Capítulo 2

2576 Words
Cora estava prestes a arremessar o seu computador portátil pela janela, quando Gabi, sua melhor amiga, deu leves batidas na porta de seu quarto. Cora bufou, impaciente, analisando a generosa pilha de relatórios que ainda tinha em sua escrivaninha. Se tudo aquilo não tivesse pronto no próximo dia, pela manhã, Alex comeria o seu fígado com mel e mostarda. Com má vontade, a garota caminhou até a porta, precisava mesmo esticar as pernas que já estavam ficando dormentes. Ela girou a maçaneta, ficando aliviada ao se deparar com Gabi. Ao menos, agora, teria uma ajudinha extra para se livrar daquilo. - Vim aqui para saber como foi o seu primeiro dia de trabalho, mas a julgar por sua cara, deve ter sido péssimo.- Gabi atravessou a soleira, batendo a porta logo atrás de si. - Você não vai acreditar o i.n.f.e.r.n.o que a minha vida se transformou. Olhe a quantidade absurda de papéis que tenho que digitar. E olhe que isso é apenas a metade do serviço.- Rosnou Cora, resistindo a vontade de chutar toda a papelada para longe. - É, seu pai realmente está levando o seu castigo a sério. É melhor começar a estudar logo para o vestibular, ou vai ser só ladeira abaixo para você.- - Ladeira, não. Ladeira é coisa de p.o.b.r.e. - Cora fez um muxoxo, não dando a mínima se soou preconceituosa.- E se quer saber, eu pretendo, sim, começar um curso preparatório, mas gostaria de ter ao menos um ano de descanso. A escola me desgastou demais.- - É, mas o doutor Ethan não parece interessado em ouvir suas justificativas para a falta de empenho.- - Isso é obra do Alex, não do meu pai. Eu virei assistente daquele tirano.- - Alex Windsor? O filho de um dos sócio da iogurte King-Lenox?- Perguntou Gabi, erguendo o canto da boca em um sorriso malicioso. - O próprio d.i.a.b.o.- - Como sou uma boa amiga, posso te ajudar a digitar tudo. Assim acabamos mais rápido e podemos ir de compras, como tínhamos combinado.- Sugeriu Gabi, mordendo os próprios lábios. - O motorista está a nossa disposição hoje. O papai decidiu ir dirigindo, acho que anda aprontando algo. Acredita que todo dia chega tarde da empresa? E duvido que tenha reunião de segunda a sexta.- - Acha que o seu pai pode está…- Gabi não conseguiu concluir, achava aquela situação constrangedora demais. - Não quero acusar sem provas. Bom, não vou me sentir ofendida por Victoria, já que eu adoraria que ela ganhasse um brinde naquela cabeça coberta por aquele loiro falso.- Cora levou as duas mãos para o alto de sua cabeça, cada indicador para o lado, representando um chifre. - É, a Victoria ficaria mesmo louca.- Gabi deixou escapar um sorriso sádico, imaginando o quão seria prazeiroso ver a mais velha subindo pelas paredes. - Bom, já que você se ofereceu para me ajudar…- Cora retomou o assunto principal, dissimulando forçadamente que não era isso o que pretendia desde o momento em que Gabriela cruzou a sua porta. A outra estreitou os olhos, fitando-a com desconfiança. - Me empresta o seu iPad, vou trabalhar por ele.- Exigiu Gabi, esticando uma das mãos. Cora, satisfeita por ganhar duas mãos extras, praticamente correu até a mesa de cabeceira, puxando o objeto mencionado de dentro de uma das gavetas, para entregá-lo a Gabi. - Por onde começo?- - Fique com a esquerda e eu com a direita.