Prólogo
Janeiro de 2018
Cidade do Milharal - São Paulo
~ Carolina
Foi difícil vê-lo partir, mas o amor não era egoísta.
Senti a minha garganta queimar no dia em que o levei para o aeroporto. Talvez fosse a angústia ou era só a bile queimando.
Meus olhos embargaram quando Victor me deu o seu beijo de “ até logo”. Algo me dizia que demoraríamos bastante a nos ver novamente.
Quando ele atravessou a porta de embarque, algo dentro de mim desmoronou. Não conseguia chorar, mas aquela sensação de luto insistia.
— Não vai demorar muito até o final do ano.— Murmurou minha mãe.
Ela não sabia como reagir em uma crise emocional.
— Em quatro ou cinco anos o Victor estará formado e voltará a viver aqui. O verdadeiro amor resiste a distância e ao tempo, não sabe?— Ela continuou.
Eu, que não estava com vontade de ouvir, me afastei.
Por mais que eu quisesse acreditar, duvidava muito que o meu relacionamento com o Victor resistisse a distância e ao tempo. Talvez não fosse amor. Talvez tivesse sido só uma fantasia.
De qualquer forma, precisava tocar minha vida.
Me permiti chorar a noite inteira, e no dia seguinte, guardando toda a minha frustração, fui a festa à fantasia para os calouros da minha faculdade e lá transformei a minha dor em “ Twist”.
O tema era os anos 60, estávamos todos vestidos a caráter. Minhas melhores amigas Olívia e Rebecca já tinham encontrado seus pares, então continuei dançando sozinha, até que uma mão se projetou na minha frente.
Foi assim que conheci o Breno. Não me apaixonei por ele de uma hora para outra, ainda pensava no Victor todos os dias.
Apenas dançamos juntos naquela noite e em meio a todo caos que eu tinha por dentro, sorri.
Durante alguns meses o Breno foi minha companhia. Assistíamos filmes, conversávamos sobre livros e bebíamos juntos no Merci’s — era quando eu desafogava todas as minhas mágoas ao falar do meu namorado que foi para o outro lado do mundo.
Ele foi paciente. Soube me ouvir e falar poucas palavras certas.
— Esse lugar é um mausoléu de lembranças. Não sei porque escolhi essa droga desse bar…— Pressionei suavemente as têmporas.
O meu copo vazio já estava sobre o balcão, aguardando a terceira dose de uísque.
— Deve ser porque é o único bar da cidade.— Retrucou Breno com uma voz engraçada.
Nós dois rimos ao mesmo tempo.
— É assim que eu gosto de te ver… sorrindo fica ainda mais linda.— Ele levou uma das mãos para o meu rosto.
O seu polegar esfregou sutilmente sobre o canto da minha boca, antes dele se aproximar.
Seus olhos cor de âmbar brilharam com a expectativa de um beijo, mas eu recuei.
— O Victor partiu há três meses. Sinto muito, mas não estou pronta…
— Eu é quem devo me desculpar.— Ele me interrompeu.— Te espero o tempo que for necessário.
— Talvez eu nunca seja capaz de corresponder.
— Então eu me contento em estar ao seu lado.— O homem argumentou.
Puxei o ar devagar, parecia mais pesado que o normal. Embora não achasse certo, não me opus. Precisava da amizade do Breno, era a minha única válvula de escape.
Talvez eu estivesse sendo egoísta, mas quem nunca foi?
Ultimamente nem chamadas de vídeo fazia com o Victor. Para mim era pior vê-lo e não senti-lo.
Cada dia ficávamos mais distantes.
Breno era tudo o que me restava.
Ele me levou para casa naquela noite e nada aconteceu.
No outro dia, saímos cedo para andar de bicicleta. Fui surpreendida por um caminhão de mudanças na frente da casa dos pais de Victor.
A mãe dele estava colocando algumas caixas no porta-malas do carro enquanto o pai dava ordens aos ajudantes.
Larguei minha bicicleta e corri na direção deles. Breno parou e respeitou a distância.
— Dona Violeta!— A chamei, ofegante.
— Ah, Carolzinha. Fico feliz que tenha vindo se despedir.— Ela soltou as caixas e veio me abraçar.
Retribui o gesto, ainda confusa.
— Não entendi… estão indo embora?
— O Victor não te contou?— Ela me soltou, desorientada.
— Não temos nos falado muito.— Mordi os lábios, alarmada.
A mulher chegou a abrir a boca, mas não emitiu nenhum som. De longe observou o Breno e não gostou nada daquela aproximação.
— Estamos indo para São Paulo.— Sibilou a mais velha, com o cenho rígido.
Aquilo foi como um soco no meu estômago.
Sem os pais aqui, Victor ficava cada vez mais longe de mim.
— Seja feliz, Carolina.— Ela deu de ombros, mas tornou a se voltar para mim— O mínimo que você deve ao Victor é sinceridade. Não falar com ele não vai resolver os problemas de vocês, apenas vai criar mais um.
Não tive condições de responder, ainda estava processando a última informação.
Dona Violeta se afastou de vez e eu fiz o mesmo.
Breno me ajudou a levantar a minha bicicleta e pedalamos até o outro lado da rua.
— Você está bem?— Perguntou o homem.
Ele me olhava com preocupação enquanto ainda deslizávamos sobre as duas rodas.
— Vou ficar.— Respondi com um tom amargo.
Paramos na ponte da cidade para olhá-la do alto. O Breno sabia apreciar o silêncio tanto quanto eu.
Apoiei a minha cabeça no seu ombro e fechei os olhos. Precisava ser acolhida.
Entendendo o gesto, ele me envolveu com um único braço.
— Eu não sei o que devo fazer. Insisto no meu relacionamento que está fadado ao fracasso? Ou será que devo seguir em frente?
O homem soltou o ar devagar antes de me virar de frente para ele.
— O que vai te fazer feliz? Esperar por anos um amor que não sabe se vai voltar, ou apostar em um relacionamento com um parceiro de verdade, em carne e osso? Ninguém pode tomar essa decisão por você.
— Você tem razão. Preciso escolher o que é de verdade, não uma pessoa que logo vai se transformar em um fantasma do passado.— Falei mais para mim mesma do que para ele.
— Eu estou disposto a investir o tempo que for para curar o seu coração.— Breno tocou a minha mão suavemente com a sua.
Me aproximei aos poucos, reduzindo gradativamente os centímetros que afastavam nossos rostos. Segurei o rosto dele e ele agarrou a minha cintura com firmeza.
Juntei nossos lábios e me deixei levar.
O beijo de Breno era a promessa de um novo ciclo.