Um olhar familiar

3775 Words
Ísis não estava esperando a visita do novo CEO justo naquele dia. Sabia que se aproximava e muito do dia de Paula ir embora , mas não tinha memorizado a data precisa. Quando se era mãe, alguns detalhes a mais da vida fora da maternidade acabavam escapando. Diferentemente dos outros funcionários, ela não estava tão entusiasmada assim. Por mais que desejasse o melhor para Paula, sentiria muito a falta dela. Ao longo daqueles anos, Paula sempre foi uma grande amiga. Era compreensiva, tolerante, e deu a Ísis a oportunidade de crescer na empresa. A jovem estava submersa em milhares de planilhas de contabilidade, fazendo os balancetes do mês, quando batidas na porta a fizeram parar. Já havia passado aproximadamente um mês desde que Paula comunicou que um novo CEO a substituiria. Assim que girou a maçaneta, Ísis foi surpreendida por Paula, que estava acompanhada de um homem do qual ela nunca havia visto. Um tipo não muito simpático, mas a beleza compensava e muito o semblante fechado. — Você deve ter esquecido de se unir aos outros funcionários. Estou apresentando toda a fábrica para o Bruno. — Explicou Paula, um pouco desconcertada por estar parada na soleira, enquanto Ísis apenas a encarava. — Ah, meu Deus… Me perdoem por isso. Por favor, entrem. — a jovem deu espaço com o corpo, permitindo que os outros adentrassem a sua sala. Bruno analisou todo o ambiente discretamente, admirando a organização do lugar. Parou os olhos na mesa de Ísis, vendo o monte de papelada que rodeava o computador portátil aberto. A garota estava submersa de trabalho, o que justificava o seu esquecimento. — Não levem como uma desfeita, é que estamos no fim do mês e está em época dos balancetes mensais. Estou organizando tudo, fechando as contas da fábrica, enfim…— Isis continuou com a justificativa, um pouco atrapalhada. — Essa é a Maria Isis, a contadora da Good Taste. — Paula ignorou todo o excesso de desculpas da outra e voltou-se para Bruno, que parecia um pouco alheio ao que estava acontecendo. — É uma das funcionárias mais competentes e dedicadas, além de ser extremamente confiável. — É um prazer conhecê-la, Maria Isis. Vou contar com a sua ajuda para me adaptar aqui. — Bruno esticou a mão para a jovem, que prontamente a segurou. Isis parecia um pouco tensa, talvez até nervosa. Aquela reação era perfeitamente normal, já que durante anos estava acostumada a ter uma chefe, e de repente, chegou em sua vida um completo estranho. Por algum motivo, Bruno e Isis, enquanto seguravam as mãos no cumprimento que se prolongou, enquanto um olhava nos olhos do outro, uma sensação diferente e inusitada os preencheu. A jovem sentiu o coração rapidamente palpitar. Aqueles olhos azuis-acinzentados lhe eram familiar. Talvez o formato, talvez a intensidade que se destacava em meio ao rosto sério. Involuntariamente aquilo a fez recordar da última pessoa que imaginou voltar a pensar algum dia. Um fantasma do passado, um alguém que a fez muito m*l, e que ela não fazia a menor questão de reencontrar. Felipe, o pai da sua filha. O seu primeiro amor, o seu primeiro homem, e também, a primeira pessoa que realmente partiu o seu coração. Aquele misto de sentimento entre a nostalgia e o ressentimento a deixaram um tanto incômoda. Por alguma razão desconhecida até mesmo pelo próprio, Bruno também não conseguia desviar dela. Estava paralisado, segurando a mão feminina e hipnotizado com o verde dos olhos dela. Aqueles grandes e intensos olhos. Paula, percebendo que os dois pareciam em transe ao se prolongarem demais no cumprimento, pigarreou, chamando a atenção de ambos. Ísis ficou super desconcertada com o que tinha acabado de acontecer, assim como Bruno. — Desculpe. É que eu tive a forte sensação de te conhecer de algum lugar.