- Instruiu Cora, tomando a iniciativa de voltar a se sentar na frente da escrivaninha e usar o laptop. As duas levaram aproximadamente uma hora para concluírem o que estavam fazendo. Já estavam prestes a sair do cômodo quando uma visita inesperada irrompeu o ambiente. Talvez para Cora não fosse tão inesperada assim, já que Anthony, seu namorado, não conseguia sobreviver um dia sem visitá-la. Eles namoravam há aproximadamente três anos, logo no começo do ensino médio. As famílias eram amigas, mas Cora e Anthony só se aproximaram quando passaram a estudar juntos. Talvez no começo do relacionamento Cora fosse apaixonada por Anthony, mas com o passar do tempo, o entusiasmo inicial passou, e desde então, ela só se acostumou com a presença dele. Costumavam fazer viagens juntos, frequentavam festas importantes em família ou da empresa de seus pais, e Anthony sempre acompanhava Cora quando a mesma ia de compras, ou decidia, de última hora, ir para o cinema. Como de costume, sempre que o via, Cora forçava uma felicidade que claramente não sentia. Caminhou de encontro ao rapaz alto, ficando na ponta dos dedos para abraçá-lo. Anthony retribuiu ao gesto afetuoso, pressionando o corpo delicado de Cora contra o seu tórax firme. Antigamente, a garota costumava suspirar só de sentir a rigidez das linhas bem desenhadas de Anthony. - Não vai me dá um beijo?- Murmurou Anthony, os olhos cinzas do mesmo indo de encontro aos dela. Os olhos de Cora tinham uma bela coloração fruta-cor, e mudavam de acordo com o horário, o local, e até com os sentimentos da jovem. Agora, devido ao tom mais neutro do final de tarde, a cor das duas bolas claras estavam entre o citrino e um dourado mais escuro. - Sabe que não precisa pedir.- Murmurou Cora, levando uma de suas mãos para a parte detrás do pescoço de Anthony, e capturando, com sutileza, os lábios bem contornados do rapaz com os seus. Gabi continuava logo atrás, visivelmente esquecida pelo casal. Ao se deparar com a cena do beijo entre sua melhor amiga e o namorado da mesma, Gabi suspirou, frustrada e ao mesmo tempo decepcionada. Desde os dez anos de idade era apaixonada por Anthony, mas, como sempre os rapazes sempre preferiam a irresistivelmente sedutora Coraline King-Lenox, Gabi foi completamente ignorada por ele. Até tentou ter raiva de Cora por isso, mas não conseguia, visto que a mesma nunca soube de seu amor platônico por Anthony, portanto, aquilo não podia ser considerado uma traição. Gabi sempre o amou em segredo, já que nunca foi corajosa o suficiente para dizer o que sentia. O amor de Anthony não foi o primeiro que ela “ perdeu” por sua falta de determinação. Diferentemente de sua melhor amiga, Gabi sempre foi tímida e reservada, nunca levou o menor jeito com garotos. Ao mesmo tempo que se sentia grandemente incomodada sempre que via os dois juntos, a consciência de Gabi pesava por desejar o que pertencia a sua melhor amiga. - Gabi?- Cora franziu o cenho, intrigada. Aquela já era a terceira vez que chamava a outra. Gabi voltou de seu estado de transe ao ouvir a voz de Cora a chamando. Piscou os olhos, atônita. Nem ela tinha percebido que ficou tão distante com os próprios pensamentos reflexivos. - Hum?- Perguntou Gabi, imaginando ter perdido algo importante. - O Anthony vai nos levar para o shopping. Ele sempre gosta de me ajudar a escolher minhas roupas.- Disse Cora, ainda com os braços enrolados no pescoço de seu namorado, olhando para Gabi por cima de seu ombro direito. - Não é exatamente gostar, afinal de contas, acho que nenhum homem tem paciência para esperar tanto. Mas, um homem apaixonado faz tudo pela mulher que me ama.- Anthony girou o corpo de Cora para frente, abruptamente, fazendo-a voltar a ficar cara a cara com ele, para que pudesse lhe tomar outro beijo. Instintivamente Gabi virou o rosto para o outro lado, foi tomada por uma sensação r.u.i.m de ciúmes e culpa. - Será que podemos ir logo?- Perguntou Gabi, usando um tom de voz seco. - Viu? Está deixando a Gabi constrangida.- Protestou Cora, soltando risinhos enquanto Anthony mordiscava o seu lóbulo da orelha. Anthony se afastou, cedendo os nós de seus dedos que seguravam a cintura de Cora, fingindo ter acatado aos pedidos de sua namorada, quanto a se comportar na frente da melhor amiga dela. - Ah, eu aposto que a Gabi entende. Não consegue resistir quando estou perto dela.