Ao redor da fogueira

2120 Words
Estava ansiosa, até de mais. Não tinha roupas bonitas para um “encontro”, mesmo que ele não soubesse que era um encontro. De manhã ele me viu de regata vermelha e short jeans com um All Star nos pés, mas agora a noite eu queria parecer diferente. Como a maioria das minhas roupas eram “descartáveis", pois se rasgavam a cada  transformação mal calculada, eu nem me importava mais com o que vestia, mas não nessa noite.   Mas por outro lado, é tão bom ter o mesmo formato do corpo que sua mãe, você nunca sabe quando vai precisar de um vestido emprestado. E foi isso que fizemos depois que eu contei tudo. Fomos ao armário dela e provamos várias peças, até que a melhor delas se encaixou perfeitamente no momento. Um vestido bege, justo, mas confortável, um palmo acima dos joelhos e uma  sandália rasteira azul escura. Não faria frio essa noite, mínima de uns 18ºC, a temperatura ideal para mim.    Levei os sanduíches e espetinhos para o local onde faríamos a fogueira. Seth já estava lá e alguns rapazes da matilha também. Eu imaginava que eles soubessem, já que Seth não consegue segurar a língua dentro da boca, mas isso não foi nada, o que me deixou constrangida foram os olhares para cima de mim, me medindo de cima a baixo. Obviamente que aqueles que já tinham suas companheiras mal olharam para mim, mas os que não tinham, ah, esses me olharam como cães famintos ao verem a refeição. E até que foi bom ter um irmão mais novo ciumento, que ameaçou arrancar a cabeça e outra parte bem importante deles caso não parassem de me olhar daquela forma.   Confesso que isso me deixou sem graça. Queria estar bonita para o  Ithan, não para eles, mas acredito que talvez eles nunca tivessem me visto de vestido, ou mesmo tão radiante. A alegria emanava por meus poros, um sorriso estampava minha face, meus olhos brilhavam, meus cabelos se moviam conforme o vento, moldando meu rosto e eu estava adorando aquilo. Em outros tempos, iria querer dar uma surra em cada um que me olhasse assim e isso não era má ideia. Providenciaria isso depois, afinal, eu era muito forte, até mais que alguns deles.   Segui em direção a entrada da reserva, faltavam dez minutos ainda, então fui a passos mansos, sem pressa para ver se aliviava minha ansiedade. Observava a natureza ao meu redor, interrompida pelas vagas casas espalhadas ao longo da trilha principal. Estava distraída, como há tempos não ficava e nessa distração, meus olhos se cruzaram com os do Sam. Parei neles e eles em mim. Não estremeci como aconteceria a um dia atrás, apenas senti alívio. Estava livre da tortura que era ele na minha vida.  Ao seu lado estava Emily, que também me encarou. Olhei para os dois juntos. Bonito casal, pensei. Teriam lindos filhos. Sorri um sorriso sincero, involuntariamente e eles sorriram de volta! É... Eles já sabiam do imprinting. Seth linguarudo! Depois daria um castigo a ele, mas o que eu ainda não sabia.    — Como você está linda! — com esse comentário encantador, Ithan foi se aproximando de mim, na entrada principal da reserva. Ele era pontual. Quando percebeu que havia pronunciado a frase em voz alta, ficou sem graça. — Me desculpe, não deveria ter dito isso! — Desviou o olhar que estava até então preso em mim.   — Tudo bem, eu gostei do comentário! — dei um sorriso largo para ele. — Vamos? — convidei.   Virei-me para seguir o guiando e então eu senti, não sei se voluntaria ou involuntariamente, uma mão nas minhas costas, como se ele quisesse me conduzir ou indicar o caminho. Senti um frio percorrer por toda a minha espinha. Logo que ele percebeu essa minha reação, tirou sua mão de mim. Ai, que vontade de pedir para ele me abraçar, me tocar, me beijar. Foco, Leah, vá devagar para não assustar o garoto. O imprinting é seu, ele nem sabe o que é!   