II. O Amor é a Resposta e a Cura

2269 Words
— Decidimos que o soltaremos. — Vitor disse. Ele e Cam entraram ao salão juntos, ela parecia aliviada. — Existem proibições que imporemos. — Cam disse. — O consumo de sangue está restrito ao meu. Somente em casos extraordinários, você poderá recorrer a outros, mas, se possível, não consuma sangue humano. — Ao lidar com Sua fome também deve ser prudente. Assistido por mim, suas irmãs ou por Cam. — Vitor seguiu. — Estar em minha família significa ser introduzido a sociedade vampírica. Em reuniões com o Harih, ou outros massasdama desconhecidos, mantenha distância. Preserve sua identidade, o máximo que puder ou conseguir. — Ainda não é o meu objetivo chacoalhar toda a sociedade sobrenatural, Cam. — Ri de canto de boca, observando o quanto ambos estavam apreensivos. — Dias de trevas já agitaram o suficiente! — Vitor riu. — Presumo que mudanças serão comunicadas — falei, acostumado com estes procedimentos e regulações. Ambos assentiram, aproximando-se. Cam lidou com os selamentos e Vitor, com os grilhões. — Levarei você ao quarto. Tome seu banho e depois junte-se para sua refeição. — Cam sorriu. Sentei-me, assentindo. Felizmente, os pequenos passeando por meu corpo impediam-me de sofrer da fraqueza dos ᴍᴇᴍʙʀᴏꜱ, inerente da falta de exercícios. Ainda movimentei os dedos, mãos e pés, braços, cabeça… devagar, estudando como meu corpo estava. — Dificuldades? — Vitor preocupou-se. — Não. Sem fraqueza, atraso… letargia, ao menos, que eu possa perceber. Pareço lento? — Me parece muito bem. — Ele respondeu, sorrindo. Eu sabia o que aquele sorriso significava, mas me contive e levantei para acompanhar Cam ao quarto. A decoração era bem gótica, o mosquiteiro sobre a cama era belo, costurado com a seda ɴᴇɢʀᴀ que o templo preparou para me proteger do sol — tornou a cama mais agradável. O nível de luz estava mais baixo. — A partir de hoje, este é seu quarto. — Cam disse. — Como já sabe, o armário tem roupas. A penteadeira tem cosméticos, se sentir falta de algum, notifique e lhe daremos. Todo o necessário para assear-se está no banheiro. — Obrigado, Cam. — Sorri, beijando-a no canto da boca. — Bom banho! Deixarei uma de suas irmãs na porta para você não se perder tentando chegar ao salão de jantar. Ela deixou o quarto e eu fui ao banheiro. A chama avermelhada em candelabros era o que iluminava o banheiro. A banheira era vermelha como sangue, criando uma ilusão de ótica muito apetitosa, quando cheia com água. Parei na frente do espelho e eu estava precisando de alguns cuidados, principalmente com a barba. Eu sempre tive pouca e, naquele momento, este pouco dava ao meu rosto um odiável aspecto sujo! O cabelo estava começando a passar dos ombros. Não cortei, pensando em seguir cultivando-o para suturas emergenciais, mas o lavei com muito carinho. Cortei as unhas. Lidei com outros pelos do corpo. A saúde bucal. Quando deixei o banheiro, me sentia outro homem. Foi algum tempo, no mar ou preso no salão, que não tinha como me assear. Gozando do retorno da vaidade, demorei para me vestir, pentear os cabelos, me perfumar. Algumas joias estavam dispostas para meu uso. Eram joias de ouro branco ou prata, em sua maioria. Perfeitas! Deixando o quarto, Ísis, a mulata de sorriso doce, estava na porta. Ela me cumprimentou. — Pode me ajudar a chegar ao salão de jantar? — pedi. — Claro, Sad- pequeno. — Ela corrigiu-se, gesticulando para eu acompanhá-la. — Como foi o banho? — Muito agradável. Após meses de banhos coletivos… algumas semanas no mar… o tempo detido… o tempo preso no salão… não poderia ser melhor! Orgástico! — Isto é ótimo. Se me permite dizer, está perfeito. — Ela sorriu, doce, olhando-me sobre os ombros. Muita lascívia passeou por meus pensamentos, mas, prudente, eu não vocalizei. Não precisamos tomar o elevador para chegar no salão de jantar. Ainda era, relativamente, fácil chegar. Infelizmente, os corredores muito similares eram o que tornavam a localização difícil no interior da grande construção. No salão de jantar, alguns castiçais e um grande lustre, com a mesma chama avermelhada do banheiro, eram responsáveis pela iluminação do local. Cam e todas as irmãs estavam à mesa. Pela primeira vez, me reuni com todas. Apenas duas eram europeias, as outras dividiam-se entre asiáticas ou africanas. Todas trajavam roupa tática e estavam com suas pistolas no coldre, as grandes armas descansavam num pequeno suporte na cadeira, do lado oposto ao de sua mão hábil. Sua