Outro homem

2164 Words
Júlia quase ficou sem ar com todo aquele interrogatório. Tinha calculado o tempo certo para voltar para casa antes de seu pai, que sempre costumava passar o final de semana em clubes para homens, mas não contava com a vinda repentina do Rodrigo. Sabia que, assim como a grande maioria dos homens, o seu noivo se divertia com as mulheres do cassino, aquilo nunca foi um problema para Júlia, até mesmo porque ela não sentia a menor vontade em dedicar uma boa parte de seus dias com a companhia exaustiva dele. A vinda inesperada do homem arrancou-lhe as palavras, mas Júlia sempre foi boa em pensar rápido. — Ora pipocas, esqueceu que o nosso jantar de noivado é na próxima semana? E-eu estava pesquisando itens para o cardápio. — É mesmo? E por que foi sozinha? — Rodrigo cruzou os braços. — E nem adianta dizer que estava com a Soraia, porque eu a vi com os pais no restaurante Caçarole, antes de chegar aqui. — Até onde sei tenho braços e pernas. Não dependo da Soraia ou de outras pessoas para cumprir com as minhas obrigações. — Não gosto que fique saindo sozinha de casa. Você saiu tão silenciosa que até mesmo os seguranças te perderam de vista. — Eu odeio sair com esses cães farejadores no meu encalço. Assim como eu odeio que você fique se comportando como se fosse meu dono, querendo me dar ordens. — Muito em breve serei o seu marido, Júlia. Você me deve, sim, obediência. — Rosnou Rodrigo, alterado. — O meu marido, não o meu dono. — A jovem enrijeceu o corpo e apertou os punhos com força. — Vai me privar de passear? — O que está acontecendo? Que gritaria é essa? — Perguntou Anastasia, mãe de Júlia, vindo acompanhada de uma das noras. — Julinha, aonde esteve? — A mulher voltou-se para a moça mencionada. — Apenas fui passear, mamãe. Estava pesquisando itens para o jantar. Eu não tenho o direito de querer que a minha festa de noivada seja perfeita? — Júlia não pensou duas vezes ao recorrer para a chantagem emocional. Afinal, não era exatamente a emoção que conduzia as mulheres, segundo os homens? — Eu não quero que a Júlia fique saindo sozinha por aí. Sabemos muito bem o porquê de Aventine está perigosa como está, por isso ralhei com ela. — O Rodrigo está me enchendo as medidas com isso e não vou admitir que queira me pôr uma coleira. — Rebateu Julia, voltando-se para o seu noivo. O homem a destinou o seu olhar mais sombrio de raiva e Júlia estremeceu só de imaginar o que ele lhe poderia fazer se fosse o seu marido. Não haveria uma lei para protegê-la. Júlia estaria totalmente nas mãos daquele tirano, uma versão piorada de seu pai. — Eu vou ser o seu marido, Júlia, deveria ter mais respeito por mim. A moça sentiu a língua crescer para disferir alguns impropérios, mas conseguiu se controlar. O seu pai poderia aplicar-lhe um castigo severo ao saber daquilo. — Gente, por favor, vocês estão à flor da pele. O noivado de vocês já é na semana que vem.— Interferiu Anastasia. — Acho que seria de bom tom você tomar um banho e esfriar a cabeça antes de falar com o seu noivo.— Sugeriu Theresa, segurando a cunhada por um dos braços e a guiando na direção das escadas. Júlia lançou um último olhar fulminante para Rodrigo antes de se direcionar para o andar de cima. — É melhor ir para a sua casa, Rodrigo. Outra hora você conversa com a Julinha.— Aconselhou Anastasia. Silenciosamente, Rodrigo acatou o pedido da sogra e foi para casa. — Papagaios. Se continuar assim, o casamento vai azedar.— disse Clarice, preocupada. A mulher estava bem instalada na poltrona da casa, girando o copo de uísque que levava em uma das mãos. — Vire essa boca para lá, mamãe. Sabe muito bem que o casamento com uma Santiago será muito importante para o meu futuro. — Eu sei, nunca neguei. Mas não finja que você não é apaixonado por aquela moleca metida a progressista. Eu percebo um certo brilho nos seus olhos… — Ah, mãe, dá um tempo. Não vê que estou tiririca com esse sumiço da Júlia? Algo ela anda aprontando. Mas pode deixar, porque quando a Júlia estiver casada comigo, eu corto as asas dela. Não vai colocar os pés para fora de casa se não tiver um bom motivo. — Por que tanto ciúmes? Credo. — Porque lugar de mulher é em casa. A culpa da Júlia ser desse jeito foi porque Eugênio permitiu que ela fosse para a universidade. — Ela sabe dobrar o pai. Sempre consegue o que quer. — É, mas não vai me dobrar. Júlia perde muito tempo lendo, é isso. Vou queimar a maioria dos livros dela também. — Não diga isso em voz alta, pode fazê-la querer desistir. — Eu sei o que faço, mamãe.