Mantê-lo preso a sua cama.

2127 Words
Rafael ouvia atentamente toda a explicação de Hugo sobre como teve a brilhante ideia de propor um acordo para Maria Eugênia, no intuito de unir forças para um mesmo objetivo em comum: Afastar completamente qualquer possibilidade de união entre Noah e Dalila. Os rapazes estavam bem acomodados nas cadeiras da varanda, que ficavam de frente para o jardim. Como o restante dos hóspedes do casarão estavam dispersos por dentro da propriedade, ali, era o único lugar no qual teriam paz para conversarem apropriadamente. Rafael precisava entender quais as verdadeiras intenções de seu melhor amigo com as integrantes de sua família, antes de tomar uma decisão quanto a relação deles dois. Hugo quase contou sobre a terrível ideia de Maria Eugênia - que não o consultou na hora de executar o seu plano-, sobre sabotar os arreios para fazer com que sua irmã caçula caísse do cavalo. Hugo já deveria imaginar que a moça fosse capaz de algo do tipo. Completamente astuciosa e obstinada, Maria Eugênia não estava acostumada em não ter o que queria. Ela era capaz de tudo para cumprir com os seus objetivos. De qualquer forma, o rapaz achou melhor ocultar essa parte do irmão das moças. Rafael com certeza não toleraria o comportamento de sua irmã, e aquilo resultaria em uma grande briga. Por felicidade Dalila não teve nada além de um tornozelo inchado. Passaria algumas semanas de cama, o que seria perfeito para Hugo e Eugênia executarem seus planos. - Eu imaginei que pudesse ser algo do tipo, e sinceramente? Não me espanta vindo de Maria Eugênia, mas você... Você, Hugo, costumava ser mais sensato do que isso. Onde já se viu? Um homem na sua idade, armando planos e empreitadas como se fosse um... Um adolescente compulsivo. Ah, por favor... Acha mesmo que vai conquistar a Dalila com essas tramóias?- - Por que não? Sem o tal Noah no caminho, fica mais fácil.- - Olha... Estou impressionado. Maria Eugênia e você realmente se parecem em muitos pontos, embora ainda te ache bem mais coerente do que ela...- - O que quer dizer com isso?- Perguntou Hugo, não gostando do tom insinuante do outro. - Que vocês deveriam ficar juntos, oras.- Respondeu, como se aquilo fosse óbvio. Hugo fez uma careta para aquela afirmação. Não que não achasse Maria Eugênia linda, tão linda quanto Dalila, não era cego. Mas com a personalidade forte que tinha a moça, ele duvidava muito que conseguiria passar um dia inteiro debaixo do mesmo teto que ela. - Não seja ridículo. Para alguém ficar com a Maria Eugênia teria que ser no mínimo um monge... Monges podem se casar?- Hugo perguntou para si mesmo, duvidando de sua afirmação. - Tem razão, você é meu melhor amigo, não posso te desejar uma sorte dessas.- Brincou Rafael, comprimindo os lábios para abafar uma risada. - Com certeza a sua irmã não estaria nada feliz se ouvisse nossos comentários.- Disse Hugo, se divertindo as custas de sua aliada. De longe, da grande janela da sala de estar, Maria Eugênia observava o seu irmão e o amigo conversando no jardim. Estava curiosa para entender o que tanto falavam. Primeiro, o assunto parecia estritamente sério, depois, os dois riam como se estivessem trocando piadas. Aquilo servia de distração para a moça, até acontecer o que mais estava esperando: Noah surgir na sala de estar. Estava há um bom tempo no quarto de Dalila, e da última vez que Eugênia foi averiguar, os dois estavam lendo juntos. Eugênia ainda tinha esperanças de aproveitar aquele dia. Subestimou Dalila achando que a tiraria de cena, porque, de certa forma, a outra conseguiu atrair Noah para o seu quarto. Desde cedo, quando ela ficou confinada na cama, o rapaz não saiu do lado da mesma. Aquilo já estava deixando Eugênia impaciente. E furiosa. Não suportava mais esperar para ter um minuto a sós com Noah. Quando finalmente o viu, não perdeu a oportunidade: - Noah! Que bom te ver. Como está a minha irmã?- Perguntou a jovem, se aproximando. - Não muito feliz por ficar tanto tempo parada… Mas estou conseguindo distraí-la.- Afirmou Noah, dando um sorriso tão largo e iluminada, que seria capaz de incandescer todo o ambiente, que já começava a ficar escuro com o cair da tarde. - Distraí-la?