No fim da aula de inglês eu percebo, e concluo o quanto estou ferrada. Essa é a única matéria em que eu ainda conseguiria me recuperar, mas depois da aula de matemática com o Sr.Rob eu percebo o quanto teria que me afundar na pasta de Collin para conseguir recuperar um mísero das minhas notas e não reprovar de ano.
Eu caminho para minha última aula, de biologia.
No corredor, o treinador Rud me para subitamente colocando sua palma da mão à centímetros do meu rosto como se fosse uma placa de pare. Ele está com uma bermuda azul e uma camiseta da mesma cor que deixa seus braços peludos à mostra. Eu diria que falta pouco para ele se camuflar junto com os armários do corredor. Na cabeça, ele usa uma faixa amarrada. O sr.Rud tinha um gosto peculiar para roupas de treinos.
- Sua amiga te passou o recado? - Ele tira a mão do meu rosto e coloca as duas na cintura. Eu abro a boca para responder, mas ele fala mais rápido. - Aposto que sim, e com certeza ela deve ter deixado claro a gravidade do assunto. A Srta. está quase reprovando na minha matéria.
O Sr.Rud fala como se estivesse em um filme de desenho animado dublando um personagem com características bobas. Ainda que meu cérebro tenha conseguido fazer essa comparação meu coração está em um ritmo acelerado, me alertando do que eu já sabia: Eu estava ferrada. Ele me olha como se esperasse que eu dissesse algo, e bem eu deveria. Então eu digo somente o que posso naquele momento:
- Eu sinto muito Sr.Rud. Eu posso fazer alguma coisa pra mudar isso? Qualquer coisa. - Eu soou como uma desesperada, mas não estou nem aí no momento.
- A lista da Estação de Campo está rolando à uma semana, não vi o seu nome. - Bufo conscientemente. Kristen tinha me falado sobre isso a uns dias atrás e eu tinha me esquecido completamente.
- Eu não estive na escola esse período. - Eu respondo sincera com minhas bochechas queimando de vergonha por dentro. Eu tinha perdido muitas aulas, e assumi isso para um professor me deixa bem mais desconfortável do que sentir Collin com o braço na minha cintura. Eu sempre fui uma ótima aluna, mesmo que fosse péssima em matemática, minhas notas sempre foram boas.
- Tudo bem Srta.Harper. Hoje é o último dia para assinar, vá para sala da Sra.Chapman depois da sua aula e assine a folha. Eu quero te ver lá amanhã sem falta. - Ele diz as últimas palavras de forma lenta e arrastada, e eu me sinto uma criança de cinco anos. - Se você se sair bem e eu ver esforço, falo com os outros professores para te darem uma ajuda.
Eu quase abraço o Sr.Rud. Meu sorriso é tão largo que eu sinto como se minhas bochechas tivessem se desenferrujando. O Sr.Rud me olha estranho, mas não diz nada além de me dar um aceno de cabeça e um sorriso seco. Ele parti para sala em que eu estava, e eu sigo para de biologia.
Sentada também na primeira cadeira eu tento me concentrar na aula, mas a dúvida se meu pai deixaria que eu fosse ou não, ronda minha cabeça por longos minutos. Eu penso nos inúmeros discursos que eu poderia fazer se ele me desse um não, depois penso em como eu faria para ir, se mesmo depois dos meus discursos ele ainda me dissesse não. Aquilo me irritava. Ele não está nem ai para os meus estudos, enquanto eu estou igual uma maluca atrás de melhorar minhas notas para poder passar de ano. Era o meu último, depois disso meus planos era ir para cidade grande e fazer uma faculdade.
Eu dispenso as nuvens de pensamentos voltando minha atenção para aula. Anoto até a vírgula que a professora põe no quadro e junto a folha na pasta que Collin me deu. No fim da aula, eu marcho para sala da Sra.Chapman.
Ela quase não me olha quando desliza a folha sobre a sua mesa para mim assinar. Quando me entrega o outro papel impresso para o meu pai assinar, eu posso jurar ver um relâmpago de felicidade passar por seu rosto. Eu deixo a sala da Sra.Chapman enfiando o papel no bolso traseiro da minha calça. Saio da escola para o estacionamento com o emaranhado de outros alunos.