- disse Bruno, ainda intrigado. As vezes, em algumas situações, as pessoas têm mesmo uma forte impressão de conhecer alguém que nunca viu. Não era tão atípico achar um rosto desconhecido um tanto familiar. Ísis ficou engasgada para não dizer o mesmo. Aquela lembrança que teve foi como um soco no estômago. Há muitos anos não pensava em Felipe com frequência. Era impossível não lembrar dele em algumas atitudes de Olie. A menina havia herdado os olhos acinzentados do pai, além do sorriso esperto. Ela também tinha o jeito de inclinar a cabeça para o lado quando não entendia algo, ou de arquear as duas sobrancelhas ao mesmo tempo enquanto debatia. Mas era apenas em momentos como aquele. Ísis logo tratava de afastar aqueles pensamentos. Ela nunca imaginou encontrar algo de Felipe em outro homem. De fato, Bruno tinha algumas características físicas que se assemelhavam a ele. Aquilo já era o bastante para ela se esforçar ao máximo em mantê-lo longe. Seria uma ótima funcionária, muito dedicada e responsável, como sempre foi, mas não queria nenhum vínculo de amizade. Sabia que estava sendo injusta, afinal de contas, o pobre homem não tinha culpa por se parecer um pouco com o crápula do ex namorado dela. Ninguém tinha culpa de seu dedo podre ao escolher homem. A verdade, é que não se sentia confortável por ter novamente um chefe homem. Estava acostumada com Paula, já que a mesma não lhe oferecia nenhum perigo. — Deve ser apenas uma impressão. Não lembro de ter visto o senhor em nenhum lugar. Pelo menos não desde que cheguei aqui, em Rosedal. — Você não é de Rosedal? — Perguntou Bruno, interessado. — Sou da cidade dos Girassóis.. A julgar pela forma estranha com a que Bruno engoliu em seco e arregalou os olhos, ele com certeza tinha história para contar envolvendo a cidade mencionada. Ísis chegou a abrir os lábios para perguntar se ele conhecia a cidade, mas Paula se adiantou ao mudar de assunto. Havia percebido um certo clima de tensão entre aqueles dois, e não queria que um silêncio constrangedor tomasse conta do ambiente. — Bom, nesse final de semana teremos a minha festa de despedida no bar da esquina. Quero aproveitar para te convidar, Bruno. Todos os funcionários da Good Taste estarão lá, e é uma ótima forma de ir se entrosando. Com a experiência que você tem como CEO, sei que sabe o quanto é importante conhecer a sua equipe. — Tem total razão, Paula, e eu estarei lá. Inclusive, fico muito grato pelo convite. — Ótimo. Agora venha, vamos deixar a Ísis trabalhar. Vou continuar te mostrando a fábrica. — Paula conduziu o rapaz para fora da sala da moça mencionada. Involuntariamente, ele deu uma última olhada para trás, novamente, encontrando os olhos de Ísis. Era muito intrigante a conexão tão rápida que teve com aquela mulher. Não sabia mais do que o seu nome, e que, ao ver o empenho dela em executar o seu trabalho, além das recomendações de Paula, era uma funcionária muito dedicada. Fora a isso, Ísis era uma total incógnita, mas, ainda assim, sentiu um certo interesse despertar por ela. Não tinha nada a ver com atração, embora se tratasse de uma jovem muito bonita, nem ele mesmo saberia explicar. Ísis, de fato, o intrigou, e Bruno procuraria saber mais sobre ela. Aquela festa de Paula seria muito útil para isso. — Vi que ficou bastante encantado com a Ísis. Aquela menina é mesmo uma preciosidade, e não estou falando apenas da