Além deste local de ira e lágrimas.
Ergue- se apenas o horror da sombra.
— William Ernest Henley, “Invictus”.
Allison puxou de volta a adaga, mas era tarde demais. O ácido viscoso do sangue da criatura já começava a corroer a lâmina brilhante. Ela praguejou e jogou a a**a de lado; que aterrissou em uma poça imunda e começou a se extinguir como um fósforo mergulhado na água. O demônio em si, é claro, já desaparecera – despachado de volta para qualquer mundo infernal do qual viera, mas não sem deixar uma bagunça para trás.
A garota estava especificamente no local desconhecido, em meio à floresta sombria do qual foi puxada para lá. A floresta parecia tê-la engolido. As árvores secas e os galhos pontudos pareciam remeter a floresta que assombrou Branca de Neve por uma noite tempestuosa.
Allison gritou para os amigos, mas não houve respostas ao chamado; agora a garota tinha total certeza que se afastara muito mais do g***o do que imaginava, mas agora estava sozinha nas sombras. Franziu a testa com irritação – amaldiçoou a filha do mestre das sombras.
Era culpa de Evie ela estar ali. Olhou para trás, de onde fora arrastada. Os galhos fecharam o caminho. Allison olhou para o outro lado olho, o sentido contrário do caminho que veio.
Havia uma a******a estreita, uma passagem que dava nas águas negras e agitadas ao longe. Por aquela a******a, Allie podia ver os contornos escuros dos navios ancorados, como uma floresta de mastros, um pomar sem folhas.
A garota pareceu ver algo, balançou a cabeça como se fosse apenas sua imaginação, mas não, não poderia ser. Era real, real até demais para ser um fruto místico.
Uma forma surgiu das sombras e foi na direção de Allison. Ela avançou rapidamente, mas logo parou.
Era sua mãe, parada ali frente a ela, e o coração de Allison pareceu quase sair pela boca em meio as fortes batidas. Logo a imagem ficou distorcida, tinha manchas escuras na sua camisa, e as mãos estavam ensopadas de vermelho. Alison ficou pálida. Piscou várias vezes, balançou a cabeça e murmurou algo para si mesmo sobre parar antes que realmente começasse a ver coisas demais.
Sua mãe se afastou, se virou ficando de costa para garota.
— O sangue... Não é meu... – levantou o seu braço ferido, sua mão banhada no sangue; apontando para longe.
Allison olhou para onde os dedos apontaram, para as sombras mais densas. No canto ao longe havia uma figura encolhida, apenas uma sombra na escuridão, mas quando o Allison apertou os olhos, tentando ter o foco no escuro, conseguiu identificar uma garota encolhida, pálida; morta. Era m*l.
— m*l! — Alisson gritou, caindo de joelhos, já que o passo dado foi em vão, nos seus tornozelos havia correntes fantasmas presos a ele.
— Você quebrou sua promessa pequena Allison... – a voz era calma. — Você prometeu nunca machucar a m*l. – a voz se exaltou. — Mas você a golpeou.
Não há sangue aparente naquela escuridão, Pensou a jovem. Talvez os demônios a arrastaram até aqui para morrer.
A voz parecia estar dentro de sua cabeça. Allison soltou um palavrão alto e bem claro. Assim que lembrou que sua última visão de m*l, era ela no chão...
Alisson sentiu as mãos da mãe tocarem seu cabelo num gesto suave e carinhoso, como um cafuné.
— Você está cega, Allie. – Alisson encarou a mãe. — Está cega pelo ódio, alguma obcessão em seu coração...
E com isso, a visão daquela garota ficou turva, a dor era fatal, de uma faca atravessando seu peito penetrando o seu coração.
A garota não se lembrava do que aconteceu depois disso, pois acordou um cenário diferente, mas ainda parecia estar naquela maldita floresta.
Ela se sentou, por mais que aparentava ser impossível para ela conseguir estando naquele estado. Sentiu o seu corpo vacilar e ir para uma quase queda, mas conseguiu se impelir para cima com as mãos e aos poucos foi se levantando.
Sua cabeça latejava, se questionando se aquele acontecimento era real ou tudo fruto da maldita Floresta para onde ela foi puxada. Allison se lembrou do puxão magnético que sentiu ao avistar a Fortaleza Proibida e de como não conseguia descrever aquela sensação. Como se pudesse sentir reverberando no ar. Havia poder ali.
Será que a neblina que atravessara estava infestada de magia? Era uma possibilidade que poderia ser até confirmada se eles não tivessem debaixo de uma barreira protetora que mantinha qualquer tipo de encantamento longe dali.
Mas aceitando ou não, é um fato.
— Siga a luz enfeitiçada – As árvores falaram após uma ventania quase arrastando seus galhos com ela.
Allison percorreu várias vezes aquele lugar, estava começando a se tornar quase um país das maravilhas.
