A decisão

970 Words
Minha boca tardou mais do que o normal na borda da xícara — estava evitando a conversa que precisava ter. Olívia estava sentada de frente para mim, ela na poltrona e eu na cama. Ela já tinha desistido de conversar e checava as mensagens quando eu decidir quebrar o silêncio: — Acha que o Victor sabe do meu noivado?— Mordi o lábio inferior e enruguei a testa. Ela levantou os olhos na minha direção e piscou algumas vezes. — Não acha essa pergunta um pouco óbvia? — Não esperava que minha pergunta fosse respondida com outra pergunta — Resmunguei. — Tudo bem…— Ela ajeitou o corpo na cadeira confortável.— O seu pai e o pai do Victor são sócios e se encontram com frequência. Acho que mesmo sem querer notícias suas, é inevitável para ele. — Então ele deve ter ligado os pontos— Levei uma das mãos para o rosto. — Acho que todo mundo percebeu que aconteceu algo muito errado no seu relacionamento. Sabe como cidade pequena é… Soltei o ar devagar, não contendo minha frustração. — Eu não deveria ter ido beber sozinha. Isso foi o que chamou atenção. — Agora já foi. Não adianta chorar pelo leite derramado— Ela se curvou na minha direção e pegou a xícara vazia. — Parece que toda a minha vida virou pelo avesso. Não sei o que fazer. Não sei quais providências tomar — Meus olhos voltaram a marejar. — Não precisa pensar em nada agora. Acho que você tem que viver o seu luto primeiro. Aquiesci, concordando com a sugestão. — Como eu vou contar isso para os meus pais?— As lágrimas começaram a escorrer por minhas bochechas.— A minha tia Silvia com o meu noivo — Sibilei, tentando me convencer do que vi.— Eu acho que vou ser atormentada por essa visão pelo resto da vida. — Não me surpreende vindo da Silvia, ela nunca gostou de você. Mas o Breno… ele parecia tão apaixonado. Ele investiu tanto em você quando ainda estava enrolada com o Victor. — Acho que depois que conseguiu a conquista perdeu a graça — Funguei, secando minhas lágrimas. — Ele é um burro. Jogar fora quase sete anos de relacionamento desse jeito… — Eu não sei o que dizer ou o que sentir. Parece que alguma coisa morreu, sabe? Eu tô muito triste, muito decepcionada e com muito odio! — Cerrei o punho trêmulo. Olívia lançou um olhar enviesado para a minha mão antes de pigarrear. Foi aí que percebi que ainda usava o meu anel de noivado. Até tinha esquecido dele. Arranquei o objeto do meu dedo e o olhei com um misto de desprezo e ressentimento. Toda a minha história com o Breno ao longo dos últimos 7 anos rolaram como um filme na minha cabeça. — Se quiser, posso devolver o anel no seu lugar — Sugeriu Olívia. — Não — Rebati, incisiva.— Eu preciso colocar um ponto final nisso. Em algum momento terei que encarar aquele cretino. — E quanto ao Victor? Está pronta para encará-lo depois de tudo? A minha resposta foi o silêncio. A verdade é que eu não fazia ideia de como me sentia em estar cara a cara com um passado que jurei ter enterrado. … Senti minhas bochechas queimarem no instante em que me aproximava da rua de casa. Para me dar apoio moral, Olívia fez questão de me levar até lá. — Tem certeza que não quer que eu entre?— Perguntou minha amiga. Balancei a cabeça em negativa, antes de lançar-lhe um olhar aflito. — Obrigada por tudo — Murmurei, antes de abraçá-la. Olívia me abraçou de volta, me apertando contra seu corpo. — Vai ficar tudo bem. Respirei fundo perante aquela afirmação. O meu coração parecia prestes a explodir minha caixa torácica. Tomei coragem de entrar e logo me deparei com meu padrasto na sala, assistindo televisão. Paralisei um pouco depois da soleira. Ao perceber minha presença ele logo me olhou. Ficou desconfiado com o meu olhar de tensão. — Algum problema, filha? Logo desabei em lágrimas. César era uma espécie de segundo pai e tê-lo ali me deixava confortável para demonstrar minha vulnerabilidade. O homem veio na minha direção para me abraçar e eu logo contei toda a história, em meio a soluços. — Está mais calma? — Perguntou minha mãe. César já tinha relatado para ela todo o ocorrido. Afastei a boca da borda do copo de água que segurava, os lábios ainda trêmulos. — Durante sete anos eu me preparei para esse momento e de repente foi tudo por água abaixo. — Como o Breno faz uma covardia dessas? Humilhar a minha filha desse jeito, ainda mais com a própria tia dela — Sibilou minha mãe, revoltada. — A traição dói porque vem de quem menos esperamos, meu amor — Meu padrasto levou a mão ao ombro dela. — Eu não vou deixar isso barato. Vou acabar com a raça daquele imprestável do Breno — A mais velha cerrou o punho com força.— E quanto aquela vaga.bunda da Silvia… juro que se vê-la na minha frente… — A Silvia me odeia, mãe, e sabemos o porquê. Até hoje ela me culpa do fim do noivado dela. Claro que fez isso para se vingar, não esperava nada diferente dela. Mas o Breno…— Novamente minhas palavras foram interrompidas por um soluço de choro. — Aquela mulherzinha sórdida…ah, mas ela vai me pagar — Em seguida minha mãe se afastou. Caminhou até a porta que dava para a rua e saiu por ela — Cesar foi atrás. Já eu, levantei minha mão trêmula e encarei a joia que enfeitava o meu anelar direito. — Eu também tenho algo a fazer — Falei para mim mesma, antes de também sair pela porta.
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