Na caminhonete, eu jogo minha bolsa no banco traseiro e estou pronta para pular para o banco do motorista, mas Collin aparece antes. Ele está com seu celular na mão e estica o braço para mim com o aparelho na mão.
- A mãe de Kristen. - Ele diz sacudindo o celular na minha direção. Pela sua expressão, eu tinha certeza que ele não soube o que dizer para Helena. Nem mesmo eu fazia ideia. Ela ainda não sabia que Collin e Kristen passaram a se odiar depois do meu envolvimento com ele. Isso porque Kristen insistia em dizer que Collin me afasta dela.
- Helena. - Tento parecer firme.
- Você sabe de Kristen? Estou tentando falar com ela á algum tempo e não consigo. Liguei para você algumas vezes, mas acabei concluindo que você tá sem celular. - Collin esta com os dois globos azuis cristais arregalados para mim, e sussurra silenciosamente algumas coisas que eu finjo entender.
- Ela está indo comigo no Lemon. Foi pro banheiro trocar a roupa de Educação física. Assim que que sair eu peço pra ela te ligar, pode ser? - Helena balbucia um "tudo bem" do outro lado da linha e eu desligo o celular devolvendo-o para Collin.
- Você tá sem celular? - Ele me pergunta guardando o seu no bolso da mochila. Eu dou um suspiro passando a mão no fio de cabelo que cai sobre a minha testa.
- Longa história. Podemos nos falar depois? - Eu pergunto entrando depressa na caminhonete. Eu preciso estar logo Lemon para achar Kristen antes que Helena viesse buscá-la pessoalmente.
- Claro, se eu puder apareço pra te ver. - Collin não espera pela minha resposta, ele vira as costas correndo de volta para escola. Com toda certeza estava ocupado com alguma coisa de representante de turma.
Às uma hora eu freio meu motor de frente para lanchonete do Lemon. Eu tinha dirigido por menos de dez minutos e ainda sim me pareceu que as horas estavam presas à um ponteiro parado.
Eles estão construindo o novo estacionamento. Está uma bagunça só, de operários, e pilhas de tijolos quando eu tiro a chave da ignição. Eu tenho que deixar a caminhonete um pouco atrás da bagunça da nova reforma. O Sr. Lemon costuma dizer que se eu colocasse o carro na frente, os clientes não poderiam olhar para dentro do estabelecimento, e assim não teriam vontade de entrar.
A pequena construção de paredes verdes limão tem uma placa com papel de paredes de rochas e um nome em linhas vermelhas e verdes escrito Ranch Lemon. Eu me dirijo para dentro sentindo meu estômago vibrar. Eu não tinha comido nada o dia todo.
O Sr. Lemon está atrás da caixa registradora. - um balcão de madeira com mármore em cima e um vidro que mais parece plástico para separar o cliente do caixa. Ele me olha por cima dos cílios contando o bolo de notas que tem nas mãos. Eu espero pacientemente sentindo um fluxo de raiva por Kristen não está aqui como disse que estaria. Eu penso em inúmeras possibilidades de como falaria com ela, mas não acho nenhuma alternativa sem incluir meu celular confiscado.
- Tá atrasada dez minutos. - O Sr.Lemon diz assim que devolve um terço das notas para caixa registradora e fecha com a chave. Ele é um homem vermelho. Eu não me lembro de ver o Sr.Lemon sem a linha vermelha grotesca que cobre seu rosto como se ele tivesse pegado sol errado. Ele tem o mesmo gosto de roupa que o meu pai, a diferença entre os dois, é que a camiseta xadrez que o Sr.Lemon usa é arrebitada para frente seguindo a linha da sua barriga, e na cabeça ao invés de um chapéu velho aba reta, ele usa um chapéu marrom de cowboy.
- Me desculpe Sr.Lemon, eu vou ter que chegar esse horário apartir de hoje. Não tô indo muito bem na escola.
