Desarmada

1579 Words
     Jean tem me ajudado com os curativos. Sete dias sofridos com esses malditos pontos na testa. Mas finalmente, hoje estarei livre deles.      Laura e seus cuidados maternos fizeram minha recuperação ser um total sucesso. Acredito que, se dependesse só de mim, eu ainda estaria convalescente numa cama, pois ando sendo um fracasso no quesito "cuidar de mim".      Tenho ocupado minha mente com o trabalho, meio que off line por conta das férias que recebi sem querer. Minha caixa de e-mail está abarrotada com os e-mails de Guilherme. Não sei por que ainda não o bloqueei.      Sem pique e concentração para terminar de estudar um artigo sobre moda, fechei meu laptop e peguei um dos livros da estante para ler.      O Primo Basílio.      Mesmo sabendo da traição ele ama e perdoa a esposa.     "Juro-te, amo-te... Fosse o que fosse não me importa. Não quero saber, não."     Jorge diz a Luísa, depois que descobre a traição, com o Basílio.      Isso não é tão distante da minha realidade. Era só inverter os papéis.      Fui tomada da minha leitura e dos meus pensamentos por uma batida na porta.      - Menina Yvelise, o Sr. Jean esta aqui. - Disse Laura,  com sua voz calma e maternal.      - Ah obrigada Laura, já estou indo. - Eu disse já levantando da cama e indo me vestir.      Não demorei, e quando cheguei à sala, lá estava Jean. Até que ele era bonito e muito gentil, qualquer mulher se interessaria por ele. Mas não eu. Reconheço que às vezes sou muito rude com ele, e na verdade, não é nada pessoal, é só minha condição que não é favorável ao bom humor dele.       - Pronta? - Ele pergunta.       - Não! - Respondo sem delongas.      - Adoro esse seu humor negro. - Eu apenas reviro os olhos e me sento ao seu lado. - Mas não se preocupe, não vai doer muito!   Perfeito! Não gosto de sentir a dor, o que nesse momento é o que mais me preocupa.    A tortura não durou mais que um minuto. Finalmente, eu estava livre daqueles pontos. Ele era habilidoso. Um bom médico eu diria.      - Espero que você não tente pilotar aquela lancha novamente. - Jean e suas gracinhas.      - Da próxima vez, eu tento pilotar uma aeronave. Deve ser mais fácil. - Ele riu da minha piada, totalmente sem graça.      - Melhor você ir jantar lá em casa hoje. Sabe, comemorar a retirada dos pontos.      Ele me convidou inesperadamente, embora nossa relação fosse restrita aos encontros diários pela manhã, para que pudesse fazer o curativo, antes de ele ir ao trabalho. Jamais ficamos muito tempo juntos, a mais que o necessário. E agora ele estava me convidando para um jantar.      - Sim, claro. Que horas? - Aceitei imediatamente. Mas o que estava acontecendo? Nunca quis nada além de amizade com Jean.  Mas talvez fosse hora de tentar enxergar a vida fora do meu mundo, que girava em torno do meu ex-marido.      - Às sete. E não se atrase. Sabe a pizza pode esfriar. - Como? Pizza? O jantar seria pizza?      Ótimo! O que esperar dos homens?       Não falei nada, apenas sorri e concordei.      - Bom preciso ir. O trabalho me chama. - Ele disse, guardando os instrumentos dele na temível maleta branca.      - Obrigada por tudo, Jean. - Falei meio sem graça.    - Não há de quê. Combinado, as sete então. - Disse e saiu deixando um certo vazio na casa. E em mim também, reconheço. ******      O dia passou bem rápido, pois a maior parte dele fiquei enrolada fazendo um “petit gateau” para a sobremesa.      Sou quase um fracasso na cozinha. Há muito tempo eu não sei como se opera um fogão.     Mas enfim,  acho que consegui fazer a sobremesa. Ou pelo menos, parece que está pronta. Tomei um banho rápido e vesti meu clássico jeans e moletom, ficando pronta antes do horário.      Deixei minha casa faltando cinco minutos para o jantar, ou melhor, para a noite da pizza. Claro que eu não levaria tanto tempo assim para chegar, mas estava ansiosa, embora não houvesse motivo. Subi as escadas devagar, no intuito de não chegar à porta antes do horário. Bati.      - Bem na hora! - Jean me recebeu com um sorriso encantador.      - Eu fiz a sobremesa. - Estendi o prato para ele, que pegou sem hesitar, retirando o guardanapo e analisando o doce.      - Não me diga que é petit gateau? Meu doce favorito. Ah desculpe, entre antes que congele aí fora. - Finalmente me convidou.      Ao entrar, percebi o quanto a casa era linda. E também organizada. As paredes eram de um tom claro de madeira envelhecida. Os móveis contrastavam com o tom das paredes, dando uma aparência de calma e tranquilidade ao lugar       - Que foi? Vai ficar parada ai? Venha me ajudar com os pratos pizza já está saindo do forno.      