- Ele se virou para a Gabi, encarando a mesma.- Deve saber o que é se apaixonar, não é mesmo?- Assim que os olhos escuros de Anthony encontraram os seus, Gabi prontamente os desviou para qualquer outro ponto do quarto. - Anthony, pare com isso, é sério. A Gabi é tímida, ela vai ficar sem graça.- Disse Cora, olhando com dureza para o rapaz. Anthony tornou a agarrá-la pela cintura e também a puxá-la contra si, deixando mais um de seus beijos ávidos, antes de finalmente se afastar. Ele enfiou as mãos nos próprios cabelos desalinhados, os fios loiro-claros se enroscando em seus dedos. - Vamos de uma vez. Tentava persuadir Cora a ficar, mas como não sou um bom incentivo para te fazer mudar de ideia.- Anthony deu de ombros, adquirindo um ar dramático. - Não seja bobo. Eu já combinei com a Gabi de que iríamos para o shopping. Além do mais, sexta-feira vai ter um jantar aqui, eu preciso de uma roupa nova.- Cora deu um passo para a frente, tocando com a ponta do indicador, a frente da gola da camisa de Anthony.- E você também.- - E que jantar é esse?- Perguntou o homem, curioso. - A mocoronga da enteada do meu pai que recém voltou de Londres, vai apresentar o noivo britânico dela. Espero que a leve de uma vez daqui, será menos uma v.a.c.a para ter que suportar.- - Ela não disse que o rapaz era britânico.- Gabi ergueu uma das sobrancelhas, satisfeita com a mudança de rumo da conversa. - Ah, deve ser um gringo. Marina é ambiciosa demais para morar por dois anos no exterior e se arranjar com um americano.- Respondeu Cora. Gabi chegou a espaçar os lábios. Estava prestes a dizer algo, quando disparou uma notificação em seu celular, que estava na bolsa. A garota pegou o aparelho e conferiu a tela, vendo que se tratava de uma mensagem de Aline, que também fazia parte do pequeno grupo formado entre Cora e Gabi. - A Aline já chegou no shopping e está furiosa porque estamos atrasados.- Falou Gabi, resumindo o conteúdo da mensagem. - Bom, já que o Anthony vai conosco, vou dispensar o motorista.- Cora tomou a iniciativa de caminhar para fora do lugar, seu namorado e sua melhor amiga vieram logo atrás, a seguindo. … - Ah finalmente, achei que iria criar raizes aqui.- Resmungou Aline, irritada com a demora. Esperou os amigos impacientemente no pétit chateau, uma cafeteria requisitada da qual gostavam de frequentar quando iam ao shopping. - Culpe esses dois.- Comentou Gabi, fuzilando Anthony e Cora, com os olhos, ambos lado a lado, bem acomodados na mesa escolhida por Aline. - Na verdade, se quiser culpar alguém, culpe ao meu pai e ao ajudante do d.i.a.b.o do Alex Windsor.- Retrucou Cora prontamente, em sua defesa.- Meu pai inventou de me castigar porque eu não passei no vestibular. E adivinhe quem é o meu chefe? Exatamente, o Alex, e eu estou comendo o pão que o d.i.a.b.o amassou com aquele estrupício.- Ela bufou, contrariada.- Só hoje, ele me fez digitar mais de mil relatórios, e ainda me castigou porque eu tentei lutar pelos meus direitos.- - Te castigou como?- Perguntou Anthony, intrigado. Cora mordeu os próprios lábios, olhando de soslaio para as pessoas que estavam nas mesas cercanas. O ambiente era sofisticado e clássico, frequentado por pessoas da mais alta sociedade. Ela inclinou o corpo para frente, como se tivesse algo extremamente sigiloso para compartilhar. Em um tom confidente, como se fosse algo muito vergonhoso, Coraline contou o acontecido: - Eu tive que limpar o banheiro dos funcionários.