— Rodrigo bufou, exasperado, em seguida passou os dedos nas mechas loiras de seu cabelo desalinhado.— Não sabe a vontade que tive de dar umas boas tapas na Júlia, passei a tarde inteira esperando por aquela peste. Ah, mas se ela já fosse minha esposa levaria umas boas palmadas. — Se controle, meu filho. Lembre que você pretende substituir o seu pai na prefeitura. Precisa se mostrar um marido amável. — Eu preciso me mostrar um homem firme, coerente e de pulso. Não posso ter uma esposa doidivanas. Sinceramente? Se a fábrica não fosse uma mina de dinheiro eu desistiria desse casamento. — Não acho que desistiria. Você é apaixonado pela moça. — Ah, mamãe, por favor, não me encha as medidas com isso. Eu preciso arranjar uma forma de ficar com os dois olhos bem atentos na Júlia até o dia do nosso casamento. Depois, aquela cabeça de vento irá dançar conforme a minha música. — E o que pretende fazer? — Vou colocar alguém no encalço da Júlia. Vou descobrir o que ela tanto faz pelo centro. … Durante o jantar, Júlia foi obrigada pelo pai a permanecer ao lado de Rodrigo, que acabou retornando para a casa dos sogros, a convite de Eugênio. A moça passou a noite inteira de cara fechada, apenas ansiando a chegada do outro dia para o seu encontro com Thomas. Thomas Ela não conseguia parar de pensar nele. Vez ou outra encontrava-se perdida em pensamentos, mas Rodrigo sempre arranjava uma forma de trazê-la para a realidade. — Eu acho que vinho branco será uma ótima opção para o nosso jantar, não acha? A cozinheira me disse que terão muitos pratos com frutos do mar em sua base. — Sim, sim, claro.— disse Júlia, sem muito entusiasmo. A mesa do jantar estava cheia com a família da jovem, quase parecia uma festa. Rodrigo estava logo ao seu lado, nem sequer permitia distrações, falava com a garota sempre que podia. — Não precisa me deixar preso em um monólogo. Júlia. Casais discutem. — Sim, discutem. Mas você se comportou como um tirano e sabe muito bem disso. Não quero me casar para ser prisioneira de ninguém. — Você está exagerando. Eu apenas me preocupo com você, como todo marido deve se preocupar com a esposa. — Eu ainda não sou sua esposa, Rodrigo. E posso acabar desistindo de ser, caso você continue me tratando como se fosse o seu bichinho de estimação. — Não seja injusta comigo, eu faço de tudo para te agradar. Até pensei na hipótese de te deixar trabalhar. Não na fábrica, mas na contabilidade de algo menor. — Você pensou em deixar?— Perguntou Júlia, com ironia. Cada vez era mais dificil não comparar, a diferença entre Thomas e Rodrigo era gritante. — Se você merecer, sim, mas precisa ser uma boa menina. Júlia estava prestes a dizer algo, quando a sua sogra, percebendo que estava prestes a desenrolar uma discussão, interferiu na conversa dos dois. — Já pensaram em como querem a casa nova?— Perguntou Clarice, que estava sentada de frente para o casal, do outro lado da mesa. — Eu ainda não pensei a respeito.— Respondeu Júlia, seca. — Como não pensou? Falta menos de três meses para o casamento.— Criticou Clarice. Anastasia, que estava logo na diagonal, também não deixou de prestar atenção. — A Júlia está pensando na festa. É natural que uma noiva queira perfeição no dia mais importante da vida dela. Os outros detalhes vêm depois.— Rebateu Anastasia. Clarice utilizou de um outro argumento para discordar da sogra de seu filho. — Júlia, será que podemos conversar a sós? Preciso muito te dizer algo.