A breve mudança

2061 Words
Davi não estava nada tranquilo com aquela ideia mirabolante que passava na cabeça do Rodrigo. Inquieto, Rodrigo não conseguia pensar em nada mais do que o noivado com a Júlia, para que depois, pudesse colocar em prática o seu plano mais importante. — Sabe que isso pode dar muito errado, o tiro pode sair pela culatra.— disse Davi, inquieto, caminhando de um lado para o outro no amplo espaço da sala de estar do Rodrigo. — Não me encha as medidas, Davi. Depois que assumimos compromisso diante de toda a sociedade de Aventine, duvido muito que a Júlia queira atirar a reputação na lama. É muito f.eio para uma moça desmanchar o casamento logo após o noivado, passa instabilidade, nenhum homem irá querer ficar com ela.— Rodrigo, bem acomodado em sua poltrona confortável, apenas se espreguiçou. — Está subestimando muito a Júlia. Sabe que ela não é nada convencional. Desculpa, meu amigo. Mas acho que a qualquer momento você pode entrar em uma sinuca de bico. Rodrigo lançou um olhar fulminante para o Davi, já estava incomodado com o pessimismo do amigo. — Eu sei o que estou fazendo, Davi. — Se metendo com aquela família mafiosa? Já imaginou se aquele c***a der com a língua nos dentes… — Aquilo lá é um Jeca Tatu, acha mesmo que tem alguma chance contra mim? Eu sou um advogado, Davi. — Todo mundo te viu em público com ele, Rodrigo. — Todo mundo me viu falando com ele publicamente, mas ninguém sabe o tema da conversa. Inclusive, isso será útil para os meus planos.— Rodrigo arqueou o canto da boca em um sorriso perverso. — Diga de uma vez o que pretende fazer, papagaios. — Espere e já verá.— Com um único impulso o Rodrigo ficou de pé.— Vamos? — Para onde vamos? — Você pergunta demais, meu caro.— Rodrigo deu duas tapinhas no ombro do outro, antes de se afastar para a porta que dava até a área de fora do casarão. Davi, sem outra alternativa, foi atrás dele. Os dois caminharam alguns minutos até chegaram na fábrica, Eugênio já estava lá, a todo vapor. Parecia nervoso com alguns negócios que estavam demorando para serem fechados e já pretendia passá-los para Thomás, visto que o mesmo tinha um talento nato para aquelas ocasiões. — Que bom que chegou, Rodrigo, porque minha cabeça já está um turbilhão. — Sinto muito, Eugênio, mas vim trazer más notícias que deixarão a sua cabeça um turbilhão ainda p.ior.— Rodrigo respirou fundo, em seguida, lançou um olhar fúnebre para Davi, esperando solidariedade do amigo. Davi retribuiu ao olhar, embora que, por dentro, estivesse prestes a entrar em combustão. — O que está havendo?— Perguntou Eugênio, preocupado. — Que os Messina estavam nos cercando você já sabia, mas hoje, Francisco Messina foi até o bar de Aventine para me dar um aviso… — O que?— Eugênio arregalou os olhos, incrédulo. — Ele ameaçou iniciar uma guerra contra os Santiago e como futuro marido da Júlia, eu também faço parte da ameaça. — Cretino…— Eugênio deu um soco contra a mesa. — Precisamos nos adiantar, Eugênio, eles podem atacar a qualquer momento. — Adiantar em qual sentido?— Perguntou o mais velho. — Adiantar o meu casamento com a Júlia para que possamos nos afastar de uma vez de Aventine. — Não vamos fugir da guerra, Rodrigo. Se os Messina querem nos atacar, que tentem. Muitos deles também morrerão. — Pense, Eugênio. As mulheres e as crianças precisam estar a salvo, temos que garantir o bem-estar dos futuros herdeiros da fábrica. Além disso, elas precisam de alguém para protegê-los… Eu não sou um Santiago, posso garantir a retirada de todos Rose parecer um covarde por “ estar fugindo”. — Hum…— Eugênio parecia pensativo, mas estava inclinado em concordar. — Todos na whiskeria viram quando o c***a chegou. Ele veio diretamente até nós, como se estivesse com a mira em um alvo.