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2130 Words
Miguel Portugal sempre foi o meu país, morei em parte da minha infância aqui neste lugar. Quando nos mudamos para o Brasil pelos negócios que o meu pai tinha lá, já havíamos passado por muitos outros países, mas só ali me senti como se houvesse encontrado o meu lugar. Então conheci Giovanna e apaixonei-me pela primeira vez e desejei fazer daquele país a minha morada. Mas, tudo mudou quando os meus pais se separaram, Amanda ficou no Brasil com o seu esposo, o meu pai mudou-se para o Canadá e a minha mãe voltou a Portugal, temi deixá-la só e após a minha peregrinação com os médicos sem fronteiras voltei a esse país. A minha mãe já não estava mais sozinha, ela mora com um italiano na nossa antiga casa e não me senti confortável em fazer parte da nova família. Aluguei o celeiro da família de Giovanna sem saber que eram seus avós, os ajudava com os trabalhos da roça enquanto não arrumava um trabalho. Quando o hospital central convidou-me para fazer parte dos residentes, vi que enfim me reencontraria neste lugar, mas o que sinto é apenas um completo e desconfortável deslocamento. — Então você não é brasileiro? Mas, tem cara de brasileiro. — Um dos residentes diz e sorrio sem graça. Não pelo motivo de estarem-me a chamar brasileiro, mas por essa piada estar a ser dita deste o dia em que cheguei. — Miguel pode atender o paciente que está a aguardar na sala de espera, ele precisa tirar sangue para um exame. — Sim, claro. — Respondo ao meu superior, seguindo até um senhor de cabelos grisalhos que briga com a enfermeira. — Com licença, tudo bem por aqui? O senhor é Osvaldo Cruz? — Pergunto, olhando o seu prontuário. — Sim, mas não quero ser atendido por estrangeiro. — Fala, virando o rosto para o lado. O meu sotaque de Portugal havia sido afetado por todos os lugares em que vivi, viajando com os meus pais. — Mas, precisamos fazer alguns exames e assim ajudarmos o senhor com a dor. — Digo ao homem me mantendo calmo. — Então chame-me um local, vai acabar passando doenças para mim de onde sei lá que veio! — Fala rispidamente, se afastando das minhas mãos. — Com licença, está a acontecer algo? — Anabela surge. Levanto os meus olhos e a observo, acabo sorrindo e percebo que havia parecido bobo, então afasto a minha visão. — Este estrangeiro que pensa ser médico, está a querer tirar o meu sangue. — Osvaldo diz e Anabela sorri gentilmente. — O meu senhor... — Ela pausa, ajeitando o seu jaleco no corpo esguio e cumprido. — O doutor Miguel não deve mesmo retirar o seu sangue, afinal este não é o trabalho dele. Ele é um cirurgião. — Ah claro que é. — O homem zomba e a jovem acena para que uma enfermeira se aproxime. — Colete o sangue dele e envie para o laboratório, por favor. Miguel, você deveria estar a salvar vidas e não escutando desaforo que pessoas que apenas estão com gases por se empanturrar de ovos coloridos no bar. — Diz por fim e o homem franzi a sobrancelha se mostrando irritado. — Senhorita, não precisava fazer aquilo. Qualquer trabalho para mim, é bom. — Digo a acompanhando pelos corredores. Anabela coloca as mãos no bolso e tira um saquinho com mini goiabadas. — Trouxe-te, coma tudo. — Sorri-me entregando e suspiro, percebendo que dali na sairia nada. — Não quero que fique a ser escorraçado por esses preconceituosos, uma pessoa tão bonita assim deveria ser bem tratada. — Ana, já lhe disse para parar com isso. Pode acabar-me trazendo problemas, já não me tenho dado tão bem assim. — Sussurro e entramos no elevador, ela observa-me e sorri como uma garota travessa. — Quando vai aceitar-me namorar? Ainda gosta daquela sua ex-namorada? Como é mesmo o nome dela? — Indaga e o elevador se abre. — Giovana? — Digo ao ver Gio com o seu chefe ao lado, ambos também me olham e Anabela grita, me despertando. — Isso, Giovana!! — Mostra-se animada e os