Uma vida nova

2410 Words
Nunca era fácil dizer adeus. Ísis já não tinha ninguém para se despedir ali, nas cidades dos Girassóis. Ninguém, além dela mesma. Aquela era a sua cidade. A cidade da qual nasceu e cresceu. Tinha amigos, mas a maioria foi embora do lugar. E agora, ela também estava sendo obrigada a ir. Era uma cidade pequena, não queria que Felipe cruzasse o seu caminho. Não queria que ele olhasse nos olhos daquela criança, depois de tudo o que falou. Ísis disse adeus a si mesma quando trancou a faculdade de seus sonhos. Disse adeus a si mesma quando colocou à venda a casa que era de seus pais, e também, quando deixou a cidade dos Girassóis para trás. Ela simplesmente organizou seus pertences mais pessoais, vendeu outros, e se foi no ônibus de viagem. Estava a caminho de Rosedal, cidade na qual ainda tinha alguns parentes, sobretudo, sua madrinha, a única pessoa que sempre a apoiou incondicionalmente. Mariane recebeu a filha de sua falecida melhor amiga como se fosse sua. Envolveu Ísis em um abraço apertado, ainda na rodoviária. Ao chegarem em casa, a levou prontamente para a suite que tinha separado para a jovem. O lugar era modesto, assim como a casa que tinha na cidade dos Girassóis. Embora fosse amplo, em um bairro classe média, ainda assim, as casas tinham uma aparência mais rústica. Ísis se instalou no lugar, mas não tirou as roupas da mala. Estaria ali temporariamente, já que, com o dinheiro da venda de sua casa em Girassóis, conseguiria comprar a sua própria ali, em Rosedal. — É muito bom te ver depois de tanto tempo, querida, mesmo que sob essas condições. — disse Mariane, bem acomodada em seu sofá da sala de estar. Ísis estava com ela, de frente para a mesma. Embora exausta por passar tantas horas em um ônibus, estava faminta. Devorava algumas frutas, broas de milho, e principalmente os ovos que Mariane mandou a funcionária que trabalhava lá, preparar. Obviamente, em sua casa Ísis não teria essa mordomia. Sequer ainda tinha um emprego, e como ainda não era formada, teria o bastante para pagar as suas contas e para as despesas de seu filho. — Também estou feliz por te ver, madrinha. Nem sei como te agradecer por me receber. — Eu sou sua madrinha e você está precisando de mim, filha. Jamais bateria com a porta na sua cara. — Sei que você tem sua vida. Seu marido, seus filhos… — O seu padrinho vai ficar muito feliz por te ter aqui. Quanto ao Fernando e ao Luciano… Bem… Os meninos já estão grandes. Já são formados, trabalham, em breve vão se mudar de casa… Não tem nenhuma criança pequena aqui. Bom, terá a sua, quando nascer. — Eu não pretendo ficar aqui por muito tempo, madrinha. Com o dinheiro da casa dos meus pais vou comprar uma por aqui. Consegui um bom preço para trazerem os meus móveis. — Não é nenhum incômodo que fique aqui o tempo que precisar, querida. Não tem necessidade de se apressar tanto para ir embora. — Eu sei. Mas realmente quero ter a minha casa, o meu espaço. Não veja isso como ingratidão. — Não, claro que não. Entendo perfeitamente o que está querendo dizer.- Ísis sorriu, em resposta. De todos, até mesmo do que seus parentes de sangue, Mariane sempre foi a mais presente. Tanto ela quanto Agno, padrinho de Ísis, sempre fizeram de tudo para ajudá-la, quando necessário. — Eu vou precisar arranjar um emprego. Claro, também pretendo refazer o vestibular agora, no final do ano, e retomar de onde parei. — Conte com a minha ajuda para o que precisar. Quanto ao emprego, tenho uma amiga que era secretária de uma empresa, mas que quando se formou, conseguiu um trabalho melhor em outro lugar. Bom, estavam procurando uma secretária substituta, então se ainda tiver uma vaga… — Eu vou para a entrevista com a maior felicidade do mundo. Tudo o que mais quero é refazer a minha vida. — Vai ser difícil, mas você não está sozinha, querida. Seu filho será muito bem criado, e nem vai sentir a falta de um pai que o rejeitou dessa forma. Instintivamente, Ísis levou as duas mãos para a sua barriga, que ainda não tinha nenhum volume. — Ele ou ela jamais vai saber da existência desse pai que não merece o ar que respira. E olha, eu não sei como, mas vou dar a volta por cima, e vou vê-lo se rastejando, implorando pelo amor dessa criança. … 5 anos depois — Ísis a doutora Paula quer falar com você. — Informou Claire, que, assim como a moça mencionada, trabalhava no setor administrativo da empresa. Um ano após voltar para a faculdade, Isis conseguiu subir de cargo. Deixou de ser secretária, para empenhar funções que tinham bem mais a ver com sua área profissional. Imediatamente, sem