— Pediu Rodrigo. Diante da educação pouco costumeira de seu noivo, Júlia acabou aceitando a oferta. Eles foram até a varanda da propriedade, ali poderiam conversar a sós. — O que temos de tão importante para conversar?— Perguntou Júlia, apoiando-se no parapeito. — Sabe muito bem, Júlia… Eu não engoli o seu sumiço dessa tarde. Eu só espero que não esteja pintando os canecos comigo… — Se formos começar por esse caminho, eu vou voltar para o jantar e dar a conversa por encerrada.— Alertou a moça, impaciente. — Viu? É disso que estou falando. Antigamente você não era tão respondona. Você tem que me respeitar, Júlia, em breve serei seu marido. — Eu não me sinto respeitada por você, Rodrigo. E quer saber por que ando respondona? Porque eu estou cansada desse assunto repetitivo. — Você anda se achando muito batuta com essas suas ideias progressistas, mas vai acabar caindo do cavalo. Se encho suas medidas por isso é porque me preocupo com você. — Deveria se preocupar com a minha felicidade, deveria me apoiar. É isso o que um marido deveria representar para uma esposa. — Eu te falei na mesa do jantar que estava cogitando a hipótese de te deixar trabalhar… — Cogitando a hipótese de me deixar trabalhar.— Júlia o interrompeu.— Viu? É disso que estou falando! Uma mulher não deveria passar do pai para o marido como se fosse um objeto. Eu sou humana, Rodrigo. Tenho sonhos, aspirações, desejos… E eu desejo mais do que ser a mãe ou esposa de alguém. Eu estudei muito durante quatro anos para ser a melhor na minha profissão, fiz até um bom estágio com uma professora minha, a única mulher contadora que já conheci. — Querida… Falamos isso para o seu bem. Mulher não foi feita para mexer com números ou qualquer outra coisa que seja fora de casa… — Viu? Começou errado outra vez. Nós nunca vamos nos entender, Rodrigo, sabe por quê? Porque você pensa como as pessoas de mente quadrada daqui de Aventine. — Esses livros que você andou lendo que te corromperam. Se continuar assim, Júlia, você vai acabar pagando as consequências disso. As coisas são como são, homem é homem e mulher é mulher, isso nunca vai mudar. — Como não? O mundo está em constante mudança, basta olhar para trás, basta olhar a história dos nossos antepassados. Antigamente as mulheres não podiam votar, desde 32 nós podemos. Até o meio do século 19 uma mulher sequer podia frequentar um colégio, menos ainda uma faculdade. O mundo ainda vai mudar muito, Rodrigo, e eu verei homens como você caindo do cavalo. Rodrigo respirou fundo, constatando que aquela conversa era realmente inútil. — Olha, tudo bem. Não concordo com seus pensamentos e posicionamentos, mas por amor a você, posso abrir mão de alguns conceitos que tenho. Eu quero ficar bem com você, Júlia…— ele ergueu uma das mãos, em seguida, acariciou as mechas douradas do cabelo da jovem.— Eu amo você… E se esse capricho de trabalhar fora… — Alto lá.— Júlia o interrompeu.— Não é um capricho, é um ideal. — Certo, certo. Se é tão importante para você trabalhar fora, terá a minha permissão. Quero realizar todos os seus sonhos…— ele levou o polegar para o queixo da jovem, em seguida, acariciou o lugar.— Quero te fazer muito feliz.— O homem aproximou o rosto do dela ao sussurrar. Rodrigo a beijou com voracidade, suas mãos agarrando a cintura esguia e puxando a jovem para si. Ele a pressionou contra o seu corpo enquanto a devorava, Júlia estava em pânico para se livrar dele. Com muito empenho, ela conseguiu se afastar. — Controle-se, Rodrigo. Toda a minha família está logo à frente. Você ainda não é meu marido para tomar essas liberdades.— disse a garota, antes de se afastar. Rodrigo a observou adentrar a casa, mas continuou do lado de fora, pensativo. Clarice, que estava observando tudo, surgiu logo atrás dele. — É… Ela está mesmo difícil de dobrar.— Comentou a mais velha. — Não estou gostando nada disso, mamãe. Ideias estão passando por minha cabeça. — Quais ideias?— Perguntou Clarice, chegando ao lado dela. — E se a Júlia estiver apaixonada por outro homem?
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