— disse Davi, após levar uma cotovelada do amigo. — Mais tarde farei uma reunião de família, precisarei que os dois compareçam. De fato, não há alternativa, teremos que adiar o seu casamento com a Júlia.— disse Eugênio para Rodrigo. … — Papagaios, você não pode estar falando sério.— Murmurou Soraia, caindo sentada em uma das poltronas do quarto de Júlia. Júlia, que até então estava apoiada no parapeito da varanda de seu quarto, se voltou para onde estava a sua amiga. — Acha que eu brincaria com algo tão importante? Agora não tem mais volta, Soraia, é batata! Eu sou a mulher do Thomás. — Você m.al conhece o tal Thomás? Como pode amar uma pessoa quacabou de chegar na sua vida? Ficou maluca? — O amor não tem explicação, Soraia. Além do mais, eu acredito em outras vidas. A sensação que eu tive quando vi o Thomas pela primeira vez… Era como se eu o conhecesse de uma vida inteira e ele também sentiu isso. — Ou apenas disse isso para te levar para a cama e foi o que conseguiu. — Se continuar, eu não te conto mais nada.— Júlia apontou o dedo em riste para a outra. — Eu estou pensando no seu bem. Você as vezes acha que é a personagem de algum livro de romance ou das radionovelas… Na vida real as coisas são desastrosas. Você está noiva do filho do prefeito, Júlia. Se ele sonhar… — Pouco importa, Soraia. Final de semana, durante a festa, eu vou fugir com o Thomás. — Já imaginou se algo der errado? Já imaginou se ele só estiver te enganando e não fugir com você? — As vezes eu acho que você gosta mesmo de me sabotar. — Não diga isso, Júlia. Eu levanto essas hipóteses porque sou sua amiga e me preocupo com você! Você não está sendo a garota racional de sempre, está agindo como uma cabeça de vento. Júlia estava prestes a retrucar a amiga com algo grosseiro, quando Patricia adentrou o quarto. A mulher logo percebeu um clima tenso entre as duas amigas, por isso, foi direto ao ponto. — Julinha, melhor não sair hoje. O seu pai quer fazer uma reunião de família no jantar e todos teremos que estar presentes. — Tudo bem, Patricia, eu não vou sair hoje.— ela respirou fundo, tornando a caminhar até a varanda. — O que está acontecendo aqui?— Perguntou Patricia, olhando de uma para a outra. — Eu já estou de saída.— disse Soraia, contrariada. A garota logo pegou as luvas e a bolsa que estava sobre a mesa de chá e caminhou para fora do quarto da amiga. — Júlia, por que vocês brigaram? Soraia e você são amigas desde o dia em que nasceram e nunca chegaram as vias de fato. — Apenas estou farta do pessimismo da Soraia. Ela nunca amou ninguém e se contenta em ser noiva do rastaquera do Davi. Ela acha que eu estou sendo exagerada e precipitada por amar uma pessoa que acabei de conhecer. — Querida, razões do coração não tem mesmo explicação. Mas eu acho que a sua amiga só se preocupa com você, porque quem está de fora consegue enxergar quando uma pessoa está indo com muita sede ao pote. — Você também não amava o seu marido. — Mas eu conheci o maior amor do mundo. Um amor que você ainda não conheceu. Ouça, querida, sei que nossa diferença de idade não é tanta, sou apenas doze anos mais velha que você, mas se de algo serve a minha experiência… Não se anule para o amor, mas seja racional, não jogue tudo para o alto , não haja sem pensar ou pode se arrepender. — Seja mais clara, Patricia. Está querendo dizer que eu posso me decepcionar com o Thomás, não é? Também acha que ele só quis se aproveitar de mim. — Não posso dizer nada com certeza porque não o conheço. Além do mais, se ele veio aqui atrás de trabalho, não iria querer arranjar problemas justo com a filha do chefe, a menos que… — “A menos que” o quê?