- Murmurou a moça, com a voz esganiçada. Olhares arregalados encararam Cora, todos pareciam incrédulos com a informação. Aline foi a primeira a comprimir os lábios, abafando uma risada. Cora ergueu uma das sobrancelhas, indignada com a reação da amiga. - Desculpe, é que não consigo imaginar Coraline King-Lenox lavando o chão de um banheiro.- Falou Aline, enxugando uma lágrima invisível do canto de seu olho. - Não quero mais falar sobre esses assuntos. Vamos pagar a conta do la pétit chateau, e vamos às compras.- Sugeriu Cora, acenando para um dos garçons que estavam próximos da varanda do estabelecimento. - Os nossos cafés gelados ainda nem chegaram.- Rebateu Gabi, incomodada com a inquietação de sua amiga. - Já ganhamos tempo. Tomamos o capuccino e vamos na loja que eu falei.- Explicou Cora. - Adianto que não posso demorar muito, só tenho meia hora.- Aline deixou escapar um suspiro de entusiasmo.- Tenho um compromisso inadiável.- - É mesmo? É um encontro?- Perguntou Cora, erguendo o canto da boca em um sorriso malicioso. Aline deu de ombros, adquirindo, propositalmente um ar de mistério. O garçom chegou com a maquineta do cartão bem a tempo de evitar mais uma pergunta por parte de Cora. A garota prontamente passou o cartão, digitou a senha, e aguardou pacientemente que a transação fosse autorizada, mas para o desespero de Cora, foi negado. Ela piscou os olhos algumas vezes, aturdida. - Ainda tenho sessenta mil reais de limite nesse cartão. Como a transação não foi autorizada?- Perguntou Cora, irritada. Sempre temeu esse tipo de vergonha, nunca passou por semelhante constrangimento. - Podemos tentar novamente, senhorita King-Lenox.- Sugeriu o garçom, tornando a colocar o cartão na maquineta. Mais uma vez, a transação foi negada. - Vou tentar no meu outro cartão. O limite é tão alto quanto nesse.- Falou Cora, em um tom de rispidez. Puxou o outro cartão da carteira, e ao passá-lo, teve o mesmo resultado. Aconteceu exatamente igual com o terceiro, quarto e quinto cartões. Agora era oficial, algo de errado estava acontecendo. Cora tentou ligar para o pai, desesperada, mas a ligação não chegou a durar nem dois minutos. - O que houve, meu amor? Que cara é essa?- Perguntou Anthony, preocupado com o desespero de sua namorada. - Meu pai bloqueou os meus cartões por tempo indeterminado.- A moça bufou, irritada.- faz parte do m.a.l.d.i.t.o castigo. Por sorte eu ainda tenho dinheiro para sobreviver na miséria até o final desse dia.- - Quanto você tem?- Perguntou Gabi, também preocupada. - Mil reais. Consigo pagar a conta e comprar um vestido na promoção.- Cora suspirou, os olhos citrinos cintilando devido às lágrimas que ameaçaram escorrer.- Quem diria que Coraline King-Lenox algum dia usaria uma roupa da promoção? Por Deus, eu sou uma socialite, eu só me visto com alta costura.- - Ah, meu amor, não vai deixar de ser alta costura por ser mais barato.- Falou Anthony, a consolando. - Mas não vai ser exclusivo. Eu só uso peças exclusivas.- Retrucou Cora. - Tudo bem, tudo bem, tem razão. Não vou permitir que passe por esse sufoco. Eu vou pagar a sua conta daqui do la pétit, e também vou pagar a roupa que você escolher para o jantar de compromisso da sua irmã.- - Posso comprar sapatos para combinar com a roupa?- Perguntou Cora, mordendo os próprios lábios. - Pode, meu amor.- Anthony esboçou um sorriso largo, se divertindo com o poder de persuasão de sua namorada, além de, claro, a forma fácil com que ela barganhava com ele, e sempre, conseguia o que queria com aquele sorriso sedutor. - E uma bolsa para combinar com o sapato?- Cora ergueu uma de suas pernas, arrastando a ponta de seu salto alto do tornozelo até o joelho de Anthony. - Pode comprar o que você quiser.- O rapaz segurou a mão de Cora por cima da mesa, pousando o dorso dela em seus lábios.- Eu faço tudo e qualquer coisa por você.-
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