contestar do que poderia se tratar, Isis foi diretamente para a sala de sua chefe. Respirou fundo para liberar a tensão de seu corpo, antes de bater na porta. Após todos os anos de desafios dos quais Ísis precisou enfrentar pra criar sozinha a sua filha, finalmente, a recompensa por todo o esforço chegou. Naquele mesmo ano que tinha chegado em Rosedal, ela prestou para o vestibular, e passou, como prometeu que faria. Não foi simples lidar com o trabalho sobrecarregado de secretária e ainda por cima estudar, mas Ísis nunca foi de se dar por vencida. Dormia por menos horas, as vezes contava com a ajuda extra de cafeína, mas no final, tudo deu certo. Ela voltou para a faculdade de ciências contábeis, mas precisou refazer o sexto período, já que, quando saiu de Girassóis, ainda não estava na época das provas. Acabou se formando um ano e meio mais tarde, e ainda contou com uma especialização de pós-graduação. Sem dúvidas, Mariane foi como uma mão na roda. Sempre a ajudava a cuidar de sua pequena Olívia, quando Ísis precisava estudar ou trabalhar. Pouco a pouco, Isis vinha conseguindo ocupar o seu lugar no mundo, e não tardaria para traçar todos os seus objetivos. — Entre. — disse Paula, autorizando a entrada da funcionária. Isis prontamente fez o que ela pediu. Aproximou-se, e colocou-se cômoda na cadeira de frente para a outra, como ela mesma instruiu que fizesse. Paula era CEO da empresa, muito respeitada e estimada por todos. Não era por ter que se tratar diretamente com sua chefe que Ísis estava tão nervosa. Acontece que, ela sabia perfeitamente o que estava fazendo ali. Uma nova promoção estava para acontecer na fábrica de laticínios. Recentemente, a contadora foi promovida para diretora financeira, e o lugar dela ficou vago. Como no setor administrativo só tinham duas jovens formadas em ciências contábeis, sendo Ísis a funcionária mais exemplar, Paula logo a contatou para falar sobre a possibilidade. — Imagino que já saiba porque te chamei aqui. — Começou Paula, fazendo um suspense proposital. — Vai me falar sobre a proposta de promoção, não é? A garota estava nitidamente nervosa, tanto que sua voz estava embargada. — Exatamente. Bom, você é excelente no setor administrativo, e seria uma pena te perder. — Continuou Paula, fingindo não ver a expressão de decepção no rosto de Ísis, ao imaginar que a resposta seria uma negativa. — Mas sei que a fábrica de laticínios “ Good taste” terá a ganhar bem mais, tendo a você como nossa contadora. Os olhos de Ísis brilharam de tanto entusiasmo. — I-isso significa… — Isso significa que você não só tem a formação necessária, como também, competência para ser promovida. Parabéns, Ísis, você é a nova contadora da fábrica de laticínios “ Good taste”. … — Não acredito… Isso é muito bom! Promovida a contadora da fábrica! — Comemorou Mariane, envolvendo sua afilhada em um abraço apertado. — Sabe que devo muito a senhora, não sabe, madrinha? Se não fosse por você, não teria conseguido organizar minha vida dessa forma. — Ísis afastou-se da outra mulher apenas o suficiente para beijar sua testa. — Você que sempre foi muito esforçada e muito batalhadora — Mas se não fosse a senhora para me ajudar com a Olívia, eu não sei o que seria. Dona Mariane, você é o meu anjo da guarda. — Seus pais teriam muito orgulho de verem a mulher que você se tornou.- disse Mariane, os olhos marejando. Automaticamente os de Ísis também se encheram de lágrimas. Não queria lembrar de uma tragédia naquele dia feliz, mas foi inevitável. Chovia muito forte na madrugada de uma segunda-feira, e Rosa e Bartolomeu estavam voltando de uma viagem que fizeram para a cidade vizinha, no intuito de comprarem alguns materiais para a pequena padaria que tinham. O chefe da polícia foi pessoalmente dar a notícia para Ísis. Ela tinha completado dezoito anos há pouco tempo, e estava esperando apenas alguns meses para começar a faculdade. Ela passou três dias inteiros enclausurada, e se não fosse por Mariane e Agno, seus padrinhos, ela ficaria confinada por bem mais tempo. Passaram uma temporada com ela em Girassóis, dando a força que a jovem precisava. Providenciaram o enterro, a venda da padaria - já que Ísis tinha batido o pé que continuaria na cidade.