Ele parece refletir sobre o que digo, entortando a boca de uma forma estranha. Eu sinto o revirar no meu estômago se embolar como uma bola de neve em um mix de fome e nervoso. Eu preciso desse trabalho. Eu ganho 50 dólares pelo trabalho da sexta à domingo no Lemon, não é muito, mas é o suficiente para que eu junte. Meu pai concorda com o trabalho desde que eu sempre o avisasse a qualquer mudança de horário. Ele fica dizendo que eu deveria me esforçar para ficar aqui e comprar minhas próprias coisas, mas a verdade é que eu junto esse dinheiro na esperança de sair de Field.
- Dez minutos á menos. - O Sr.Lemon diz ainda pensativo. - Dez minutos é uma louça, ou uma ajuda no caixa. Vou ter que ser justo e baixar o pagamento para quarenta dólares.
Eu me agito um pouco.
- Eu cubro os dez minutos caprichando na limpeza. O Sr. sabe que além de boa atendente eu sou uma ótima faxineira e ainda quebro um galho da Sra.Lemon ajudando na cozinha. - Minha voz sai como se eu estivesse implorando, mas no momento eu não estou nem aí.
- Coloca o uniforme. - Ele diz virando as costas para porta dos fundos. Ele passa a maior parte do tempo na obra do estacionamento controlando a construção. O Sr.Lemon é conhecido por ser pão duro. Um tijolo á mais, e ele faria um escândalo para não pagar por ele.
Eu me apresso para me vestir. No banheiro, eu pego a farda que fica pendurada em um cabide preso a um prego. Eu troco as calças jeans e a blusa por calças jeans pretas, e uma blusa verde limão. No pequeno espelho pendurado na parede fria, eu prendo meu cabelo em r**o de cavalo e ajeito os fios teimosos para que fiquem alinhados. Enfio minha roupa de volta na mochila e vou para cozinha.
A Sra.Lemon aperta preguiçosamente uma bisnaga de cheddar em cima da fileira de hambúrgueres. A especialidade do Lemon é o hambúrguer de Cheddar e molhos. Molho para macarrão, molho para hambúrguer e carnes. Ela me olha monótona me dando um sorriso sem graça. Eu retribuio alargando um pouco o meu. Diferente do Sr.Lemon a Sra.Lemon é conhecido pelo silêncio. Ela quase nunca fala.
- Cliente. - Ela exclama quase como um sussurro. Eu visto o avental verde limão em cima da roupa e sigo para o salão. Mesas brancas de plástico decoram o salão retangular. A luz solar ao lado de fora, ilumina a pequena lanchonete com excelência, mas às 5:30 horas às luzes tinham que estar acesas. Apenas um solitário cartas vinho enfeita a parede com os pratos da casa.
Na última mesa sentado de forma desleixada com as pernas viradas para mesa de frente, o loiro petulante, fita o chão de cerâmica branca. Meu coração parece vacilar à cada passo que eu dou para perto da mesa, quando estou próxima o suficiente meu joelho colidi com a parte interna da mesa chamando à atenção do garoto. Ele levanta sua cabeça me encarando em um misto que dessa vez eu consigo captar. Curiosidade e surpresa. Ele gira seu corpo para ficar de frente para mesa e eu entrego o cardápio. - Que nada mais é do que uma folha impressa plastificada. Ele demora algum tempo para desviar seus olhos de mim para o cardápio. Ele joga o mesmo em cima da mesa e me encara de novo. Uma fresta de sorriso se abre no canto direito da sua boca e eu me pergunto o que quer dizer. Ele está debochando de mim? Eu fico imediatamente corada tentando sugar de algum lugar do meu corpo um pouco de confiança para passar, mas ela parece escorregar como água. Eu tento me recuperar apostando todas as minhas fichas em acertar ao menos o seu nome.
- Charles não é?
- Na verdade Hero.
- Desculpe é que você também é loiro.
- Na verdade Charles é moreno, acho que está falando de Dean. - Kristen eu vou te m***r.
- Ah, posso anotar seu pedido? - Minha voz vacila. m***a. Eu engulo a seco apertando a caneta em volta dos meus dedos. Ele espreme seus olhos como fez mais cedo na Whoodhy e abre um pouco a boca, eu quase inclino meu corpo para frente completamente presa ao que ele tem a dizer mas ele fecha os lábios voltando seus olhos para mim.
