunca imaginou que fosse tão incômodo ter que visitar a sua ginecologista. Talvez porque estivesse tensa, não por ter algo a temer, mas porque sabia o que a esperava. Sua juventude havia sido condenada por um homem vinte anos mais velho, do qual ela sequer conhecia. Estava deitada na maca da médica. Uma mulher jovem - seu pai sempre fez questão de que fosse uma mulher a atendê-la-, na casa dos trinta. Tinha cabelos loiros-escuros e olhos espertos. Foi gentil com Layla desde o momento em que a moça colocou os pés ali. A doutora subiu um pouco a bata azul que a garota levava no corpo, e após pedir licença e colocar suas luvas brancas, introduziu dois de seus dedos, vagarosamente, na cavidade localizada entre as duas pernas da garota. Layla franziu o cenho, retesando também todo o corpo. Nunca havia sentido nada tão desconfortável. - E então, doutora? Está tudo bem?- Perguntou Samira, mãe de Layla, que fez questão de acompanhar a filha até o consultório médico. - O hímen está aí.- Falou a médica, tirando as luvas, em seguida. Samira suspirou, aliviada. Desde a noite anterior, na qual Layla gritou aos quatro ventos estar apaixonada por um brasileiro, todos ficaram preocupados com a possibilidade de que ela tenha metido os pés pelas mãos. Durante a saída, Samira beijou a testa de sua filha, dali se separariam. Hakim, o guarda-costas da garota, a levaria para a faculdade, enquanto Samira tomaria um carro de aplicativo para se encontrar com Ali em uma de suas empresas. Layla caminhou apressada pelo corredor, ficando surpresa com a coincidência que foi, deparar-se com o jovem médico naquele mesmo consultório. Reconheceria os olhos azuis de Breno em qualquer lugar. Por um breve momento, sentiu como se os seus pulmões tivessem perdido a capacidade de captar oxigênio. Ele também a olhou com interesse. Havia ficado muito intrigado por saber que uma jovem tão bonita como Layla nunca tinha beijado antes. Ele observou que na noite anterior a garota havia sido acompanhada pelo mesmo homem alto e moreno, que também estava com ela no consultório. Não precisou de muito para chegar à conclusão de que Layla não dava um passo, sem ter o guarda-costas em seu encalço. Ela piscou os olhos escuros, aturdida. Não conseguia sair de perto dele. Estava tão bonito de jaleco. Conversava uma paciente antes de Layla cruzar o seu caminho. - Senhorita Abdallah, precisamos ir. Vai acabar perdendo aula.- Lembrou Hakim, ao perceber que os pensamentos dela estavam a anos luz dali. - C-claro.- Layla conseguiu falar, praticamente correndo até o final do corredor. Cruzou a porta da rua com Hakim logo atrás, sequer tinha liberdade de correr para longe. Lágrimas quentes inundavam seus olhos. Ter encontrado com Breno só fez com que Layla se lembrasse que, em poucos dias, estaria amarrada pelo resto da vida, com um homem que ela nem conhecia. Chegou na sala de aula justo quando a professora também chegou. Como de costume, se acomodou próxima á Betina e a Hugo, que já estavam sentados em seus devidos lugares. - Que cara é essa?- Perguntou Betina, preocupada com a amiga.- Parece que chegou de um enterro.- - Será que é porque o beijo do doutor Breno não foi tão bom?- Brincou Hugo, esboçando um sorriso malicioso ao ver a cara f.e.i.a que Layla fez. - Acabo de chegar do médico, meu pai me obrigou a fazer um teste de virgindade.- Explicou a garota. - Sim, você nos contou por mensagem. Mas ainda não entendi o porquê.- Betina franziu o cenho, intrigada. Layla engoliu em seco, não sabia como dar aquela notícia sem parecer ridiculamente diferente. - Dentro de alguns dias, eu vou me casar.- - O que?- Perguntaram Betina e Hugo, em uníssono, em voz alta. Em seguida, ambos olhavam para os lados. Os alunos os fitavam curiosos. - Como assim “ vai casar”. Quando pretendia me contar isso?- Perguntou Betina, ainda estupefata. - O meu pai me comunicou ontem. Acham que estou feliz por isso? O pior é que não tenho escapatória.- - Como não tem escapatória? O casamento obrigado é proibido.- Argumentou Betina. - Sim, é, mas não posso ir contra a minha família, ou sofrerei sérias consequências. É difícil para vocês ocidentais entenderem. Meu “ baba” está irredutível.- - Abram na página sete do capítulo três.- Falou a professora de anatomia, posicionando-se no centro da sala. - Não vou poder ficar para estudar na biblioteca. Será que pode ir na minha casa hoje?