- e precisaria ter uma reserva para viver bem, até arranjar um emprego. Foi dessa forma que conheceu o Felipe em seu antigo trabalho, e que toda a bagunça em sua vida começou. A morte de seus pais marcava muitas coisas ruins que aconteceram com Ísis, e tirando o nascimento de Olívia, aquela promoção foi a primeira coisa boa que realmente aconteceu. — Eles também ficariam muito orgulhosos ao verem os padrinhos incríveis que escolheram para mim. Vocês sempre foram o meu suporte, são os meus segundos pais, os os avós da minha filha. — Amamos sua filha como amamos nossos netos, sabe disso. — Claro que sei. — Isis sequer terminou de falar, e viu um pequeno raio de sol correndo pela sala de estar, na sua direção. Vinha com as bochechas sujas de farinha de trigo, provavelmente ajudando a funcionária de Mariane a fazer bolo. Ela se agarrou nas pernas de Ísis, ansiosa para contar as novidades. — Eu fiz um bolo de chocolate com a Célia. Ficou uma delícia. — disse a menina, orgulhosa de seus feitos. Ela arregalou os gigantes olhos castanhos, e a cada pulinho que dava, seus cabelos da cor de milho a acompanhavam. — Ah, então eu vou querer provar um pedaço desse bolo. — disse Ísis, com entusiasmo. — Vou mandar a Célia trazer o bolo para cá, porque precisamos comemorar. Isso significa muito, Maria Ísis. Você deu a volta por cima, está dando certo no trabalho, está criando a sua filha incrivelmente bem sem precisar daquele…— Mariane quase mordeu a própria língua ao perceber que estava prestes a falar mal do pai de Olívia, na frente da menina. — Daquele. Enfim… Vou buscar o bolo. — A mulher achou melhor ir de uma vez para a cozinha, antes que acabasse falando demais. Olívia se voltou para a mãe, com a testa enrugada e os olhos espertos. — Ela estava falando do meu pai, não estava?- Aquela pergunta de Olívia foi como um soco no estômago para Ísis. Ela paralisou totalmente, sem fazer ideia do que responder. Evitava tocar no nome de Felipe, principalmente na frente da menina. Para Ísis, Felipe se tornou um fantasma de um passado do qual ela não gostava de lembrar. Mesmo que fisicamente a sua filha tivesse muitas características do pai, aquilo era algo que, com o tempo, Ísis aprendeu a ignorar. Não importava com quem Olívia parecia, ela amava a sua filha incondicionalmente. — Não, claro que não. A vovó Mariane estava falando do… Do…— Ísis tentou encontrar alguma boa resposta, mas não funcionou. — Não precisa tentar me enganar, mãe. Sou criança mas não sou boba, sei quando estão querendo me esconder alguma coisa. — Desde quando ficou tão esperta? Que menina. — Ísis se curvou para deixar um beijo na testa de sua filha. — Você nunca fala do meu pai, mãe. Eu sei que eu tenho um, todo mundo tem. Todas as crianças da escola levam os pais nas reuniões, ou nas festas do dia dos pais. Por que só eu que não tenho? — É complicado te explicar isso agora, Oli. Você ainda é muito pequena… — Eu tenho o direito de saber. — Rebateu a garotinha, com rispidez. — O que é isso, Olívia? Isso é jeito de falar comigo? — Você me esconde as coisas, mãe, me diz a verdade. Eu sei que o meu pai não morreu, porque se não você teria falado. Se o meu pai não morreu, aonde ele está? — Perguntou a menina, irredutível. Mas Ísis não sabia o que dizer, porque ela mesma não tinha aquela resposta. ———————————————————- Meus amores, vim pedir que leiam a minha nova história “ A mulher que eu deveria odiar”. Ela está concorrendo ao prêmio “ Meu amante secreto” e conto com a ajuda de vocês. Se passa em 1946, quase um ano após a segunda guerra mundial e conta a história de Júlia e Tomásio, dois jovens de famílias inimigas que se apaixonam. Sinopse: O erro dele foi se apaixonar pela filha de seu maior inimigo. Há séculos existe uma guerra entre a família Santiago e a família Messina, e para vingar a morte de seu pai, Tomásio Messina ganha a missão de encomendar a alma de Júlia Santiago, a filha do chefe da máfia de Aventine. Tom se infiltra entre os novos contratados da fábrica de pedras preciosas dos Santiago, com o propósito de se aproximar e descobrir o ponto fraco de seu inimigo, mas tudo pode dar errado quando ele conhece a linda Júlia, que também tem o costume de frequentar a fábrica, disfarçada. Um se apaixona pelo outro a primeira vista, sem conhecimento das verdadeiras identidades de cada. Júlia e Tomásio acabam enfrentando os próprios preconceitos e decidem viver aquele amor em segredo de suas famílias. Uma nova guerra de sangue está prestes a se formar quando descobrem do romance secreto dos dois, inclusive Rodrigo, o filho do prefeito, que por ser noivo de Júlia e ter pretensões ambiciosas envolvendo a jovem, não aceita facilmente a traição da mulher que ama. Link: https://m.dreame.com/novel/441132288?link_type=1&utm_campaign=app_share_copyLink&auto_jump=false&utm_source=sns_pt_apppromo
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