I. O Amor é Violento e Puro

2044 Words
Costa de Keb, Camboja, 15/01/2000 Permaneci deitado, naquele grande salão, acorrentado àquela cama, por tanto tempo quanto não posso contar. Sentir o movimento do Firmamento, as vidas desdobrando-se para tentar seguir em meio a dias de noite, foi complexo. Creio ter ficado apático, fitando o teto, a todo tempo. A cabeça conseguia processar o novo sentido: ver, ouvir e tocar, tendo as sombras como receptores. Quando os suicídios diminuíram, cessando a oferta de vidas, foi mais fácil me reordenar como criatura. Vitor e Cam entraram para me observar, algumas vezes. Uma pequena parte do sangue de Cam ainda habitava meu estômago. A sobrenaturalidade de bebê-lo já me tocara, mas o aspecto físico era lentamente processado pelo corpo. — Sade. — Ouvi a voz doce de Cam me chamar. Ela sentou-se próxima a mim, olhando-me. — Como se sente? — Completo. Tudo começa a apaziguar. Ainda cobrimos o globo, mas junto a calma, também estou recebendo compreensão — respondi. — Fome? — Ela deu um sorriso de canto de boca. — Um pouco. — pedi, sentindo um arrepio alastrar-se. — Eu dou. Ela tomou de uma lâmina, cortou a palma de sua mão e aproximou de minha boca, deixando o sangue cair. Foi um gole generoso. Agitamo-nos. Foi intenso voltar a consumir poder! Ainda mais luxurioso, dado o fato de o poder vir na forma de um escurecido, porém, adocicado vinho, que mais se assemelhava a uma iguaria dado o alto teor de ferro. Enquanto trevas dançavam no quarto, permaneci imóvel. Tonto, ouriçado, ????????. — Com a saciedade do sangue… ainda julga necessário recorrer às outras formas de se alimentar? — Cam indagou, após lamber a ferida a mão. Suspirei, tentando me concentrar para me estudar. — Ainda preciso comer, mas a corrupção da vida que o sangue propõe é levemente satisfatória. — Sorri, explicando-a. — Se eu puder ter, pode ser você!? O corpo voltou a arrepiar. — Prometo que, na próxima, virei para isso, tudo bem? Ela sorriu, levemente acanhada. — Quando serei solto? — Quando terminarmos. Precisamos entender como lidará com a fome e se atacará alguém por aí. — Ela riu. — Se estivesse solto, agora, com certeza, atacaria você. Não consegui não observar seu corpo, imaginando-o em cima de mim. Eu nem precisava ser solto, apenas tê-la. Ela tentou esconder um sorriso acanhado, sem sucesso, mas saiu, sem me responder. Observei enquanto pude, mas quando a perdi de vista, voltei a me deitar. Apesar de selamentos nas correntes me impedirem de sair, eu ainda podia usar do novo sentido para observar a casa — infelizmente, não podia interagir. Conforme me tornei mais dono de mim, suprimi a percepção para não enxergar além do quarto, como fechar os muitos olhos que eu tinha espalhados pelo mundo. Sim, foi lastimável fazê-lo, mas se a capacidade de raciocínio me era importante, eu não podia ficar observando as pessoas para não sentir fome. O entra e sai do quarto não cessou, mas Vitor tornou-se meu único visitante. Eu ficava agoniado, obrigado a observar alguém, que eu desejava tanto, passando por mim sem poder tocá-lo, mas não foi tão tortuoso dado o tratamento carinhoso que ele sempre me entregou. — Infelizmente, experimentaremos deixá-lo com fome por alguns dias — Vitor me disse, pesaroso, numa das visitas. — Fome de sangue? — Também… — Para observar o tal frenesi alimentar? — perguntei. — Ghannonal-tam é nome que damos ao estado nublado da mente onde só pensamos na sede de sangue, somos movidos apenas por ela. Seja um massasdama, vampiro, ou al-ashbal, humano que consomem vitae. — Ele disse, solene. Assenti com a cabeça, curioso com a seriedade. — Al-hayjan. É como nomeamos, recentemente, o estado onde Sua mente é nublada pela fome. É uma fome diferente, você não busca sangue como eu, ou Cam. Por isto a necessidade de uma nomenclatura diferente… — E… o que isto significa… para mim? — perguntei, rindo, afinal pouco faria diferença o nome que dariam. — Na prática, por que isto me é relevante de alguma forma? — Queremos estudar como ambos os fenômenos