- - Estávamos lendo juntos, era uma biografia de uma escritora que viveu os tempos da primeira guerra mundial…- Maria Eugênia estava começando a ficar enjoada com os detalhes. Não porque não gostava de ler, na verdade, ela também era bastante intelectual, mas, não suportava saber que Dalila e Noah tinham algo juntos, algo só dele. Jamais Noah a convidou para ler, jamais compartilharam um livro, enquanto, com sua irmã… Passou horas com ela no quarto, fazendo exatamente isso. O semblante de Maria Eugênia enrijeceu, nitidamente, mostrando que algo não a agradava. - Algum problema?- Perguntou Noah, intrigado ao ver a mudança repentina nas expressões faciais da outra. - Não, problema nenhum. Só estou com pena da Dalila, afinal, ela ama atividades ao ar livre, e devido ao estado de seu tornozelo não será possível. Bom… Quem sabe, fica para uma próxima.- Ela mordeu os lábios, apreensiva, antes de continuar.- Será que poderíamos sair para cavalgar amanhã? Nem chegamos a tomar banho no riacho. Lá a água é tão cristalina…- - Desculpe, Eugênia, é que eu combinei com sua irmã para continuarmos com o livro. Depois vamos assistir filmes… Enfim, eu me comprometi a fazer companhia a ela nesse período, devido ao que aconteceu.- - Você não vai poder ficar o dia inteiro com a Dalila, Noah. Amanhã o médico vem visitá-la.- Rosnou a moça, trincando os dentes com tanta força, que Noah temeu que o esmalte deles se quebrassem. - Uma consulta médica não é assim tão demorada. Afinal, o médico é o Hugo, e ele já inspecionou o tornozelo dela hoje. Acredito que não vá mudar muita coisa de um dia para o outro.- - Pode acontecer. As vezes na vida acontecem coisas surpreendentes, aonde menos esperamos. Se o Hugo disse que é importante fazer uma visita amanhã, é porque deve mesmo ser. E acredite… Ele gosta de consultar os pacientes a sós, sem opniões de terceiros.- - Por que eu daria a minha opinião? Sou médico-veterinário, não de humanos.- - Não é justo com você passar a temporada que vai ficar aqui, na fazenda, servindo de dama de companhia da Dalila.- - Para mim não é incômodo algum. Dalila é uma companhia adorável. Tem os mesmos gostos que eu, é inteligente…- - Noah, tudo bem. Não vou te convencer a não arruinar suas férias. Se é isso o que quer, tudo bem. Eu posso cavalgar sozinha.- Disse Eugênia, claramente irritada. Ela saiu da sala de estar pisando duro, subindo degrau por grau, batendo os pés no chão, até acessar o primeiro andar e ir para uma das suítes que ocupava no casarão. Sabia que deveria ser mais paciente. Sabia que grande parte dos seus problemas não existiriam se não fosse tão geniosa, mas ela não conseguia se conter. Maria Eugênia era fogo e tempestade, sempre intensa, não tinha como ser diferente. Como forma de extravasar a sua raiva, ela segurou um dos vasos que estava sobre a mesa de chá, e atirou contra o espelho de sua penteadeira. Ela grunhiu, baixinho, espumando de raiva, mas conseguindo conter a vontade cega de gritar até seus pulmões explodirem. Estava com ódio. Como Dalila conseguiu reverter a situação tão rápido? - Se pensa que vou me dar por vencida está muito enganada. Eu não perco, nunca.- Disse Eugênia, para si mesma.- Não sei, mas vou acabar com essa leitura, com os filmes, com tudo! Eu desligo o gerador da fazenda, se for necessário.- Continuou a garota, bastante ofegante. Pouco tempo, batidas apressadas na porta interromperam o momento de Eugênia consigo mesma. - Entra!- Exclamou a moça, o seu tom de voz revelando o quanto estava furiosa. - Perdão, senhorita Maria Eugênia.- Falou uma das empregadas, assim que girou a maçaneta e adentrou o cômodo. Ela fechou a porta, antes de continuar.- Eu ouvi o barulho de algo quebrando…- A jovem nem chegou a completar sua frase. Arregalou os olhos, assustada, ao ver os cacos de vidro da penteadeira, espalhadas pelo chão, assim como pedaços do jarro de porcelana, que também fora quebrado. - O que foi? Nunca viu um espelho quebrado?- Perguntou Eugênia com grosseria. - O-o que aconteceu?