— Perguntou Júlia, parecendo impaciente. — A menos que ele esteja de olho na fortuna de seu pai, ou até de algo mais importante que não temos conhecimento. — Pode achar o que quiser, Patricia. Eu sei que o Thomás me ama e ele jamais me trairia com coisas do tipo. Eu confio nele com a minha vida. — Nunca confie a sua vida á ninguém, Júlia, ou você pode ter uma surpresa. Durante toda a tarde as palavras pessimistas da Soraia e da Patricia assombraram Júlia. A moça achou melhor ocupar a cabeça com o único que conseguiria ajudá-la a fugir da realidade naquele momento: uma boa leitura. No jardim de sua casa, o lugar mais silencioso dela, Júlia se isolou para ler uma obra de Monteiro Lobato. Jeca Tatu era um personagem criado por Monteiro Lobato que representada a realidade de vida do trabalhador rural em 1914. Ele criou aquela obra após herdar a fazenda do avô e morar nela por um tempo. Júlia ficava fascinada com as críticas sociais voltadas principalmente para o poder público brasileiro. Aquela obra a fazia lembrar de Thomas e do senso de justiça que ele sempre mostrou ter. Na verdade, tudo fazia com que Júlia lembrasse de Thomas. A moça foi surpreendida por uma mão grande que pousou sobre seu ombro. — Rodrigo!— disse a mesma, após se levantar em um sobressalto. — Desculpe, meu amor, não quis te assustar.— ele lançou um rápido olhar para a mão dela.— Você estava lendo Jeca Tatu?— ele fez uma careta. — Gosto muito do autor e da obra. — Perda de tempo… Isso é livro de comunista. Não sei como Vargas não proibiu esse absurdo quando estava no poder. — Uma coisa não tem nada a ver com a outra. As diferenças sociais existem, as injustiças, a desigualdade… — Ah, meu amor. Isso é ladainha para pobre preguiçoso, você é mais inteligente do que isso. Júlia respirou fundo, de fato, não estava com a mínima paciência. Rodrigo se aproximou dela, uma de suas mãos tocou uma mecha dourada dos cabelos da mesma. — O que você faz aqui? Veio me ver?— Júlia desviou o olhar do dele. — Eu sempre quero te ver.— ele segurou o rosto dela com as duas mãos, em seguida, pousou um beijo em seus lábios.— Mas dessa vez, vim para a reunião de família. Júlia apenas arqueou uma das sobrancelhas. Por mais que Rodrigo fosse seu noivo há anos, ainda não era oficialmente da família. E nem seria, já que ela fugiria com Thomás. — Bom, então vamos porque já vai começar e você melhor do que ninguém sabe que o papai odeia esperar.— Júlia tentou se afastar, mas Rodrigo a puxou pelo antebraço. — Ei, calma… Antes venha cumprimentar direito o seu noivo. Nunca mais tivemos um tempo decente a sós.— ele a puxou novamente, pressionando-a contra si. Seus lábios estavam bem próximos aos dela. — Rodrigo, por favor… — Shhhh.— ele esfregou lentamente os lábios sobre o dela. Júlia retesou todo o seu corpo, tinha pavor sempre que ele se aproximava dela daquela forma. Rodrigo era um homem lindo e com um cheiro maravilhoso, mas não era Thomás. Após ter sido mulher do Thomás, Julia não suportava ser tocada por nenhum outro homem. Mas, diante de todos, ele ainda era o noivo dela e Júlia não podia ter nenhum comportamento suspeito. Rodrigo apertou fortemente a cintura esguia da moça, o tórax largo e rígido pressionando os s.eios médios e bem desenhados da garota. Ele invadiu a boca dela com a língua e prolongou aquele beijo faminto. Júlia tentou retribuir, por mais que quisesse gritar ou fugir. Quando as mãos dele começaram a descer pela cintura, Júlia achou que era a hora certa de recuar. — Chega, Rodrigo, chega. Ainda não somos casados. — Em breve seremos, Júlia. Mais breve do que você imagina.— O homem deu uma piscadela antes de se afastar. Júlia sentiu um estranho arrepio na espinha com aquele comentário. Seu sexto sentido indicava que nessa reunião familiar sairia alguma informação que, de certa forma, poderia estragar os seus planos com Thomás.
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