- Quer saber, eu acho que já te vi em algum lugar. - Sua expressão está séria e ele me olha como se estivesse mesmo em dúvida. Aquilo me causa uma sensação incomoda no estômago que me indica que eu estou um pouco decepcionada por ele não lembrar. Talvez os cabelos cacheados rebeldes, a pele marrom clara e meus olhos castanhos escuros como os de Kristen não fossem traços tão marcantes para ele. Como sempre eu não me contenho.
- Fala sério. Você quase me atropelou outro dia. - Um sorriso se faz nos seus lábios, esse quase deixa eles largo. Eu quero agora mesmo me esconder na cozinha do Lemon, ou ao menos enfiar essa caneta nos meus olhos. Ele sabia. Sabia e estava zombando de mim bem na minha cara.
- Mas foi você quem entrou na frente da minha moto, maluca.
- Sério, você tava fingindo não me conhecer? Com qual propósito, me deixar envergonhada? Alimentar seu ego? - Eu disparo batendo o pequeno bloco de notas na minha perna. Ele parece se divertir com a situação, ao invés de ficar aborrecido com a chuva de perguntas raivosas que eu faço. - E não me chame de maluca, eu me chamo BEATRICE.
Eu termino com um longo suspiro.
Seu sorriso dessa vez é bem aberto. Ele descansa nas costas da cadeira.
- Não foi pra te deixar envergonhada. Foi pra saber se você lembra de mim, Beatrice. - Ele descansa os cotovelos em cima da mesa inclinando um pouco o corpo para frente. Seus olhos não estão tão amarelos agora, estão claros, mas não tão intensos. - Mas eu bem que gosto quando alimentam meu ego.
- Sua cara diz tudo. - Eu devolvo na mesma hora um pouco arrependida. Ele permanece com o meio sorriso na boca e isso me irrita. Eu queria saber o que ele queria com esse sorriso i****a. Deixo o arrependimento de lado, me sentindo vitoriosa por ter jogado isso na cara dele.
- Gosto principalmente quando são garotas bonitas. Como você. - Minha vitória se desfaz e eu trepido um pouco sobre os pés. - Mas, me diga Beatrice, o que mais minha cara diz?
Eu fico totalmente sem reação à pergunta, mas tento não demonstrar. Eu me endireito sobre os tênis colocando a ponta da caneta no bloco de notas.
- Seu pedido? - Ele olha o cardápio por cima voltando os olhos para mim.
- O que você me sugere?
- A especialidade da casa é o big-cheddar. - Ele ergue sobrancelha pra mim e eu reviro os olhos sabendo que se o Sr.Lemon visse isso eu seria demitida em menos de cinco minutos. - Pão, dois hambúrguer, muito cheddar e salada.
- E é bom, Beatrice?
- Não faço ideia. - Eu tento ignorar o rosto dele focando em uma mancha no piso ao seu lado, mas a expressão de confusão que eu capturo de relance me faz focar nele de volta.
- Você deveria aprender a mentir. Em um trabalho no centro de Nova York você já teria sido demitida. - Ele diz em tom confidencial ainda com o mesmo sorriso. - Nesse caso, eu vou querer um refrigerante.
- Eu nunca experimentei porque meu pai não deixa. - Eu disparo mais uma vez arrependida. Eu não deveria dizer coisas sobre mim pra ele. Principalmente quando essas coisas incluíam o meu pai.
- Quantos anos você tem? - Ele parece intrigado e eu com uma remessa enorme de culpa por ter tocado no assunto. Eu não queria falar disso com ele, um desconhecido. Mas algo dentro de mim faz o meu mecanismo disparar coisas que eu não deveria.
- 17 desde ontem. - Quando você quase levou minha pele na roda da sua moto.
- Você tem algum problema de saúde ou coisa assim? - Ele parece realmente curioso, mesmo que sua voz tenha uma pontade de ironia.
- O que? Não. São só regras. - Regras das segundas as sextas, das quais eu não podia comer qualquer lanche ou comida de fora. Eu nunca entendi bem essa regra, já que meu pai não vigiava minha alimentação. Ele nem ao menos almoçava em casa. Isso de longe nem parecia uma preocupação para ele.