Fomos pela trilha conversando sobre a reserva, os hábitos dos moradores, costumes, tradições e eu fui lhe mostrando as casas e a que famílias pertenciam. A antiga casa do seu avô estava ali, fechada desde que ele se mudara para a casa atrás da cabanha. Era pequena, sem cor, desgastado pelo tempo, mas perfeita para uma família. Chegamos ao local da fogueira, uma clareira retirada a uns 50 metros do final da trilha principal. Ao chegarmos, todos os olhares se voltaram para nós, um silêncio sepulcral se fez. Por sorte o velho Black já estava lá.   — Olá! Temos mais um novato para ouvir as velhas lendas quileutes hoje! — Disse querendo parecer simpático.   — Este é Ithan, neto de Jeff Sky e filho de... — fui interrompida pelo velho Black.   — Jane Sky! — disse com cara de espanto.   — Como você sabe? — Ithan perguntou curioso.   — Jhon e Jason tem apenas filhas, então você só poderia ser filho da Jane — explicou mansamente.   — Você conheceu minha mãe? — Sua feição era séria e parecia que queria saber se as histórias que lhe contaram eram verdadeiras.   — Era a moça mais bela e valente da reserva. Seu avô fazia gosto que eu me casasse com ela, mas ela não me amava. Ela foi a mulher quileute mais corajosa que eu conheci. Corajosa por enfrentar a tradição, corajosa por enfrentar a família e fugir com quem ela realmente amava. — Seu tom era de saudosismo e, ao mesmo tempo, triste. — Como ela está?   — Agora um pouco melhor. Fazem alguns meses que meu pai morreu, mas ela está superando — comentou desconfiado.   — Eu sinto muito. Sei que ela amava demais seu marido, mas não se preocupe, ela irá superar. Eu superei a morte de minha esposa. Espero que ela possa vir nos reencontrar, precisamos colocar a conversa em dia. Mande um abraço para ela por mim! – falou transmitindo certa alegria.   Ithan assentiu com a cabeça. Enquanto eles falavam, os olhares não desviavam de nós. Olhares curiosos e alguns cochichos maldosos que eu iria passar a limpo depois. Hoje nada estragaria minha noite. Era importante que ele soubesse das lendas quileutes e visse como era a matilha, isso seria necessário para ele compreender quem eu sou.   Billy Black nos chamou para a fogueira e nós o acompanhamos. Sentamos próximos, bem próximos, no mesmo tronco de árvore. Jake se aproximou rapidamente e nos cumprimentou. Disse que estava feliz por eu ter trazido companhia. Não sei se ele foi sincero, amigável ou apenas feliz por eu ter parado de importuná-los. Enfim, logo foi se sentar com sua sanguessuga, que nos cumprimentou com um aceno e um meio sorriso.    Sam e Emily nos olhavam sorridentes também. Fiquei sem graça. Paul, Jared e Quill cochichavam sem parar em meio a risos. Aff!   — Por que todos estão nos olhando? — Ele percebeu e estava curioso.    Eu não estava exatamente preparada para responder essa pergunta.   — Bem... É que você é novo por aqui, estão todos curiosos, mas logo todos te conhecerão, você irá gostar deles! — disfarcei.    Seth chegou todo escandaloso, com sua loira o acompanhando e  um sorriso aberto.   — Ithan, que bom que você veio, pronto para ouvir as histórias? — Tinha um olhar assustador.   — Estou pronto! — respondeu sorrindo e cumprimentado meu irmão e sua namorada. Confesso que senti ciúmes ao vê-lo beijando-a no rosto.   Sentamos todos ao redor da fogueira e Billy Black começou a contar as lendas. Fiquei apreensiva com o que ele pensaria. Histórias para crianças dormirem? Mitos? Criatividade de um bando de anciãos?  Fiquei atenta aos seus movimentos e ele ouviu tudo com muito cuidado. Quando Black terminou, olhei-o diretamente em seus olhos.   — O que achou das histórias? — perguntei apreensiva.    — Interessantes, talvez curiosas, exatamente como minha mãe havia me contado. — Um sorriso meigo adornava seu rosto e meu coração se aqueceu.    — Você acha que elas são verdadeiras? — Precisava jogar a isca.   — Ah, não! Claro que não! Essas coisas não existem — falou meio incrédulo.   — E se eu te falar que elas são reais? — Precisava convencê-lo antes que ele soubesse quem eu realmente era.  Percebi que todos estavam prestando atenção na conversa. Alguma riram quando ele disse que “essas coisas não existem”.   — Não acredito nisso... — riu. Acho que era normal um cara que cresceu na Califórnia não ser capaz de acreditar em seres fantásticos e sobrenaturais.   — Mas você mesmo dizia que havia alguma coisa que te faltava e você não sabia o que era. Alguma coisa que você sabia que só encontraria aqui. — o lembrei, me esforçando para demonstrar minha doçura e isso foi muito difícil para mim. — São os espíritos, eles te chamaram aqui para encontrar o que te falta.   — Acredito sim nos espíritos dos antepassados, mas em homens-lobo já é demais. — Deu um riso leve e eu o acompanhei para que ele pensasse que estava com a razão.   — E você acha que os espíritos te trouxeram aqui para encontrar exatamente o que? — Não iria perder a oportunidade de alfinetar.   — Não sei com certeza, mas suspeito que já encontrei o que me faltava — falou com um meio sorriso, se aproximando mais e levantando sua mão para retirar uma mecha do meu cabelo que caía sobre meu rosto. Estremeci.   — Posso saber o que é? — Ah, meu coração estava disparado. Se ele fosse um lobo, já teria sentido, mas ele não era. Distraída em meus pensamentos e olhando fixamente em seus olhos, me deixei levar e permiti que sua mão acariciasse meu rosto de leve.   — Como você está quente. Você está bem?  — Sua feição pareceu preocupada. Droga de temperatura de lobos!   — Acho que é pelo calor da fogueira... — disse querendo disfarçar.   Nesse instante, Paul se aproximou:   — Leah, deixe-me levar o mais novo membro da tribo para apresentar para a matilha? Fuzilei-o com meu olhar. Um arrepio subiu pela minha espinha, mas eu não podia me transformar agora. Me controlei olhando Ithan se afastar de mim e ir em direção aos demais.    Depois de uns 15 minutos, Paul me devolveu Ithan.   — Pronto, Leah. Ele já está oficialmente apresentado. Vê se cuida bem dele e lembre-se de protegê-lo direitinho. — Deu um piscada para mim.    Debochado! Ainda quebraria uns ossos dele e deixaria cicatrizar errado, só para depois quebrar de novo!    — Leah, não entendi isso de eles se tratarem como uma matilha. Até chamaram o tal Sam de Alfa... — falava confuso.   — Ora, lembre-se das lendas. O Sam é o líder, o Alfa. — Acho que nunca falei uma frase com a voz tão meiga assim.    — Hum... É tipo figurativo? Um chefe? — refletiu. — Mais ou menos. Ele é o mais velho e exerce muita influencia sobre os demais, até mesmo o Jacob aceita sua autoridade e eu, apesar de não gostar muito disso, também o respeito. Ele e Emily tratam os mais novos como se fossem seus filhotes. — Tentei ser mais clara, mas sem revelar muito. — Como uma segunda família? — Exatamente. — Por hora era melhor deixar ele sabendo apenas disso. — Vamos comer alguma coisa? – falei carinhosamente e ele me acompanhou.    A noite passou rápido, eu contei várias coisas sobre minha vida “normal” e ele sobre a sua. Sua boca se movimentando me fascinava, seu corpo coberto por uma camiseta branca e um jeans despretensioso me deixava mais desejosa. Ah, como eu queria rasgar aquela roupa e descobrir o que estava por baixo! Controle-se, Leah, ele vai te achar muito atirada se suspeitar que é isso que você está pensando.   Todos começaram a se dispersar e ele quis ir também. Já passara de meia-noite e eu o acompanhei até a saída da reserva onde seu carro estava. Ao longo do caminho ouvimos vários uivos e barulhos na mata. Ele se preocupou comigo e eu juro que tive vontade de rir.  Ah, mas que bom que se preocupava comigo.   — Quando nos veremos novamente?    Ele queria me ver de novo!? Meus olhos brilharam.   — Você quer vir aqui sábado à tarde, conhecer a praia de La Push? – perguntei fazendo cara de sapeca.   — Na sua companhia quero conhecer tudo! — Sorriu ao meu convite.   Ah, pronto, me derreti!   — Sábado, às 14h, aqui? — sugeri.    — Combinado!    Eu estava efusiva. Fui me afastando lentamente, não queria dar o tchau.  Dei dois passos para trás, ainda o encarrando e então ele me puxou para si e me deu o melhor, mais quente, mais desejoso, mais gostoso beijo que eu já recebi na minha vida!            
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