beleza dela. — disse Paula, enquanto caminhavam pelo corredor. — Sim, ela é mesmo muito bonita, mas foi algo a mais que me chamou atenção nela. Eu tive mesmo uma forte sensação que a conhecia. — disse o homem, ainda pensativo. — De vidas passadas, talvez? — Perguntou Paula, com um pouco de ironia. Bruno revirou os olhos. Era um tanto cético quanto a assuntos de espiritualidade, além de que, sentia que Paula só estava fazendo troça dele. — Estou falando sério. Talvez a tenha visto em algum lugar. — A Ísis está na empresa há cinco anos, mais ou menos o tempo que se mudou para Rosedal. Ela começou como secretária. Trabalhava e fazia faculdade de ciências contábeis. Foi subindo de cargo pouco a pouco, por mérito próprio, é mesmo muito empenhada. — A julgar por toda essa propaganda, você deve gostar muito dela. — Observou Bruno. — Sou uma mulher justa. Sei reconhecer os méritos alheios, e a Ísis merece. Ela é muito esforçada, e consegue ter um ótimo desempenho mesmo sendo mãe solo de uma filha pequena. — A Ísis tem uma filha?. — Sim, a Olie. Muito inteligente e astuciosa. A Ísis está fazendo um ótimo trabalho quanto a educação da menina. — Você disse que a Ísis é mãe solo. Ela é viúva? Ou separada?- — Quanto a isso, não sei muito. A Ísis não fala do pai da menina com ninguém, mas posso afirmar que ela é solteira. — Curioso… — É… Ela é muito misteriosa nesse aspecto. Acho que algo muito r**m aconteceu. Acho que tem algo sombrio por detrás da história do pai da filha da Ísis. … Há muito tempo Ísis não se permitia desfrutar de um final de semana. Não que não se divertisse na companhia de Olívia. As duas costumavam assistir filme, ou então liam um livro. Uma página interpretada por Ísis, outra por Olie. Ísis ultimamente era mais mãe do que mulher, e havia esquecido de uma parte importante de si mesma. Naquela noite, ela deixou Olívia na casa de seus padrinhos, e foi para a festa de despedida da Paula, em um bar classe média que ficava a alguns metros da fábrica de laticínios Good Taste. Acostumada a ser pontual, Ísis foi uma das primeiras convidadas a chegar, além da própria Paula. Ela cumprimentou suas colegas de trabalho, e confraternizou com as meninas. Comeram, beberam, mas Ísis, vez ou outra, se flagrava olhando para a porta, esperando por ele. Chacoalhava a cabeça sempre que tomava consciência do que estava fazendo. Talvez já fosse o efeito da bebida, circulando em seu sistema sanguíneo. A verdade, é que Ísis estava fora de forma. Não tinha o costume de beber, e qualquer dose já a deixava alterada. — Esperando por alguém especial? — Perguntou Paula, com um sorriso malicioso, ao perceber que Ísis parecia em expectativa com algo. — Hum? — Perguntou a jovem, se fazendo de desentendida. — Você nunca teve um namorado desde que chegou em Rosedal. Não entendo como. Uma moça tão jovem, tão bonita. — Ah, Paula. Você sabe que não tenho tempo para essas coisas. Estou sempre dividida entre a Oli e ao trabalho. — Eu sei. Sua prioridade deve ser a Olie, mas isso não significa que você não pode pensar um pouco em si mesma. — Já sai com alguns caras, mas… — Mas você não tem interesse em progredir uma relação. Já nos conhecemos há tanto tempo, Ísis. Qual o problema? Você já é apaixonada por alguém? Esse alguém é o pai da Olie?