vaidade com maquiagem, unhas pintadas, alguns penteados muito bonitos, as distinguia muito, uma da outra. Todas ostentavam o cinza olhar, alguns selvagens, outros carregando menos indício de sua natureza predadora. Após trocarmos cumprimentos, sentei-me ao lado de Vitor. Suas bochechas coraram levemente, ouvi as trevas em seu íntimo agitarem-se. O princípio de uma ereção estampou um sorriso em meu rosto, mas respirei fundo para voltar a atenção a refeição. A mesa estava servida principalmente com taças. Eu e Vitor éramos os mais diferentes, não somente por sermos os únicos homens à mesa, mas por termos pratos acompanhando as nossas taças. Cam levantou-se, com algumas moças, serviu um vinho avermelhado na taça das moças e um vinho mais escuro para mim e Vitor, junto a nossa refeição. Um solene silêncio imperou enquanto comíamos e elas tomavam seu vinho. — Já posso trabalhar… ou devo aguardar? — perguntei, ao fim da refeição, tomando minha taça. — Imagino que compreenda a impossibilidade de voltar a Marinha… — Cam disse, fechando o semblante e me olhando de canto de olho. — Acalme-se. Sei que não sou mais um fuzileiro americano. — Eu ri. — Sua passivo-agressividade é linda. — É seu maior charme. — Lia concordou, rindo. — Ainda há trabalho como cultista, como ᴍᴇᴍʙʀᴏ do Harih ou do Khmer. — Ela disse, em negativa, rindo. — Razoável… como consigo ser atribuído? — Deliberamos… você conhece nossas atividades atuais… com base nisto, adequamos um lugar para ti. Assenti. Enquanto tomávamos o vinho, todas me indagaram sobre como me sentia. A preocupação era generalizada, mas, felizmente, facilmente contornável. Após o asseio, fui ao salão, usado como sala de estar. Vitor, Cam e Lia estavam reunidos, bebiam do vinho escuro. — Os rapazes do Khmer não ficam pelas proximidades? — perguntei, sentindo falta de alguns deles. — Estão numa instalação, no extremo norte da propriedade. É sua base. — Cam disse. — Entendo… devo me juntar a eles? — Não pode. Como senhor, é ultrajante acomodar-se lá… Sem contar o perigo que pode impô-los, não somente por sua fome, mas também pelo alvo pintado em suas costas. — Não farei objeção, não se preocupe. — Sorri. — Com o que estamos trabalhando, no momento? — A reunião de cultistas no templo já ocorreu. Poucos estão fora a trabalho. — Lia disse. — A fração de Bakir, espalhados no globo; o destacamento enviado à Palestina para guarnecer Al-Husayni e os nossos Corsários, que ainda guardam toda a costa médio-oriental. — Isto é fortuito. — Assenti com a cabeça, satisfeito. — Ab Kahin Dário, tem uma forma de localizar as aberrações. — Vitor disse. — O culto-irmão demorou, não entregou locais, mas, sim, uma forma de encontrá-los. — Esta é uma das prioridades… — pensei alto. — Sim, o comprometimento do culto-irmão é outra. — Cam disse. — Ainda não sabemos por onde começar, mas exploraremos o cenário antes de concluirmos invadi-los. — Uma resolução nos impede de hostilizá-los. — relembrei. — Se eu não o farei, espero o mesmo de todos. — Ab Kahin Dário foi claro quando proibiu hostilidades ao culto-irmão. Elevou a níveis extremos, tornando a mera citação a algo do tipo, passível de severa punição! — Cam esclareceu. — Pelo que sei de sua reunião com eles, posso compreender o porquê de uma medida tão drástica. Fiquei feliz com a postura, mas tentei manutenir sobriedade e não esboçar nenhuma reação, com sucesso. — Quanto aos nossos infratores, como estamos? — perguntei, após um longo suspiro. — Sabemos estarem em oito. — Lia assumiu a palavra. — Segundo o que recolhemos, operam por todo o mundo, uma fração no Ocidente, uma fração no Oriente. Temos os seus rostos, mas está difícil chegar até eles. — Estamos inoperantes desde o novo ano gregoriano — disse Cam. — Logo, invalidamos qualquer informação que tínhamos antes do famigerado ano 2000. — Claro. Começamos as buscas de novo, não me é um problema fazê-lo. — Assenti, ansioso para sair. — Não terei muita dificuldade. Enfrentarei a instabilidade que a traição me impõe, mas posso lidar comendo. — Tenho uma missão. — Lia disse. — Se a mãe permitir, você pode vir. Preciso ir à finada USS Fian. Possivelmente, angariaremos algo do saque dos seus. — Não consigo imaginar onde ela está. Durante o tempo na Jundallah, não lidei com nenhum armazém de embarcações abalroadas — falei, pensando se realmente conseguia me recordar de algo parecido, em vão. — Sei onde está. Não se preocupe! — Ela sorriu. — Antes de liberá-lo para isto, dada a