Aqui é meu lugar

2653 Words
E hoje eu aprendi a nunca sair de casa sem tomar um bom café da manhã, ainda mais se tiver passado a noite toda fazendo ronda. Vai que você tem um imprinting. E eu tive... E ele me derrubou. Aquele misto de sensações, de plenitude, de amor me inundou de um jeito que o meu corpo, cansado de uma noite de rondas e a horas sem comer uma refeição descente, não aguentou.   Não sei quanto tempo fiquei desacordada, mas quando recobrei meus sentidos, a minha cabeça pesava mais que uma tonelada. Abri lentamente os olhos, incomodada pela claridade do dia e a primeira pessoa que vi foi meu irmão.   — Seth, o que aconteceu? Minha cabeça dói tanto... —  resmunguei tentei me sentar, mas não consegui. Ainda estava muito zonza e sem forças.   —  Leah, você entrou por aquela porta e desmaiou. Mamãe falou para você não sair de casa sem comer. Teimosa, olha o que aconteceu. ELa vai colocar a culpa em mim e dizer que eu te arrastei para vir aqui! — Ao mesmo tempo que Seth parecia brigar comigo, estava também preocupado.   — Que vergonha... — murmurei, tentando me levantar mais uma vez, segurando minha cabeça com a mão direita. Estava deitada em um dos bancos das mesas da cabanha tentando fazer meu cérebro parar de tentar fugir de dentro da minha cabeça.   Fechei os olhos novamente na esperança de diminuir a dor que sentia em todo o meu corpo e finalmente consegui me sentar.   — Você está melhor?  —  Aquela voz de novo, dessa vez vindo do meu lado.   Juntei toda a força que ainda me restava e tentei responder com uma voz doce:   — Estou bem. Não sei o que aconteceu comigo.... — Estava tão envergonhada. Uma vergonha que a muito tempo não sentia. Era ele. Meu imprinting finalmente chegou! Alguém que veio para transformarr4 a minha vida e me tirar de dentro desse abismo que parecia não ter escapatória, mas tem e eu nem ao menos sabia o nome dele. Claro que eu estava feliz, mas essa felicidade toda estava bem presa dentro de uma dor de cabeça horrível.   — Tome esse copo de água. Vou mandar preparar um sanduíche para você. Vai se sentir melhor depois de comer algo. — Ele me respondeu com uma voz preocupada e não tirava os olhos de mim, até parecia que me admirava.   Esqueci do Seth, nem lembrava que ele estava por ali.   — Leah, trate de melhorar logo. Precisamos levar as compras pra reserva e ainda temos muitas coisas para preparar para hoje à noite!  —    A preocupação dele já havia se dissipado. Culpa minha, tentando sempre me fazer de forte, mas ele também sabia que era impossível um lobo ficar "doente" por muito tempo.   — Vá você na frente, vou ficar, fazer um lanche e quando melhorar, eu vou para casa. — Tentei manter a calma na frente do meu imprinting.   — Mamãe não vai gostar disso e eu vou ter que carregar todo o peso sozinho! Argh — resmungou.    — Resmungão! —  Dei um leve sorriso, foi então que vi os olhos daquele rapaz brilharem. Ele se preocupava comigo?   Logo, ele me trouxe o sanduíche e um suco. Seth pegou as grandes sacolas e saiu, pediu que eu não demorasse para poder ajudá-lo a preparar os aperitivos para a fogueira de hoje à noite, mas eu... Ah, eu estava sem nenhuma pressa. Esqueci completamente da dor de cabeça, do cansaço da noite, do estômago vazio e tudo que eu consegui sentir era a imensidão de uma certeza de eternidade que me tomou mesmo assim havia em mim uma curiosidade sobre esse rapaz. Eu não sabia nada sobre ele, só sabia que ele era meu. E se ele não fosse daqui? E se ele fosse casado? E se ele me rejeitasse? Uma pontada de dor atingiu meu peito mas logo que coloquei meus olhos sobre ele novamente, qualquer medo já se desfez.    