- Perguntou Betina. - Mais fácil você ir na minha. Meu “ baba” me proibiu de sair sem ser vim para a faculdade.- - Tudo bem, então depois do jantar vou com a Rebeca na sua casa. Pode ser? Tenho certeza que quando ela ficar sabendo do motivo, vai topar na hora.- - Tudo bem.- Confirmou Layla, em seguida, abrindo o livro no capítulo e página indicados pela professora. Algumas horas mais tarde, quando terminaram as aulas daquele dia, como de costume, Layla foi estudar na biblioteca. Estava completamente absorta em suas leituras, já que teria provas dentro de algumas semanas, quando sentiu uma presença em sua mesa. Alguém estava parado de frente para ela, e a mesma quase cuspiu o coração pela boca ao se deparar com o mesmo rapaz que ela beijou na noite anterior. Mais uma vez, naquele mesmo dia, diante dela. - Você?- Perguntou, assustada. - Desculpe te atrapalhar, vejo que está estudando, mas gostaria de conversar rapidamente com você.- Falou Breno, pesaroso por imaginar incomodar a moça. Imediatamente Layla olhou para o lado de fora, pela janela de vidro, encontrando Hakim com os olhos bem abertos em cima dela. O guarda-costas estava sentado no sofá do corredor, segurando um livro. O ditado “ um olho no gato e outro no peixe” nunca havia feito tanto sentido. - Não posso conversar.- Proferiu a garota, em um tom de súplica. - São apenas alguns minutos, eu prometo.- Insistiu o rapaz, determinado a ir embora de uma vez, se Layla dissesse um “ não” novamente. Talvez não estivesse interessada nele, como ele estava nela. - Tudo bem.- Aceitou a garota, com um suspiro de cansaço. Queria conversar com Breno, mas tinha medo das consequências. Ele se acomodou na cadeira de frente para ela, analisando o livro de fisiologia que a garota lia, antes do mesmo atrapalhá-la. - Se precisar de ajuda, gosto dessa matéria.- - Fico grata por sua gentileza, mas não será necessário.- Layla pigarreou, torcendo para não soar grosseira.- Eu sinto muito, mas não posso conversar com rapazes.- - Queria saber mais sobre você. Entendo se o interesse não for recíproco, e posso ir embora agora mesmo…- - Não é isso, Breno.- Disse Layla, angustiada com a situação. - Também estudei aqui, e como sua amiga Rebecca me disse que você é uma das calouras de medicina, bem… Não foi difícil te encontrar. Ela me disse também que você vem sempre estudar na biblioteca, achei que era a oportunidade perfeita para nos conhecermos melhor. Mas claro, entendo se não quiser.- - Eu quero, muito.- Disse Layla, olhando-o profundamente nos olhos.- Também me interessei por você, e até achava que era coisa da minha cabeça. Só sabíamos nossos nomes e trocamos um beijo.- - O seu primeiro beijo.- Lembrou Breno, ainda fascinado com a história.- Me perguntei o porquê de uma garota tão linda nunca ter beijado.- Os olhos azuis do rapaz envolveram os olhos escuros de Layla, e ele não evitou tocar com cautela e suavidade, uma de suas mãos. As pálpebras de Layla estavam tremeluzentes de nervosismo e ansiedade. Os olhos da moça brilharam, emocionada. Um misto explosivo de sensações e sentimentos se misturaram no ponto mais ínfimo de Layla. Apenas com o único toque de Breno em sua mão, ela sentiu ondas eletrizantes tomarem conta de cada célula de seu corpo. - Linda?- Ela perguntou, ainda surpresa. Nunca teve amizade com homens, e também nunca esteve tão próxima a um. A presença imponente de Hakim sempre assustava qualquer possível pretendente. - Sim, linda. E temos tanto em comum, não é?- - Diz isso por você ser médico e eu estudante de medicina? Ou temos mais algo em comum que eu ainda não sei?- Perguntou Layla, entusiasmada com a conversa. - Sim, falei por isso. É uma paixão em comum. Salvar vidas, cuidar das pessoas… Mas claro, também temos outra coisa.- - O quê?- Perguntou a garota. - Nosso interesse mútuo.- Novamente, Breno deu mais um daqueles olhares capazes de lhe tirar o chão, e lhe arrancar o ar dos pulmões.- Quero te conhecer melhor, Layla Abdallah.- Layla abriu e fechou a boca, não sabia como falar uma notícia trágica daquelas. Não queria parecer ridícula perante os olhos de Breno. Ele jamais entenderia que ela não tinha outra alternativa a não ser se casar com Samuel Abdel. - A minha família é muito rígida.