se manifestarão. Se teremos um único… o al-hayjan, muito mais intenso e perigoso… ou se seu quadro evoluirá do ghannonal-tam até atingir o ponto ápice num al-hayjan. Talvez até tenhamos um terceiro estado, queira nosso Grande Senhor Ahriman que não! — O Pai nos será bom… Entendi seu ponto. Numa escala de zero a três, sendo o mínimo zero e o máximo três, qual o nível de periculosidade para vocês? — Preocupei-me. — Dois. Se quiser um decimal para entender melhor: dois vírgula vinte e cinco. Atribuindo à quarta parte, todas as imprevisibilidades que podemos sofrer. Suspirei e fechei os olhos, suprimindo a preocupação. — Já tive com quase todos os meus amores… — falei, nostálgico. — Não o ferirei antes de tê-lo. — Sorri, olhando-o, realmente confiante. — Esperei muito… olhar, mas não tocar… tocar, mas não provar… Não vai ser agora! — Fico feliz de servir como bastião para Sua vontade. — Ele sorriu, acanhado. — Voltarei logo, Sade. Resista! Assenti e voltei a olhar para o alto. Inicialmente, como já era habitual, não diferiu muito. O tédio me trouxe reflexões, em meio a elas, pensando em minha língua-mãe, para facilitar Vitor e nossas análises, nomeei ghobash, o sentido que me permitia ter as sombras como receptores táteis, olfativos, auditivos e degustativos. Ri da pouca imaginação que tinha para tal. Logo, os sintomas habituais chegaram. Letargia, incapacidade de raciocinar… Extrema excitação, inquietude, aflição, dor… Através do ghobash, cada movimento no salão me era motivo para gozar. O corpo ficou muito sensível. Dada a impossibilidade de me masturbar, a alternativa foi sentir e tentar extrair mínima comida destes estímulos. Demorou, mas quando Vitor percebeu o que ocorria, ele deixou de entrar no quarto. Aí, eu enlouqueci! O pouco do corpo que eu podia mover, eu movi, apenas buscando por estímulos que me dessem mínima saciedade. Insano! Tentei lidar com as correntes, em vão, ao custo de feridas nas pernas, braços, pescoço. Quando os pequenos começaram a lidar com as feridas, foi tão orgástico que acabei apagando. *** Despertei, ofegante. Cam andando pelo quarto era o que causava o intenso estímulo. Não tardou para meus olhos falharem tentando enxergá-la. — Pequeno. — Ela chamou. Senti sua voz passear por cada centímetro de meu corpo. Estiquei, agudo como a fina nota que precede orgasmos. Ela parou ao pé da cama, cessando o estímulo. — Eu preciso comer! — Só consegui pedir. — O que quer? — Cam perguntou, subindo na cama e começando a passear sobre meu corpo. Não consegui responder. Senti o agudo princípio do orgasmo quando sua boca engoliu meu ??????. Meu corpo estremeceu pelo breve tempo que ela mostrou saber o que estava fazendo. Voltar a gozar foi tortuoso. Os pequenos começaram a correr em meu corpo. Lidaram com as feridas das muitas ejaculações. Acumularam-se em meus pulmões para lidar com a hiperventilação. Lidaram com o cansaço que começava a tocar meu coração. Olhei para Cam e ela mordiscava o lábio, tinha um largo, satisfeito, sorriso no rosto. — Pode continuar assim para mim? — Ela perguntou, voltando a escalar meu corpo. Não consegui não respondê-la. O pouco de energia que me era possível comer, eu o fiz — infelizmente, na velocidade que os selos me impunham. Quando ela se aproximou, eu a beijei, tentando consumir mais. Agitei-me, numa ??? sucedida tentativa de me soltar. Ela observou, rindo, mas surpreendeu-me sentando em meu colo, apoiando os braços em meu peito enquanto me devorava com seu cinza olhar. Era quente, muito apertado. Senti-la subir e descer era sempre um ápice! Comecei a comer avidamente ao ponto de não conseguir me concentrar na tarefa de manter o corpo em movimento. Só consegui fitá-la, tentando lidar com a tensão do corpo. Outro momento ápice aproximou-se. Foi necessário intervir novamente para devolver saúde ao meu corpo, afinal, ela não parou. O corpo começou a estremecer, sucedido pelo estremecer dela, mostrando que seu ápice também se aproximava. Seu rosto avermelhou e ela começou a subir e descer mais