- Quais são as outras, você só pode vestir preto as quartas? - Ele foi muito irônico.
- Não, o que? O que te faz pensar isso? - Eu reajo torcendo um pouco os lábios.
- O que me faz pensar isso é que ele te priva de comer um hambúrguer, então não seria difícil ser radical assim. Você pode namorar?
- Não. - Repondo seca.
- Uhum. Fruto proibido.
- Isso não é engraçado. Você não me conhece.
- Tem tempo.
- Eu não tenho a mínima vontade. - Digo decidida ainda que minhas pernas bambas e a vontade exageradamente absurda quisesse conhecer cada pedaço de Hero. Porquê? Por que ele é exageradamente bonito, convencido e petulante? Eu queria saber mais sobre, queria saber qual jogo ele estava fazendo. Queria saber mais sobre a cidade grande, e como eu poderia ir para lá e sobreviver.
- Então pq toda vez que você me ver você me encara sem parar? - O impulso de dizer algo me golpeia e eu abro a boca para dizer algo que nem eu mesma sei o que é. Eu fecho o lábio buscando minha voz que eu perdi e quando acho digo o mais óbvio possível.
- Eu não faço isso.
- Faz. - Seu sorriso mostra a fileira de dentes e o piercing se move junto com o lábio parecendo que a qualquer sairia de sua boca. Eu encaro rápido a pequena argola mas não me deixo levar por ela dessa vez.
Eu viro meus pés me apressando para dentro da cozinha onde fica as grades de refrigerante. Por um momento eu quase pedi para Sra.Lemon atender o Hero. Mas eu desisto ao lembrar que eu já chegaria dez minutos antes, e isso quase me custou dez dólares. Eu pego o refrigerante e levo para mesa junto com um copo com gelo. Uma nuvem de poeira da obra ao lado se espalha para dentro da lanchonete me fazendo coçar um pouco o nariz. Eu coloco o copo de refrigerante em cima da mesa com Hero olhando minuciosamente cada movimento. Uma faísca de raiva dispara em mim. Ele está brincando comigo, como se eu fosse uma das suas garotas de cidade grande. Meu pensamento muda rapidamente e eu me lembro da ligação de Helena, consequentemente da minha melhor amiga irresponsável. Eu limpo a garganta e sem olhar muito para Hero pergunto:
- Então, por acaso você sabe da minha amiga?
- A que está com Bryan? - Ele pergunta colocando o refrigerante quase todo no copo.
- Ela mesmo. Eu preciso muito falar com ela, será que você me ajuda? - Ele bebe um longo gole de refrigerante e limpa os lábios com a língua que colidi com o piercing que se movimenta devagar. Ele parece morder o ferro na parte de dentro da boca fazendo o pequeno ferro brilhante se mecher. Ele curva sua cabeça de lado parecendo perceber meus olhos que eu desvio de imediato.
- O que eu ganho em troca?
- Absolutamente nada. - Me apresso em dizer. Minha voz soa carregada de pequenas faíscas. Ele não parece se importar.
- Que pena, eu estava precisando de uma guia.
- Guia?
- É. Eu me mudei a pouco. Nova York. - Você e mais quantos? Eu queria perguntar, queria enxurrar ele de perguntas mas não o faço.
-Tudo bem. Mas nos dias em que eu puder. E nem sei quando vai acontecer. - Ele não concordaria. Porque faria isso? Ele não está desesperado pela sua companhia Beatrice.
- Quando o seu pai deixar, eu estarei disponível. - Ele tira seu celular do bolso e me entrega. O número taxado de Bryan está na lista telefônica e eu disco o número um pouco incerta. Ele atende no segundo toque.
- Decidiu se juntar a nós? - O garoto do outro lado da linha pergunta de forma brincalhona. Eu limpo a garganta e deixo uma tosse seca escapar. Hero me olha com a mão enterrada no rosto. Ele parece se divertir.
- Oi.. eu sou a Beatrice, amiga de Kristen. Eu poderia falar com ela? - Um silêncio parece se fazer do outro lado antes dele e mais algumas pessoas soltarem risadas. Eu me pergunto o que Kristen achará disso, e do que eles estavam rindo afinal. - Oi Beatrice, vou passar pra ela agora mesmo. Meu amigo está bem? Espero que não tenha feito nada com ele.