Quando aqueles grandes olhos negros se aproximaram de mim trazendo o sanduíche, não resisti e lhe direcionei um sorriso como não sorria a muito tempo e ele retribuiu.   — Então, senhorita Leah Clearwater, acho que eu não me apresentei. Sou Ithan Stuart — disse meio sem jeito —  posso me sentar com você e lhe fazer companhia até que esteja se sentindo melhor? — aproximou-se, ficando a minha frente, do outro lado da mesa.    — Claro que sim — respondi. Imagina se eu iria negar. Obvio que não, ainda mais que eu estava curiosa, muito curiosa —, seu sobrenome não é quileute, mas seu rosto me lembra os rapazes da tribo — falei sem graça, querendo desvendar os mistérios por trás daqueles olhos.   — Entendo sua confusão — me direcionou um sorriso iluminado. Ele tinha entendido que eu havia me interessado e muito por ele. — Minha  mãe é Jane Sky, filha mais velha do Jeff, mas eu não nasci aqui, sou da Califórnia — disse sem desviar um momento se quer seus olhos dos meus e eu senti que iria desmoronar dentro daquelas íris negras que refletiam apenas a minha imagem naquele momento.   — Não sabia que o velho Jeff tinha uma filha. Conheço apenas o John e o Jason — falei demonstrando curiosidade. Os olhos dele vacilaram, olharam para o lado e eu percebi que talvez tivesse tocado em um assunto delicado demais.  — Desculpe, não quero ser intrometida — recuei.   — Tudo bem. Eu posso falar sobre isso. — Continuou a me observar, colocando as duas mãos sobre a mesa que nos separava, aproximando-se ainda mais. — Minha mãe fugiu com meu pai. quando ela era jovem. Meu avô não queria que ela se casasse com alguém que não era da tribo, então a única saída foi a fuga. Meus pais nunca mais voltaram para cá e pelo visto, o velho Jeff quis esquecer que tinha uma filha — falou com uma ponta de tristeza na sua voz.   Eu o olhava atenta e estavam nítidos em  minha frente os seus olhos tristes. Problemas de família todo mundo tem, pensei.  Os seus lábios movimentavam-se a cada palavra, me deixando fascinada. Lábios grossos, pareciam macios. Seu cheiro exalava e me atingia diretamente, um cheiro bom, que eu jamais tinha sentido e que me enfeitiçava.   — Mas... — vacilei. Será que devia tocar na ferida? — como você veio para cá?  —  Ainda estava curiosa. Queria saber cada vez mais sobre ele.    — Nunca me senti bem lá na Califórnia. Parecia que eu era um estranho no ninho. Me sentia deslocado, faltava alguma coisa lá e eu sabia que não iria encontrar o que me faltava naquele lugar, mas meus pais nunca me deixaram vir para cá e conhecer minhas origens. Mas o tempo passou e eu cresci, fiz faculdade de Educação Física, comecei a trabalhar em uma academia, mas ainda sentia um vazio...— Seus olhos estavam tristes, sentia o pesar em sua fala.   Enquanto ouvia esse relato, silenciosamente agradecia aos espíritos. Ah, papai, será que o senhor preparou essa surpresa para mim? Será que fomos destinados desde antes do nosso nascimento?    — Há cerca de quatro meses meu pai morreu e eu e minhas irmãs ajudamos a minha mãe a superar a morte dele. Ela a amava incondicionalmente, um amor que eu acho que nunca vi e nem verei igual. Quando ela já estava mais conformada, falei para ela que queria vir atrás das minhas origens, da minha tribo. Queria preencher aquele vazio que ela sabia que eu sentia e eu parti. Sabia que meu avô era proprietário da Cabanha. Há duas semanas eu cheguei e ele me recebeu como se todo o passado tivesse sido apagado, parecia que ele me conhecia desde que eu nasci. Então resolvi ficar e trabalhar com ele. — Deu um sorriso sincero, talvez até inocente. Ah, me derreto inteira.    Vi meu rosto refletindo nos olhos dele. Esses olhos que passaram de uma tristeza profunda a uma alegria sem tamanho. O lugar dele não era na Califórnia, era entre os quileute.   — Então você veio pra ficar?  —   Tentei disfarçar minha alegria. — Sim. Sinto que aqui é o meu lugar, mas eu ainda não sei explicar o porquê, eu só sinto — disse animado, com um sorriso incrível no rosto.  Ah, esse sorriso me desmontou. Eu parecia uma adolescente apaixonada pelo seu ídolo. Será que ele percebeu?    — Você ainda não foi na reserva, não é mesmo?  —  Eu sabia que não. Se ele tivesse ido, eu teria sentido esse cheiro tão viciante, tão encantador, um cheiro bom, doce, suave, mas ao mesmo tempo cheiro de relva molhada pela neblina constante da reserva. Cheiro que invadia as minhas entranhas e fazia eu me sentir completa.   — Ainda não. Quando cheguei, meu avô estava meio doente, então não quis incomodá-lo, mas meus tios e minhas primas já vieram aqui me visitar e falaram que quando eu quiser ir, é só avisar — disse animado.   — E o que você acha de ir conhecer nossa aldeia hoje à noite? — perguntei esperançosa.   — Hoje? Seu irmão me falou que vocês fariam um tipo de reunião hoje à noite, ao redor de uma fogueira...  —    comentou meio sem graça.    — Isso. Sempre nos reunimos. Seus tios e primas não estarão lá, mas será divertido. O velho Back conta sempre as lendas quileutes, comemos uns aperitivos, colocamos o papo em dia... — daí vacilei. Eu sempre estava deslocada nesses encontros. Eu os achava super entediantes, mas eu sabia que com a presença dele seria diferente.   — Lendas quileute? — Fiz que sim com a cabeça. — Minha mãe me contava umas lendas quando eu era criança, mas eu nem lembro direito. Alguma coisa sobre homens-lobo...  —  Parecia que estava fazendo força para se lembrar de algo.  Ah, se ele imaginasse...   — Então venha. Será uma ótima oportunidade para você conhecer mais sobre suas raízes, sua origem. — Estava tão animada, mas não queria parecer invasiva, mesmo assim reparei que minha voz saiu mais calma e sedutora do que o normal.    — Vou sim — falou com um sorriso largo. E lá estava eu me desmanchando de novo.   — Então podemos nos encontrar às 19h, na entrada da reserva, daí te levo lá. Pode ser?  —  Estava tão entusiasmada que não conseguia disfarçar.   — Combinado! – falou, se animando também. — Vai ser divertido fazer amizades novas com as pessoas que fazem parte das minhas origens.   — Então eu já vou indo. Tenho que ajudar a preparar tudo. Você vai adorar!  —   Fiz menção de me levantar e ele não tirou os olhos por nenhum momento de mim. Será que ele estava gostando da minha presença ou só se empolgou por conhecer a tribo?    Levantei-me lentamente, com um sorriso estampado na face, saí da mesa em direção do corredor e ele fez o mesmo.   — Ah, o lanche quanto ficou?  —  perguntei, quase esquecendo que ali era uma lanchonete.   — É por minha conta. Ah, e obrigado pelo convite, nos vemos hoje à noite — falou sorridente.   Aí não aguentei! Senti até uma distensão nos meus músculos faciais de tão grande que meu sorriso se abriu. Acho que há anos que eu não abria um sorriso tão largo. Quase deu câimbra. Fiz que sim com a cabeça e fui saindo enquanto sentia meu coração quase pulando para fora do meu peito.   Corri rapidamente até o outro lado da rodovia, embrenhei-me na mata torcendo para que ele não me visse e me transformei. Precisava ir o mais rápido possível, precisava contar para minha mãe isso. A dona Sue ficaria tão feliz por mim! Nem me importei se teria alguém ouvindo meus pensamentos, mas por sorte não tinha ninguém da minha matilha.    Em menos de cinco minutos cheguei em casa. Pulei na pequena varanda e voltei a forma humana. Vesti minhas roupas e entrei ofegante em casa.    — Filha, o que aconteceu? — Minha mãe estava assustada. — Seu irmão me contou que você passou mal. Fiquei preocupada. Já estava pensando em ligar para o Charlie ir te buscar!  —  Veio até mim e me examinou com os olhos de cima a baixo. Ah, mãe é mãe, sempre preocupada.   — Mãe, tive um imprinting e ele é maravilhoso! Não tenho palavras para explicar!  — falei explodindo toda a alegria que existia em mim.  Todo o sofrimento que eu sentia há anos havia se dissipado. Toda mágoa, dor e ressentimento haviam acabado. Era tudo paz e essa paz transbordava em alegria. Senti minha mãe me olhar com olhos de alívio, ternura e tranquilidade. Finalmente a filha mal-amada dela havia encontrado um amor de verdade, no caso, eu!   — Eu ouvi direito? Um imprinting? — Seth já entrou pela cozinha gritando.  — Então você não passou mal, você só não aguentou a força do imprinting? Como eu sou burro! — falou batendo a palma na própria testa.   —  A parte do burro eu concordo — falei debochando — sim, foi com o Ithan. — Meu sorriso largo era difícil de disfarçar.    — Eu devia ter desconfiado. Ele te mediu de cima a baixo enquanto você estava desmaiada naquele banco, mas não era com um olhar safado, porque se fosse isso eu arrancava a cabeça dele,  mas na verdade parecia que ele estava te admirando — falou olhando para o nada, como se estivesse pensativo.   — Me mediu de cima a baixo você disse? — perguntei interessada.    — Ei, espera aí! Você é a única mulher da matilha, então quer dizer que todos os seus pensamentos nós iremos ouvir... E ... Ah não, Leah! Eu não vou aguentar isso não! Você é minha irmã! Não quero ouvir e nem ver o que você pensa dele e com ele! Ah, não!  — falou agonizando. Chegou a minha hora de tripudiar.   — Eu, como única mulher da matilha, fui obrigada a escutar os pensamentos mais machistas de vocês, os comentários mais sórdidos. Pela minha cabeça passavam as cenas mais pervertidas que eu nunca nem imaginaria. Tudo porque vocês não conseguem controlar seus pensamentos quando estão apaixonados. Jacob era insuportável, ainda mais porque seus pensamentos eram com aquela sanguessuga. Você então, quando teve o imprinting não nos deixava em paz durante as rondas e há umas duas semanas que eu olho para a cara daquela sua loira e lembro de uma cena bem específica, dela revirando os olhos!  —  Semicerrei os olhos, aproximando meu rosto dele, fazendo uma careta de reprovação.   Ah, era a minha vez!    — Todas às vezes que dormia, eu tinha pesadelos eróticos e pornográficos por causa de vocês e os piores são aqueles que não tiveram um imprinting ainda! São mais nojentos que os outros. Agora que eu tive um imprinting, ficarei mais insuportável que vocês. Irei pensar nele o tempo todo durante as rondas. Ah, quando eu beijar ele e quando nós irmos mais além, vocês verão tudo, tudinho!  —  falava fazendo as caretas mais malévolas que eu tinha e gargalhava por dentro, vendo sua  expressão de pânico, de horror. Seth tapava os ouvidos com as mãos, tentando não ouvir, mas era em vão e eu estava rolando de rir por dentro. Claro que eu não faria isso. Aprendi a controlar meus pensamentos e não queria de forma alguma expor meus sentimentos e experiências para aqueles lobos glutões, mas me diverti fazendo esse terrorismo psicológico com o Seth.   — Chega desse papo de lobos na minha cozinha! Seth, vá levar essas coisas para a Emily, ela está esperando e você Leah, tem muito a fazer e a me contar. Vamos, rápido com isso! — Minha mãe sendo mãe e nos delegando funções. Claro que ela sabia que era só uma briga qualquer de irmãos e claro que eram só ameaças vãs de minha parte.   — Seth, não fale do imprinting para ninguém, deixe que descubram sozinhos — avisei mesmo sabendo que era em vão. Essa noite seria maravilhosa e eu mal esperava até ela chegar.
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