enormes olhos escuros de Giovana seguem para a garota ao meu lado. — Anthony? Oi!! — A jovem ao meu lado acena e corre agarrando o tal, ele retribui o seu abraço e deposita-lhe um beijo na bochecha. — Gio, o que faz aqui? Está tudo bem? — Pergunto e Giovana assente, intercalando os seus olhos entre mim e a Ana que já se pôs ao meu lado novamente. — Viemos falar contigo Ana, essa é a Giovana. A amiga que te falei. — Anthony continua e Ana une as sobrancelhas e olha para mim e Giovana repetidamente. — Que mundo pequeno!! — Ela exclama. Ana era expressiva ao extremo, apesar de não me incomodar parecia ter irritado Giovana um pouco. — Eu e Ana trabalhamos juntos, quer dizer, não no mesmo consultório, só no hospital. — Tento-me explicar o que deixa tudo ainda pior. — Não precisa se explicar. — Giovana fala e respira fundo mexendo nas suas unhas com as pontas dos outros dedos. Ela estava ansiosa. — Vou deixá-los, tenho algumas coisas para fazer. — Digo, ao perceber que estava-lhe fazendo m*l. — Tchau Mih, nos falamos depois então! — Ana acena e sorrio levemente, correndo para fora do hospital, sem ao menos saber o que faria na parte externa dele. Giovanna Havia chegado na agência e Anthony esperava-me na porta, ele usava camiseta e jeans. Era esquisito vê-lo tão a vontade daquela forma, mas ainda assim não tirava o seu charme. — Giiovana, vamos! — Acena se aproximando de mim. — Vou levá-la para ver a minha amiga antes do trabalho. — Fala e o olho sem entender, ele abre a porta do carro e aponta para que eu entre. — Mas, não tenho que avisar ao Daniel que cheguei? — Pergunto e ele discorda. — Eu que sou seu chefe, agora entre. É uma ordem. — Zomba e reviro os olhos, assim fazendo. Anthony se coloca ao meu lado e começa a dirigir em direção ao hospital do centro da cidade, espero não ver Miguel, ele poderia se confundir ao ver-me com Anthony. Não quero magoá-lo. O hospital central é enorme, um típico lugar rico para gente rica. Deixamos o carro no grande estacionamento que há a frente e andamos até a entrada. Há uma recepção com uma linda sala de espera e elevador para os outros andares. — Senhor Anthony, veio ver o seu pai? — A recepcionista pergunta e Anthony discorda rapidamente. Espera ai, o pai de Anthony trabalhava aqui? — Nem mesmo diga-lhe que estou por aqui. — Diz e a mulher se mostra temerosa. — Por favor, Graça. — Pede mais uma vez, com a voz baixa e Graça assente. — Desculpa perguntar, o seu pai trabalha aqui? — Indago e Anthony aperta o botão para o elevador. — Bom, digamos que sim. — Sorri para mim e os meus olhos mudam de direção ao ver Miguel sorrindo para um exemplo de modelo ao seu lado. Não tive muita reação, porque me perdi comparando quem sou a tal garota. Ele parecia tão feliz ao lado dela e perguntei-me como o seu gosto mudara num curto espaço de tempo. — Anthony, vou conversar com a Giovana sozinha. Tudo bem? — A loira pergunta e Anthony assente, me aguardando na sala de espera do segundo andar. Passo pela porta do consultório da tal e continuo abismada, ela não me parecia uma pessoa má, só era estranho. — E então Giovana, você e o Anthony... — Não e você e o Miguel? — Pergunto automaticamente e ela ri, me fazendo perceber o que havia dito. — Desculpa, não me interessa. — Está tudo bem. Miguel e eu somos apenas amigos, mas eu adoraria ser algo mais. Ele é gentil e bondoso, você deve saber. — Sim, eu sei. Ele é mesmo uma ótima pessoa. — Falo, me sentindo constrangida. — Mas, não é sobre isso que iremos falar, certo? Você veio-me procurar como profissional. — Fala e concordo. — O que acontece? O Anthony disse que deveria falar com você. — Há alguns anos fui diagnóstica com compulsão alimentar e em seguida bulimia. Digo um tanto baixo demais, não me sentia confortável, aquela mulher parecia perfeita não poderia entender o que eu sentia. — Durante toda a minha adolescência eu sofri