- Maria Ísis respirou fundo, pesarosa. Sempre era doloroso demais lembrar de tudo aquilo. Recordar o quão foi rejeitada, e em como Felipe disse com todas as letras que jamais poderia ser o pai de Olie. Ele havia doado cinquenta por cento do seu material genético para a menina, mas não podia doar um pouco de si mesmo. — Eu amei muito o pai da Olívia, mas ele não era o homem que eu esperava. — Imaginei que tivesse algo m*l resolvido por detrás disso. — Ele foi o motivo de eu ter vindo para Rosedal, recomeçar a minha vida. Mas não vamos falar disso, quero enterrar essa história. — Tudo bem, Ísis, tudo bem, é um direito seu. Mas não feche o seu coração para o amor, nem todo mundo é como o pai da Olie. — Não tem como evitar, Paula. Eu não tenho mais esperanças no amor, acho que todo mundo é frustrado quanto a isso, mas no meu caso é ainda mais complicado. O Felipe mentiu para mim, não tinha nada a ver com quem dizia ser. — Então é hora de realmente enterrar o Felipe, e dar chance ao que está na sua frente. Ísis estava prestes a perguntar o que sua amiga queria dizer com aquilo, quando o olhar da mesma já revelou por ela. A jovem voltou-se para trás, seguindo o foco de sua chefe. Bruno estava adentrando aquela porta que dava para a rua. Por alguma razão novamente desconhecida, o coração de Ísis pulsou ainda mais forte, e ela, ao tomar consciência, se sentiu muito i****a por aquilo. Tinha certeza que não se tratava de amor à primeira vista, ou de nenhuma paixão fulminante. Todo aquele alvoroço era apenas porque ele a fazia lembrar muito do seu primeiro amor de adolescência. Ela experimentava pela segunda vez todos aqueles efeitos inebriantes de uma mulher encantada. Ísis já tinha vinte e cinco anos, uma filha, e um trabalho estável. Não era nenhuma garotinha ingênua. Já tinha sido, mas agora era diferente. Por que estava se comportando como uma irracional? Bruno não era Felipe, e se ela tivesse sorte, ele sim teria um bom caráter. — Boa noite. — disse o homem, assim que se aproximou. Todos responderam, até mesmo Ísis, evitando encarar seus olhos. — Venha, Bruno. Junte-se conosco para uma rodada. Vamos fazer uma aposta. Quero ver quem vira comigo um shot de tequila.- disse Paula, animada. Ísis fez uma careta, não estava muito apta a ideia de exagerar. — Mas eu m*l acabei de chegar. — Protestou Bruno. — Olhe pelo lado bom. Daqui até o final da noite, ninguém terá mais segredos. Um irá desabafar com o outro como se fosse melhor amigo de infância. — Argumentou Paula. Agora, sim, Ísis estava preocupada. Não estava disposta a escancarar certas partes de sua vida, da qual ela mesma queria esquecer. Mas uma única dose de tequila não iria alterar tanto o seu estado de espírito. O problema, é que depois da primeira, Ísis achou que aguentaria a segunda, e logo então a terceira. Na segunda, ela já estava risonha e comunicativa, nem parecia a moça contida de sempre. — Eu literalmente odeio os homens. Claro, tirando alguns da minha família. — disse Ísis para Bruno, os dois já tomados pelo entusiasmo alcoólico. — É mesmo? E por que tanto ódio assim? — O pai da minha filha. Ele me fez ter pavor da espécie masculina. Sabia que fiquei muito aliviada quando comecei a trabalhar na Good Taste e vi que minha chefe era uma mulher? — Então não ficou muito aliviada quando soube que a Paula iria embora, e que um homem assumiria o lugar dela. — Constatou Bruno. — Am… Não, nenhum pouco. Mas fico feliz pela Paula, que está realizando um sonho. — Ela me contou que você foi crescendo aos poucos na fábrica. — É, fui, e finalmente cheguei no cargo do qual estudei para ocupar. Por um homem, quando me vi grávida e sozinha, achei que não conseguiria. — Você é uma mulher determinada, Ísis. Gosto de mulheres assim. — Ele inclinou o tronco para a frente, ficando bem próximo do rosto dela. Seus olhos azuis eram um misto de admiração e solidariedade. A moça piscou