Eu olho para Hero que mantém a expressão divertida, como se soubesse exatamente da reação que isso causaria. Eu acabo pensando se ele está me usando para zombar de mim ou coisa assim.
- Está bem. - Eu digo incerta. - Eu posso falar com ela?
- Me fala o que você tá fazendo agora. - A voz de Kristen soa do outro lado da linha me fazendo revirar um pouco dos olhos. Nesse momento ela com certeza já trilhou uma história mirabolante em sua cabeça.
- Estou com um celular emprestado atrás de você. Sua mãe ligou para Collin. - Ela parece engasgar e eu sei que isso é suficiente para que ela saiba que eu não estou de brincadeira. - Eu tô no meu turno no Lemon, sai daí direto para casa.
Helena, a mãe Kristen era de boa com quase tudo que ela fazia. As poucas eram por exemplo: Cabular aula.
- Mas que m***a, eu esqueci que tenho compromissos antes da estação de Campo. - Ela diz, eu quero perguntar o que ela pretende fazer lá, já que suas notas são muito boas, mas não quero ficar muito tempo com o celular de Hero. - Eu estou indo.
Eu desligo o celular devolvendo ele para Hero que toma o último gole do seu refrigerante enchendo o copo novamente.
- Olha, ela menti. - Levando em consideração que eu realmente não gostava de mentir, depois que meu pai passou à ser daquele jeito, foi a minha única solução. As vezes eu mentia para poder respirar um pouco e tomar um Milk shake com Kristen nos fundos do Boss.
- Foi por precisão. - Eu me explico como se justificasse alguma coisa para Hero.
- Sei, Beatrice. Não precisa ficar vermelha. - Ele já está de pé, e segue para o caixa comigo logo atrás. Ele me da uma nota de dez dólares e eu dou o seu troco.
- Eu não estou. - Eu respondo um pouco atrasada. Seus olhos mais uma vez me especionam e ele deixa um sorriso no lábio.
- Você faz isso o tempo todo? - Eu me apresso em dizer antes mesmo que ele tenha tempo para me olhar confuso. - Fica com esse sorriso cínico.
Seu sorriso se alarga em uma curva travessa.
- Só quando eu vejo algo que eu gosto. - Meus olhos se movem rapidamente do chão para o teto. Dessa vez eu tinha certeza que eu estava mesmo vermelha.
- O que por exemplo? O chapéu de cowboy do Sr.Lemon? É, ele sabe ser sexy. - Pela primeira vez, desde que eu tinha iniciado essa conversa com Hero eu conseguir levá-la para um ambiente descontraído.
- Ele sabe. - Hero diz apoiando seu cotovelo no mármore do caixa. Ele se inclina, e a única coisa que nos separa de uma aproximação verdadeira é a placa de vidro-plástico. - Mas eu estava falando de cabelos enrolados, olhos escuros e uma boca muita bonita.
Eu me aninho em um emaranhado de porquês, segurando a nota de Hero como uma figura patética. Ele parece ver, gostar e sorrir vitorioso para o que conseguiu. Eu entro em um misto de raiva e alívio quando ele dá as costas em direção à saída do Lemon. Quando meu corpo parece voltar a funcionar eu encaro a figura dele girando suas costas para ficar de frente para mim.
- A gente se ver na Estação?
- Vou fazer o possível para te evitar. - Ele da uma gargalha antes de sair de vez deixando somente o barulho de furadeira da obra ao lado. Perai, como ele sabia? Eu espanto Hero da minha cabeça, mesmo que a imagem volte para ela á cada minuto. Eu sei que aquilo é por causa do rumo da nossa conversa, e nada além disso.
No fim do expediente eu deixo o Lemon brilhando. Atendo mais uma porção de gente, ajudo a Sra.Lemon com os hambúrguers e encerro o dia deixando o uniforme pendurado na porta do banheiro. Volto para velha caminhonete de pintura vermelha desbotada. Eu particularmente odiava os bancos de couro rasgado e a janela enferrujada do lado esquerdo. Ela não abria, e em dias de muito sol em Field o calor lá dentro se torna insuportável. Saindo da civilização rumo ao emaranhado de árvores eu deixo meus pensamentos voarem até Hero.