- - Posso falar com eles se necessário.- - Agora não. Vamos nos encontrar aqui, na biblioteca, depois do meu horário de estudo. Podemos conversar um pouco.- Sugeriu Layla. - Claro, acho ótimo, bate com meu horário de descanso. Mas eu queria mesmo te levar para passear de barco, ou então, passear pela parte mais antiga da cidade. Gosta de história?- - Gosto, muito. Estou louca para ir ao teatro Santa Isabel. O que acha? Será difícil convencer o meu pai e provavelmente terei que levar o Hakim… Bom, teremos que levar a Rebecca e a Betina, mas elas podem se sentar em outro lugar.- - Eu amo teatro. E já estou ansioso para fazermos todos esses passeios. O que acha de irmos no domingo? Também tem uma feira linda na rua do Bom Jesus.- - Acredita que nunca fui? Praticamente cresci em Recife, mas vivo trancafiada. Consequência de ser muçulmana.- - Não gosta da sua religião?- Perguntou Breno. - Eu só queria ser como todo mundo. O único momento que tenho livre, é quando estou lendo. Posso imaginar todos os lugares, situações, e também não sou censurada. Meu “ baba” não costuma se importar com o que leio.- - Também podemos ir juntos para uma feira de livros. Já que assim como eu, gosta de ler, tenho certeza que achará interessante.- - Realmente temos muito em comum, e estou empolgada para fazer tudo isso. Quando será a feira?- - Amanhã a noite.- Respondeu Breno.- Será que pode sair?- - Tenho certeza que consigo convencer meu pai, mas podemos nos comunicar até lá.- - Então me passa o seu número.- Breno tirou o celular do bolso da calça, entrando na agenda telefônica. Layla informou o número dela ao rapaz, ansiosa para colocar todos os seus planos em prática. Ao menos, conseguiria ter alguns dias de felicidade antes de precisar ficar presa ao tal egípcio que tinha idade de ser seu pai. - O que vai dizer ao seu pai? Que vai à feira sozinha?- - Unrum. Não vou conseguir usar minhas amigas sempre como um álibi. Além do mais, o Hakim não pode fazer queixas para o meu “ baba”, já que não estamos fazendo nada além de conversar.- - Tenho certeza que quando conhecer sua família, eles vão nos aceitar. Tudo é uma questão de diálogo. Sei que na religião de vocês têm alguns pontos que vou precisar me adaptar, caso a nossa relação dê certo.- Layla aquiesceu, mordendo os lábios apreensiva ao perceber o quão longe aquilo poderia chegar, se ela não contasse logo a sua realidade. Sabia que estava sendo egoísta, mas queria ao menos provar a vida de uma garota normal, antes de pertencer a um homem que sequer conhecia. - Por que não me fala mais sobre o que podemos fazer no Recife antigo? Claro, fora a feira, teatro, passear de barco.- Perguntou Layla, entusiasmada. - A culinária, com certeza. As músicas, as pessoas. Tenho certeza que vai ficar maravilhada. Muito me admira não ter ido ainda. Há quanto tempo mora aqui?- - Desde pequena. Mas como te disse, antes, eu mal podia sair. Depois que entrei na faculdade que o meu “ baba” abriu algumas exceções.- Layla bufou, sempre imaginando que, a qualquer momento, Breno desistiria de conhecê-la melhor antes mesmo do que ela imaginava. - E como funciona o casamento de vocês? Você é marroquina, não é?- - Isso. Bom, primeiro, eu tenho que ir para o Marrocos. É uma festa grande, colorida, cheia de música, comida, bebida.- Explicou a garota, não parecendo muito feliz, imaginando que, por mais que a festa fosse bonita, quando chegasse na sua vez, seria o dia mais triste de sua vida. - E as danças? Sabe dançar?- Perguntou Breno, esperando não ter sido invasivo. - Dança do ventre. Sim, eu sei dançar, inclusive fazia aulas até pouco tempo. Toda menina da nossa cultura sabe dançar.- Breno fez mais algumas perguntas a respeito do assunto, parecía verdadeiramente interessado. Layla gostaria muito de dançar para ele, mas teria que guardar todas as suas habilidades para um homem de meia idade. Ao menos, enquanto conversava com o rapaz, Layla esquecia de seu triste destino. ———————————————————————- Muito obrigada por estarem acompanhando essa história, que estou fazendo com tanto carinho. Cada um de vocês são especiais, e me inspiram para que cada dia faça um capítulo inédito. Conto com a ajuda de vocês para votarem em mim no bilhete lunar! Clique em #Vote# nas notas do autor
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