os olhos, aturdida. Por mais que estivesse um pouco alta, ainda tinha consciência do que acontecia ao seu redor. — Digo… Gosto de me relacionar. Q-quer dizer, relação de trabalho e amizade. É isso o que estamos sendo, não é? Amigos? — Corrigiu Bruno, percebendo o desconforto da outra. — Claro, amigos. — Concordou Ísis. — Eu quero te perguntar algumas coisas também. Mais cedo, quando mencionei a cidade dos Girassóis você reagiu um pouco estranho… — Também sou de lá. Minha família é dona de um grande negócio, enfim… Não gosto de falar muito. Vim aqui justamente para ter outras experiências e ser tratado como uma pessoa normal. — É muito bom sair da zona de conforto, embora que receio dizer que não será tratado como uma pessoa normal, porque você é o chefe. Mas olha, você também é determinado, independente, eu diria. Um homem rico sair assim de debaixo das asas da família, não é algo tão comum. Vai fazer um ótimo trabalho na Good Taste.- Ísis levou uma de suas mãos para a mão de Bruno. Uma forte tensão de atração se alastrou pelos dois. Dessa vez, Ísis não recuou. Estava tomada por um enxame de coragem. — Espero contar com a sua ajuda. — disse Bruno, abrindo um sorriso estreito enquanto flertava. — Somos amigos, não somos? Pode contar com a minha ajuda. Bom… Está há pouco tempo na cidade? — Sim, pouquíssimo tempo. Só o tempo de matricular os meus filhos em um bom colégio. — Filhos… Então você é casado? — Viúvo. Minha esposa morreu há três anos, desde então, somos só os meninos e eu. — Sinto muito por isso. — Ísis suspirou, pesarosa, afastando sua mão. — Todas as crianças merecem ter um pai e um mãe. Ou ao menos uma família que fosse capaz de amá-la, mesmo sem ser uma família tradicional. — É, não vou negar, faz falta uma figura materna. Há muito tempo venho pensando em conseguir uma nova mãe para os meus pequenos, mas não é tão simples. — Não, não é. Não é todo mundo que está disposto a aprender a amar. Independente de como venha um filho, seja do seu ventre, seja por outro meio, nós aprendemos a ser pai e mãe, aprendemos a amar. — É isso mesmo, Ísis, aprender a amar. — O Felipe não foi capaz disso. Acredito que ele mesmo não sabia o que era o amor. — Felipe? Então é esse o nome do pai da sua filha? — Bruno franziu o cenho, intrigado. Achou de uma tremenda coincidência que o pai da filha de Ísis tivesse o mesmo nome de seu irmão caçula. Obviamente existiam muitos Felipe’s por aí, mas ainda assim, não deixava de ser curioso. — Sim. Ele me enganou durante dois anos. Eu perdi meus pais muito nova, precisava estudar e trabalhar, e conheci o Felipe no meu primeiro estágio. Fomos nos aproximando aos poucos, até que tudo aconteceu. — enquanto contava a história para Bruno, o olhar de Ísis foi se tornando distante. Involuntariamente, ela acabou voltando para o passado, foi inevitável. — Eu sei que faz pouco tempo que nos conhecemos, mas desde que te vi pela primeira vez, eu senti algo muito especial. — Murmurou Felipe, com o rosto tão próximo, que o seu hálito quente soprava em Ísis. — Eu também. — Confessou a garota, sem se afastar, e tampouco sem desviar os olhos dos dele. — Uma alma reconhece a outra, Ísis. Com toda certeza esse nosso vínculo é mais antigo do que podemos imaginar. Ele tocou os seus lábios sutilmente nos dela, iniciando um beijo lento. As bocas se moveram em sintonia, e quando uma já tinha aprendido o ritmo da outra, as línguas se encontraram com delicadeza. Uma acariciando a outra, uma explorando a cavidade macia da boca do outro. Ísis ficou trêmula ao relembrar o passado. Seus olhos chegaram até a