com o meu corpo, em alguns momentos tinha raiva de ser magra demais e em outros temia engordar e desapontar a minha mãe... — Ela diz e pausa por alguns segundos. — Sempre quis-me tornar perfeita aos olhos dos outros e esqueci-me de mim. — Eu sei que todos dizem que devemos nos amar, aceitar como somos e viver assim. Mas, não é tão fácil como pensam. — Eu não penso assim, não acho que deve se aceitar como é. — Fala e a olho surpresa. — Se quer engordar, então faça, se quer emagrecer, então faça, não gosta da cor do seu cabelo então pinte, mas faça tudo isso por você e não pelo os outros. Pense na sua saúde, na sua felicidade e ame a si ao ponto de querer dar o melhor ao seu corpo e a sua mente. — E então, foi tudo bem? Já está curada? — Anthony brinca e sorrio, entrando no seu carro. Ele dirige silenciosamente e apesar disto não me sinto constrangida. — Vocês conhecem-se há muito tempo? — Desfaço o silêncio. Anthony para em frente a um restaurante, já chegava perto das doze horas. — A Anna? Sim, os nossos pais são amigos há algum tempo. Que tal almoçarmos? Estou com fome. — Fala e concordo. Descemos do carro e adentramos num restaurante típico de Portugal, nos sentamos e aguardamos os nossos pratos. — Mas não se preocupe, ela não gosta de mim. — Sim, eu sei. — Digo e Anthony observa-me aguardando mais do que eu pretendia falar. — Ela gosta do Miguel. — Confesso e Anthony sorri levemente, movendo a cabeça. — Então é por isso que está emborrada? Por que o seu namoradinho está em outra? — Indaga e cruzo os braços, seguindo com os meus olhos para a janela logo ao lado, observo aquela cidade e de repente os meus olhos se marejam, o último resquício da minha vida no Brasil ja havia se tornado apenas uma lembrança. — Sabe Giovanna, as vezes precisamos fechar um livro e iniciar outro, não por ele ser péssimo, mas porque não combina mais com quem somos. — Anthony diz e o olho, ele sorri para mim e desfaço os meus braços, colocando a minha mão sobre a mesa. — Eu sei que não pareço um daqueles best-sellers, mas caso queira, estou disponível para leituras. — Desculpe-me por estar com essa cara f**a, so perdi-me um pouco em quem ja fui um dia. — Não tem de se envergonhar em ser aquela pessoa também, ela e o reflexo de quem alcançou hoje. Agora vamos comer, estou faminto. — Fala ao ver os pratos chegar e concordo. Almoçamos falando sobre o “show” que aconteceria no final de semana, aquele seria o primeiro grande evento da empresa de Anthony e ele queria que tudo fosse perfeito. Após o fim do expediente, sigo em direção a sala de Anthony, que sempre era o último a sair do lugar, não o considerava um chefe r**m, afinal no Brasil os empresários costumam ir embora primeiro ou até mesmo nem vão durante todo o dia. — Com licenca, Anthony. O pessoal ja foi embora, ira precisar de mais alguma coisa? — Indago, abrindo levemente a porta e Anthony esta ainda enfiado no seu discurso do evento. — Ah oi, Giovanna. Não querida, pode ir para casa. Ja consertou o seu carro? — Pergunta e discordo. Anthony respira fundo e ajeita os papeis num monte, guardando na gaveta ao lado. — Levo você em casa, então. — Ah por favor, não precisa se preocupar, querido. — Falo e o rapaz levanta os olhos, sorrindo ao ver que copiei a sua fala. — Mas, se essa for sua vontade, aceitarei. — Respondo e ele ri, maneando a cabeça. — Perfeito então, querida. Vamos a ir, devo levar uma troca de roupa ou acha ‘sexy’ usar a mesma roupa do outro dia? — Bom, acredito que dormir cada um na sua casa, tem o seu charme. — Entro na sua brincadeira e ele faz bico, desligando o computador e vindo na minha direção, ele aproxima-se e o meu corpo estremece. — Com licença, deixei o meu terno aqui. — Sussurra, retirando o terno do cabideiro ao meu lado.— Vamos querida, estou ansioso para ver as estrelas com você.
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