alta possibilidade de estresse, faça outra coisa enquanto lidamos com a logística. — Cam disse, impositora. Olhei para a janela e o tempo estava nublado lá fora. “Justifica o humor!”, pensei comigo. — Precisaremos mover a inteligência. — Lia assentiu. — Tenho pessoas que quero ver. Posso fazê-lo enquanto me proíbem de voltar a ativa? — pedi, olhando para Cam. — Quem? — Ela perguntou, cruzando as pernas e recostando-se no sofá. — Quero ir ao templo ver todos os filhos. Ir à Palestina ver Zayn, Isa, Ali, Sharaf… Fate. Quero ver Lena, a tripulação… sinto muita saudade de todos. — Nossa antiga tripulação está em Meca. — Vitor disse. — Para não devolvê-los à América, “sequestramos”. Como não era uma tripulação tão relevante, a Marinha não está movendo nenhum recurso para recuperá-los. — Desgraçados! — reclamei, em negativa. — Ao menos, estão seguros, não!? — Olhei para os três, preocupado. — Sim, estão. Podemos garantir. — Vitor disse. — Ótimo! Por enquanto, são essas pessoas que quero ver. — Sorri. — Vitor pode vir, se a senhora não se incomodar. Suas bochechas coraram e ela não respondeu. “Senhora!?”, ouvi ela perguntando-se, intimamente. Acabei rindo de seu constrangimento. — As famílias de nossos antigos companheiros estão recebendo devida escolta dos meus. — Vitor sorriu, parecia satisfeito com o feito. — Imaginei que teria este cuidado, logo, sugeri que meu Patriarca o fizesse. — Isto realmente me deixa feliz, Vitor. Obrigado pelo cuidado… sempre muito atencioso. Acabei emudecendo ele também. Olhei para Lia e ela gargalhou, dizendo: — Servirei mais vinho antes que eu perca as palavras! Gargalhei. Ela levantou para nos servir. Cam e Vitor mantiveram-se silenciados, fugindo o olhar de mim por todo o tempo em que Lia serviu nossas taças. — Dissidentes, aberrações… — Tentei quebrar o silêncio. — Algo que devemos nos preocupar no Harih ou no Khmer? — O Khmer está na base. Não os removerei num momento tão sensível. É inadmissível estar vulnerável! — Compreendo… — As atribuições com o Harih, no momento, são poucas. Após a ajuda no Vietnã, eles devem nos deixar quietos por algum tempo… ou até necessitarem usar o Camboja para algo. — Lia disse. — Ao menos, é minha projeção. — A necessidade, dado o êxodo, pode ocorrer a qualquer momento. Os Dakin, que não servem ao culto, infelizmente estão bastante ouriçados… isto é terrível, prenúncio de guerra civil. — Cam suspirou, em negativa. — Serão engolidos por nossas trevas — falei, com um sorriso lascivo tomando meu rosto. — Não se preocupem com os Dakin das facções, exceto se eu pedir por eles. — Sem a necessidade de dar atenção ao Harih ou Khassa, nos sobra mais tempo e pessoal para lidarmos com a dissidência. — Vitor analisou, finalmente voltando a falar. — Isto demorará e eu não posso ir a campo. — Respirei fundo. — Não reclamarei muito. — Ri. — Contudo, se não posso estar em conflitos, trabalharei revendo os meus e, se possível, lidando com a pacificação que desejávamos instaurar, ao menos no nosso atual território de atuação. — É agradável. Eu o acompanho, Sade. — Vitor sorriu. — Ainda tirarei hoje e amanhã para descansar e lidar com os preparativos da viagem. — Expliquei, olhando para Cam. — Não quero usar veículos para viajar, mas posso lidar com os atalhos criados pelos pequenos. É seguro! — Muitos têm evitado lidar com os portais, pensando na possível instabilidade que podem sofrer, dada a massiva quantidade de trevas que tomou o mundo. — Os portais são estáveis. As sombras podem estar mais intensas, mas não serão nocivas para vivos ou mortos que utilizarem. Logo, Luna reaprenderá a dormir durante o dia. Nossas sombras permearão criaturas, inteligentes ou não. Isto me aproximará de tudo, mas retornará os ciclos de Hélius a normalidade. Não espero tantos problemas. — Vê-lo referindo-se à lua e ao sol por seus divinos lhe dá um charme, muito particular. — Cam riu. — Agradeço… mas, não comece, nada que não pretende terminar… Senão, você não trabalha hoje! Fitei seus olhos, sorrindo de canto de boca. Ela silenciou e tomou sua taça. — As boas novas me são muito agradáveis. — Vitor sorriu, tentando tirar o alvo dela, aparentemente. — Sem dúvida. É muito mais fácil caçar durante a noite, mas as baixas humanas começam a se somar em números perigosos. — Cam disse, com olhar analítico. — Não se preocupem. Não faltará comida! — Sorri. — Se tudo der errado, eu ainda posso alimentar todo o culto.
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