marejar. Bruno instintivamente levou uma das mãos para afastar algumas mechas castanho-avermelhadas de seu cabelo, que já estavam ficando úmidas com algumas lágrimas que escorriam pelas bochechas. — Eu acreditei que fazia parte da ética da empresa não revelarmos o nosso relacionamento, mas não foi assim. O Felipe tinha uma noiva. Uma noiva que não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. E eu, jovem e i****a não fazia a menor ideia de que poderia existir essa noiva. Claro… Como um homem como ele poderia ter algo sério com alguém como eu? — Não se desmereça dessa forma, Ísis. Eu m*l te conheço, mas pelo pouco que posso ver, qualquer homem teria orgulho em te ter do lado. — Homens ricos não casam com moças pobres, Bruno. Essa é a realidade. Contos de fadas existem apenas nos livros. — Nem sempre. Nada é tão preto no branco assim. — Eu nem sei porque estou escancarando a minha vida assim. Bem que a Paula disse que a tequila faria isso. Daqui da cidade, apenas os meus padrinhos sabem da verdade. Eles são a única família que me restou no mundo. — Não se preocupe, Maria Ísis. Ninguém vai saber o que você me confidenciou. — Muito obrigada por isso, Bruno. Eu acho que vamos ser mesmo amigos, no fim das contas. — Ísis abriu um sorriso tão largo, que aqueceu o coração dele. Por que alguém teria coragem de machucar uma mulher como ela? Por que existiam homens como o tal Felipe, capazes de mentir, enganar, de abandonar o próprio filho? Com certeza, uma criatura daquelas não merecia a dádiva de ser pai de alguém. Aquilo o fez admirar muito Maria Ísis. Ela era quem era, sem persongens. Estava um tanto alcoolizada como para inventar mentiras. Nos olhos dela, Bruno enxergava o brilho da sinceridade. Depois daquela conversa mais séria, os dois continuaram a trocar palavras, mas nada tão importante. Com certeza, na manhã seguinte, ela se arrependeria por tudo o que disse. Ísis tinha uma boa conversa. Era inteligente, divertida. Jamais poderia imaginar que por detrás daquela mulher tão séria e executiva, tinha essa alma leve e espontânea. Claro, a bebida servia como um combustível, mas Bruno tinha a certeza que só a estava permitindo ser ela mesma, a liberar sua verdadeira essência. No final da despedida, após mais alguns brindes, Bruno se ofereceu para levar Ísis até em casa. Os dois foram de carro de aplicativo, já que nenhum tinha a menor condição de dirigir. — Consegue caminhar? — Perguntou Bruno, assim que o carro estacionou. — Claro. Minhas pernas fuuuuncionam perfeitamente bem. — disse Ísis, antes de cambalear. O tempo já estava fechado quando saíram do bar, a noite ficando ainda mais escura. Gotículas grossas começaram a cair enquanto Ísis procurava a sua chave, e em questão de meio minuto se intensificou. Em um gesto de cavalheirismo intrínseco dele, Bruno saiu do carro para protegê-la da chuva. Ele tirou o casaco que levava, colocando sobre ela. Mais uma vez, Ísis reviveu uma cena antiga, quando, há cinco anos, Felipe fez o mesmo, e foi daí que se deu o primeiro beijo deles. Bruno proferia algumas palavras inaudíveis, mas Ísis estava muito distante da realidade. Ela estava frágil, melancólica e vulnerável. Bruno ficou em silêncio ao perceber que não adiantava falar. Tudo o que fez foi encará-la, desde então. Mais uma vez, eles se entreolharam daquele jeito estranho, como se suas almas estivessem se conectando. Pouco a pouco, sem perceber, Bruno ia afastando o seu rosto do dela, e ela não se moveu do lugar. Estava hipnotizada com seus olhos e seus lábios.
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