- Perguntou a garota, ainda perplexa. - Não é da sua conta. Você é paga para trabalhar, não para cuidar da vida dos outros. Limpa tudo e some da minha frente, porque hoje eu não estou com a menor paciência para empregadas tagarelas.- - Sim, senhora.- A moça engoliu em seco, antes de se apressar para fazer exatamente o que Eugênia mandou. Ela recolheu os cacos e se certificou de que estava tudo limpo, antes de se retirar. Algumas horas depois, quando se aproximava do jantar, Eugênia ouviu as funcionárias comentando entre si, pelo corredor, que o jantar de Noah e Dalila deveriam ser servidos no quarto da moça debilitada. Obviamente ela não teria como descer as escadas até a sala de jantar, e em solidariedade a ela, Noah também permaneceria recluso dos demais. Eugênia estava a ponto de atirar os dois pela sacada. Antes de se arrumar para o jantar, ela foi espiar Noah e Dalila pelas frestas da porta. Os dois ainda estavam lendo o tal livro que o rapaz mencionou mais cedo. Dalila terminava de ler para ele, em voz alta, e logo depois, ambos faziam comentários, expressando suas opiniões quanto ao assunto. Depois, ela passou o objeto para Noah, para que ele também lesse um pouco em voz alta. As pernas de Eugênia estavam trêmulas, assim como os seus lábios, de tamanha raiva que a consumia. Não conseguiu sair dali, não conseguiu deixar de espiá-los. Aproximadamente uns vinte minutos se passaram, sem que Maria Eugênia saísse do canto da porta, com os olhos bem atentos em sua irmã, e no garoto que as duas gostavam. O que mais a incomodava eram os olhares de flerte que eles trocavam. Dalila não escondia o seu interesse, e Noah também parecia muito interessado por ela. Aquilo foi como um golpe fatal para Eugênia. A mesma continuou imóvel, quase sucumbindo com sua raiva, até ser flagrada pela empregada, que trazia uma bandeja com o jantar dos dois. - Com licença, senhora.- Disse a empregada para Eugênia, já que a mesma estava no seu caminho. Como a porta estava meio aberta, os que estavam dentro conseguiram ouvir com maior nitidez o que era dito na soleira. - Maria Eugênia. Não vi que estava aí.- Disse Dalila. - Acabei de chegar. Só vim ver se estava tudo bem, mas já que está com companhia…- - Pode ficar conosco, se quiser.- Rebateu Dalila, com um tom de voz provocativo e insinuante. - Não, não, obrigada. Eu vou me arrumar para o jantar, estou com fome. Fico aliviada que não esteja sozinha.- Disse Eugênia, nitidamente deixando claro que suas palavras não eram verdade, já que seu semblante a contradizia. Em seguida, ela se retirou dali, deixando um olhar fulminante para a empregada, que acabou a entregando. Depois do jantar, Eugênia voltou a se confinar em seu quarto. Passou o resto da noite bolando estratégias, para afastar de vez Dalila e Noah. O rapaz demorou até ir para o próprio quarto, estava mesmo obstinado a fazer companhia para a outra garota. Eugênia, no entanto, só esperou que ele saísse, para ir ela mesma até o quarto de Dalila. Aproveitou que sua irmã já dormia, sob efeito de remédios, e adentrou o cômodo em que ela estava, na ponta dos pés, pegando o livro que estava na cabeceira, e indo com o objeto até a sala de estar. A lareira estava ligada, mas ninguém estava ali. As vezes, os seus pais tinham costume de ligá-la, mas logo em seguida sumiam, juntos, e o fogo continuava ali, aquecendo o cômodo inutilmente. Eugênia conferiu quantas páginas terminavam para acabar o livro, ficando feliz ao constatar que ainda tinham dez, frente e verso. Seria divertido acabar com a diversão de Noah e Dalila, porém, mais divertido ainda, saber que não leriam juntos o final da história. Sem hesitar, Eugênia jogou o livro no fogo, assistindo, satisfatoriamente, toda a celulose do papel queimar, até se reduzir em cinzas. - O que está fazendo?- Perguntou Rodrigo, um de seus irmãos, surgindo nas suas costas. Eugênia voltou-se para ele, sobressaltada, sem conseguir disfarçar o susto. - Por que está queimando um livro?- Perguntou o rapaz, estranhando o comportamento da irmã, já que a mesma parecia fazer algo errado. Maria Eugênia não conseguiu responder de primeira. Permaneceu parada, com o coração palpitando. Ainda não sabia o que iria dizer para despistá-lo.
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