devagar, aproveitando-se para se estimular ainda mais. Quando comecei a senti-la contrair, gozei; não tardando para seu doce, alto, gemido anunciar seu orgasmo. Com os olhos fechados e um sorriso no rosto, ela relaxou sobre mim, conduzindo-me a senti-la mais fundo. Àquela altura, eu não queria parar. Cam correspondeu, mantendo o suave, lento, movimento do quadril. Virou-se, tomou uma pequena lâmina e cortou a palma de sua mão. Senti a consciência oscilar com o cheiro do sangue. Ela sorriu, lasciva, e aproximou a mão para eu beber. Felizmente, não me era possível mover-me, senão eu teria a atacado para beber tudo. Beber enquanto ela dançava com o quadril foi ensandecedor — um momento pouco inteligente, eu diria. Quando a saciedade do sangue chegou, imediatamente senti sono. Como se tivesse tomado uma pancada bem forte na cabeça, fiquei tonto, perdi a coordenação motora. — Como se sente? — Ela perguntou, voltando a relaxar. Ainda gemi, sentindo-me penetrar mais fundo, em resposta ao relaxamento do corpo dela sobre o meu. — Eu… não… sei… Ela deitou o corpo e lentamente tirou-me de dentro. Após um beijo, ela deitou a cabeça em meu peito, em silêncio. — Quer mais? — Ela quebrou o silêncio. — Sim… mas, não devo. Estou tonto. Ela descansou a mão em meu peito. — Há quanto tempo não dorme? Sabe dizer? — Não sei — respondi, realmente incapaz de contar. — Tenta dormir… Assenti e tentei relaxar o corpo. Demorou, mas eu consegui dormir, sem a necessidade de ser levado pela exaustão. Uma grande vitória! Não sonhei e quando despertei, ela ainda estava sobre mim. Já me era possível raciocinar — o que me foi um alívio! Diferente de outro momento, não sofri com a perda de memória, que sempre me tocava quando eu me exacerbava. Difícil dizer se era positivo ou não. A perda de memória ainda preservava a sanidade com muito mais eficiência! Lembrar de toda a intensidade, sempre me faria desejar mais… entretanto, naquele momento, não me ative. Tentei beijar sua testa, mas o grilhão no pescoço me impediu. Logo, resumi-me a um beijo em sua cabeça. — Despertou? — Ela indagou, olhando-me. — Está bem? — Claro. Não morrerei de sexo! — Ela riu, me beijando. — Como foi a avaliação? Estou livre? — perguntei. — Preciso ter com Vitor para decidirmos juntos. — Segundo sua avaliação… posso ser livre? — Sim, é possível… Surpreendeu não atendendo nada do que eu estava esperando. Ainda foi muito mais lúcido. Estou particularmente muito feliz com isto… e com você. Era muito positivo, afinal ela não elogiava tão facilmente. Tampouco o fazia com um sorriso tão bonito no rosto. — Lembra? — Ela perguntou, observando-me, analítica. — Sim. É intenso, mas eu lembro. — Nos últimos anos, houve momentos em que você estava tomado pela fome. Consegue se recordar de cada um deles? — Não. É muito nublado. Lembro de interagir com você algumas vezes, mas especificamente o momento de comer, não me é claro. Nem sei como se deu. Engoli seco, em negativa. A fome já era minha maior inimiga… saber que, em algum momento, ela esteve sob controle de mim era simplesmente apavorante. — Então, presumimos que sua última refeição, não teve nada similar a um estado controlado por fome… — disse ela, parecendo pensar alto. — Apesar de instável… um pouco fora de mim… estava bem até sentir o cheiro do sangue. Não consigo lidar com a intensidade que ele me impõe — falei, em negativa. — Posso compreender o porquê. — Ela me beijou e sentou-se. — Preciso ir. — Posso beber água? O corpo realmente começava a pedir e fazer os pequenos lidarem com esta necessidade me afastaria demais da pouca vida que eu tinha. — Sente fome de comida? Sede de água? — Ela riu. — Fome, não, mas, não comer deve ser problemático. — Pedirei que Lia o sirva água e você pode ter uma refeição, quando eu e Vitor terminarmos de deliberar. Assenti. Ela levantou, um leve cheiro de sangue antecedeu o movimento de alguns dos pequenos acumulando-se sobre ela, para vesti-la. Ela me cumprimentou, formal e partiu.
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