A boca da garota secou de repente e ela começou a seguir a luz. Por mais que sua mente gritasse para parar e voltar para onde veio, seu corpo andava a passos lentos, sem força e sem certeza para aonde aquilo a levaria.
A garota foi f*****a ajoelhar, suas mãos percorreram o fecho daquela tampa em meio a terra com musgo.
— Isso é estranho... – Sussurrou fracamente e a abriu, e a luz simplesmente aparentou explodir em seu rosto enquanto lutava com a claridade do que parecia mais ser pozinho mágico que luz.
Sentiu alguém a empurrar para dentro, e onde havia luz, se tornou escuridão.
A voz de sua mãe parecia ecoar pelo buraco, a seguindo.
“Me prometa.”
“Me prometa.”
“Me promete.”
Aquelas palavras estavam quase fazendo a cabeça de Allison explodir, estava se tornando agoniante e o buraco parecia não ter fim. De repente as paredes do que parecia ser barro se iluminaram num verde intenso, e momentos começaram a passar ali, com uma série movimentada por capítulos.
— Então o vento soprou tão forte que fez a cama tremer, os passos eram ouvidos apenas por ela, e as mãos tocaram o ombro da garota para puxá-la! – m*l contava a pequena Evie, nisso Allison apareceu no escuro e tocou o ombro da princesinha de cabelo azul que saiu gritando de forma histérica para fora do quarto pedindo ajuda para a sua mãe; quase implorando.
Foi a vez de m*l e de Allison rirem de maneira histérica ao ponto de suas barrigas doerem.
O dia estava frio, e m*l andava pela chuva, a garota não tinha mais que oito anos de idade, Allison observava m*l, seguindo-a com o olhar.
Mal andava com um bico e se abraçava para se esquentar, por mais que fosse quase impossível naquele momento. Allison foi até a pequena e envolveu seu capuz na de cabelos púrpuras.
Mal sorriu para a melhor amiga.
— Vem – Allison a abraçou de lado. — Vamos para a minha casa. – beijou a testa da pequena, que ainda estava com algumas gotículas da chuva.
Allison estava ali, numa cela escura, úmida e fria... Chorava, afinal sua mãe e ela havia sido capturada por Malévola. Mesmo estando em celas separadas, ela podia ouvir os gritos de dor e desespero da mãe. Allison abraçou os próprios joelhos enquanto chorava, uma pequena garotinha de cabelos roxos entrou ali.
— Por que está chorando? – disse com certa doçura enquanto se ajoelhava, tentando enxergar o rosto da garotinha que estava escondido pelos seus cabelos escuros.
— Minha mãe... – Allison soluçava pelo choro. — Eu a amo e ela é a minha única família... – Allison chorou mais.
— Olha... Eu meio que também sou sozinha... – A de cabelo roxo abaixou a cabeça — Meu melhor amigo foi embora... Se você quiser ser minha amiga... – A herdeira de Malévola falava baixinho, de forma quase inaudível.
Allison a encarou, parando de chorar um pouco. Antes que pudesse dizer algo, Malévola e seus capangas abriram a porta com força, o som do metal batendo contra a parede era atordoante.
Mal se levantou rápido e ergueu de imediato a cabeça, mostrando quem era e o poder que tinha. Os capangas pegaram Allison com força e a levou dali enquanto se debatia e pedia ajuda a aquela garotinha, que foi de certa forma boa com ela.
Os capangas a jogaram em outra cela, e parecia ser mais fria e úmida que a anterior. Viu sua mãe ali, em seus últimos momentos de vida, numa poça de seu próprio sangue.
— Mãe! – A pequena gritou correndo até ela.
— Allison... – Sua mãe falava com dificuldade. — Você é bem mais forte do que... Imagina – a voz quase não saía e soava bem falha — Fique bem... Eu te amo... Muito... E- – Sentiu o ar faltar. — Se junte a m*l, ajude e cuide dela... Ela é boa... – Sua mãe fechou os olhos, tentando não se afogar no próprio sangue que escorria de sua boca. — A Mal... Ela é a sua... – Ela cuspiu o sangue de sua boca. — A m*l é a sua irmã... – disse e fechou os olhos. Sem respirar, sem a vida...
Allison ouviu algo e virou para trás, vendo a garota de cabelos púrpuras numa expressão chocada.
Na saída pelos fundos, foi em silêncio. No final, antes das garotas se separarem, Allison perguntou se m*l havia escutado, e a pequena negou rápido e saiu correndo dali. logo Malévola apareceu, encarando Allison.
Naquela noite Allison teve certeza de duas coisas. m*l ouviu, mas por algum motivo negava a si mesmo. E era fato que Malévola escondia um grande segredo do qual Allison pretendia descobrir futuramente, o mais rápido possível.