Esse nome de algum modo, combina como a aparência dele. Combina com a pose sarcástica e nada grosseira. - até então. Algo me suga diretamente para o conjunto de olhos e boca, de modo que fiquei incapaz de repudia-lo pelos comentários. Eu não sabia se ele estava brincando comigo ou algo do tipo. Eu só sabia que seu nome é Hero, ele é de Nova York e eu não faço ideia do que faz aqui.
A tarde, minha casa parecia mudar completamente de aspecto. Como se outra tivesse sido posta em seu lugar. À árvore de galhos secos não ficava tão sinistra como no luar da noite, e as folhas amarelas não tinha tanto destaque, mas a grama verde, recém aparada, tinha. Ela circula a casa branca e azul brilhando contra o sol. Eu faço um rastro de pneu na parte terrosa deixando a caminhonete ao lado de casa, como de costume.
Meus avós aparecem no alpendre, e a primeira coisa que eu noto é na expressão preocupada da minha vó. Meu avô olha para além do cabelo dela e eu sigo a linha dos seus olhos vendo a figura do meu pai pisar fundo para onde estou. Eu tento fazer uma lista rápida na cabeça para saber se eu tinha feito algo de errado ou que quebrasse as regras, mas não recordo nada além da caminhonete m*l lavada.
Quando seus pés param na minha frente com as botas empoeiradas ele pergunta:
- Onde você estava? - Seu tom é rude, isso me faz pensar mais algumas vezes de forma desesperada o que eu poderia ter feito.
- No Lemon. - Minha voz sai normal, ainda que somente eu note um toque trêmulo.
- Você saiu a tarde toda, volta pra casa agora pra dizer que estava no Lemon? Difícil de acreditar Beatrice.
- Eu fui para escola. Depois fui fazer um turno lá. - Eu digo automaticamente. Escutando meu próprio tom de voz e a forma que tento me explicar, eu me pergunto o quanto aquilo era patético. Eu não tinha feito nada. - Você não precisa ficar me controlando o tempo inteiro, isso é um saco.
- Olha como você fala garota. - Ele diz arrastado.
- Eu não estou falando de jeito nenhum, é você que está fazendo todo um enredo sobre isso. Eu me atrasei de novo, e minhas notas não estão nada boas.
- Você que não é esforçada o suficiente. - Qualquer resposta minha se dicipa. Ele não podia estar falando sério. Eu estive os últimos meses sobre as regras dele, quase perdi o ano na Whoodhy e agora eu era obrigada a ser cobrada por qualquer passo, e ainda ouvir esse certo tipo de coisa.
- Ou é você que joga toda sua frustração em cima de mim? - Eu disparo com a boca cheia de mágoa.
Eu sinto minha bochecha arder. Sinto como se pequenas formigas deixassem minha pele. Ele não tinha feito isso. Eu aperto um pouco os olhos torcendo para que na hora que eu os abrisse essa cena sumisse da minha cabeça. Mas tudo que eu vejo é o homem que me criou com os olhos arregalados para sua própria mão. Eu deixo o cenário. Subo as escadas e me jogo contra os lençóis grotescos. Eu não choraria. Abraçada com os meus joelhos, eu sinto uma lagrima teimosa se desprender dos meus olhos.
Meu avô entra no quarto, carregando a bandeja com bolo, pães e suco. Ele põe por cima da cama.
Meu pai aparece na porta em seguida.
- Beatrice, me desculpe. Você me descontrolou.
Eu não consigo ver um resquício de arrependimento no semblante do homem à minha frente. Eu me encosto na cabeceira, com meu avô bem ao meu lado. Ele também o ignora, olhando para o absoluto nada. Limpo a garganta algumas vezes, tentando pensar em algo à dizer.
- Preciso que assine uma permissão para uma coisa da escola. Vou estar fora três dias.
- Que coisa é essa? - Seu tom baixo é áspero. Eu ignoro por completo.
- Fica em Hay-de. Três dias para que eu consiga me recuperar das notas ruins. Preciso estar lá amanhã.