Fui ajudá-lo com os pratos e talheres. Decidimos jantar na mesinha de centro da sala. O fogo na lareira crepitava lentamente, deixando o ambiente quente e aconchegante.     De uma forma assustadoramente estranha, eu estava me sentindo uma adolescente em seu primeiro encontro. E a sensação era muito boa.      Sentamos no tapete macio da sala e nos servimos da pizza. Era de champignon com ricota, e estava ótima. Na TV,  passava um programa de culinária exótica, mas não estávamos muito interessados nisso. Falávamos sobre nós.      - Bem, como você pode ver eu sou francês, mas há muito tempo vivo aqui. Meu pai morreu há seis anos, e desde então, eu assumi a direção do hospital. Minha mãe se casou novamente e vive na França. - Ele se apresentou.      - Por isso fiz a sobremesa. Sabe francês, achei que ia gostar. - Eu falei, não dando chance para que ele pudesse perguntar sobre mim. - E quantos anos têm?      - Exatos trinta e dois anos. Mais vinho?      - Ah sim, por favor. - Aceitei, embora eu preferisse água. Não gosto de bebida alcoólica, mas às vezes um vinho é bem conveniente à situação.      - Bom, eu falei muito sobre mim e ainda não sei nada sobre você. - Ele entrou no assunto, o qual eu não gostaria de falar.      - Jornalista, vinte e seis anos, meus pais moram em outro estado com meus dois irmãos.      - Não mencionou o homem daquela noite. - Ele tinha que tocar na ferida?      Para minha sorte, um latido alto e feroz começou a ecoar no fundo da casa. Jean correu e eu o acompanhei.      - Gato maldito! - Jean gritava. - Sempre que pode ele vem atormentar meu cachorro.      Da porta, me deparei com um lindo cachorro da raça São Bernardo, branco com partes marrom claras, ele era enorme.      - Quer se aproximar? - Jean perguntou. - Venha não tenha medo. O que ele tem de grande, ele tem de dócil.        Foi o que fiz.      - King. É o nome dele. Normalmente, ele é calmo, mas ele odeia esse gato em especial. Acho que o gato sabe e vem aqui de propósito.       - Vamos deixá-lo entrar, esta muito frio aqui fora. - Eu disse e Jean soltou a coleira. King correu feliz para dentro da casa. Mais precisamente para a sala.      - O jantar! - Jean lembrou e corremos para a sala. Quando entramos, King havia comido boa parte da pizza. Não contive o riso e cai na gargalhada.      - Do que está rindo? - Ele parecia bravo.      - Desculpe, mas você tem que admitir, foi engraçado.      Ele cedeu e começamos a rir juntos. Praticamente caímos no sofá de tanto rir. Fazia tempo que eu não ria assim.        - Você fica linda quando sorri. - Ele disse se ajeitando no sofá, de modo que seu rosto ficou a centímetros do meu. Senti que minha frequência cardíaca acelerou, e eu quase me esqueci de como respirar.      - Jean... - Tentei impedi-lo, mas em vão. Sua boca tocou a minha. Eu não ofereci resistência. Passei meus braços pelo pescoço dele permitindo que ele me beijasse. Era meu primeiro beijo em um cara diferente. Nunca havia tido nenhum outro namorado.      Sua boca era macia e seu beijo era muito bom. Doce e calmo. Nada que se comparasse aos beijos ardentes de Guilherme.      Aqui estou eu, beijando outro homem, e comparando com ele.      Deixei os pensamentos de lado e apenas aproveitei o momento.      Devagar, Jean afastou os lábios dos meus.    - Me desculpe, mas não consegui resistir. Uau! Que boca gostosa que você tem. - Ele disse com seu bom humor de sempre.      Eu apenas sorri, e o puxei novamente para outro beijo.      Céus! Aquilo era fabuloso. O beijo se tornou em um furacão e quando me dei conta, Jean já estava tirando minha blusa.      - Ops! Cedo demais para isso mocinho. - Eu toquei na mão dele, afastando-a do meu corpo.      - Desculpe, mas não consegui controlar. - Disse,  levantando as mãos e se afastando. Percebi um clima tenso naquele lugar, entre nós. Eu precisava fazer alguma coisa.      - Bom, eu ajudo a lavar os pratos.      Comecei a tirar a louça e levar para a cozinha. O clima ficou realmente muito estranho. Mas ainda assim, eu lavei a louça e ele secou e guardou.      Depois disso, resolvi ir embora. Nos despedimos com um beijo rápido.         Percebi que não foi certo o que eu fiz. Eu queria beijá-lo. Mas a verdade era que eu queria me vingar de Guilherme, então, eu o usei, e queria que meu ex-marido soubesse.      Ele tinha razão, eu queria realmente feri-lo. Mas apenas consegui me sentir pior.
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