Sob domínio

1924 Words
Tom acabou se empolgando nas doses de uísque, enquanto refletia. A princípio estava prestes a quebrar o rádio, mas depois, as vozes dos personagens da radionovela serviam apenas para preencherem com algum som, o silêncio ensurdecedor que ocupava a sala de estar do apartamento de solteiro no qual estava hospedado. Primeiro, ele praguejou. No ínicio da década de 40, com o surgimento das radionovelas e a participação do Brasil na segunda guerra mundial fez com que os bons cantores perdessem o protagonismo nos rádios. Depois dos insultos, ele deu uma risada alta ao pensar naquele paradoxo do" silêncio ensurdecedor". Ao menos tinha pensado em qualquer outra coisa que não fosse Sofia. Os seus sentimentos por aquela garota pareciam ser fruto de um feitiço perigoso.Por que diabos estava assim? Tudo aconteceu de forma inusitada, rápido demais. Tom nunca se apaixonou daquela forma por uma mulher. O que mais o preocupava é que estava a perder o foco da sua missão. Ainda não tinha conseguido sequer ver uma fotografia da tal Júlia Santiago. Eugênio não deixava nenhuma pista no seu escritório e pelo que parecia, sequer deixava a moça colocar os pés para fora de casa, seria um tanto difícil chegar perto dela. Provavelmente todos os envolvidos naquela tramoia deveriam ter os mesmos medos e cuidados, assim como o pai da Sofia. E lá estava ele pensando novamente na Sofia. Quão perigoso seria se envolver com ela? O pai da moça trabalhava para Eugênio Santiago, fora que, ela seria mais uma vítima daquela guerra. O mais sensato seria dar um basta naquela história antes que acontecesse uma tragédia. Mas quem disse que Tom tinha o poder de colocar um ponto final naquilo? – Eu não esperava isso... Você é a última pessoa da qual eu poderia me apaixonar. A voz irritante de Luísa Cunha da novela " Amor perigoso" tirou Tom de seu estado de transe. – Laços de sangue nos unem por mais de uma geração inteira. Muitos dos seus mataram muitos dos meus, e é exatamente por isso que vim aqui, para vingar o sangue que a sua família derramou da minha.– Rebateu Horácio, o personagem principal. Tom revirou os olhos, já estava farto de ouvir aquela baboseira. Ele ficou de pé e caminhou na direção do rádio – A missão que você tanto falava... Era eu?– Perguntou a garota entre soluços. – Você é a encomenda que eu preciso entregar. – Então você vai ter que decidir Honório. Ou você puxa esse gatilho e me dá um tiro no coração, ou você me beija e esquece… Esquece que nascemos para odiarmos um ao outro. Tom não suportou continuar ouvindo aquela baboseira, com um único tapa ele desligou o aparelho. Se aquilo fosse na vida real, a tal Luísa estaria a sete palmos do chão. Ele jamais abriria mão de algum compromisso por amor. Algumas coisas não são possíveis de recuar. Tom tinha certeza de que jamais se apaixonaria pela tal Júlia. Primeiro, porque havia conhecido Sofia e não conseguia deixar de pensar nela. Segundo, porque jamais conseguiria amar uma moça cujo DNA levava o mesmo material genético dos assassinos que durante gerações dizimaram a sua família. Jamais se encontraria no lugar do tal Honório. Pouco tempo depois, Tom voltou para o seu uísque, mas logo recebeu uma ligação. – Alô?– Perguntou, impaciente. A telefonista falou algumas palavras antes de transferir a ligação. Ele estava bêbado e irritado com a confusão que se encontrava a sua cabeça. – Mas que diabo... Estou tentando falar com você há meia hora.– disse Matt, do outro lado da linha. – O que você quer?– Perguntou Tom, com a voz embolada. – Como assim " o que eu quero'? Eu quero respostas. Esqueceu que foi para Aventine por uma razão específica? Ou melhor, para uma missão especial. – Como eu esqueceria? Afinal, quem tem que matar Jane... Jane não, Júlia Santiago, sou eu...IC...Apenas eu. – Você está embriagado, seu pulha?– Perguntou Matt, irritado. – Cuide da sua mulher… IC… E pare de dar tanta atenção as p.rostitutas do bar.– Tom esboçou um sorriso largo ao imaginar Matt vermelho como um pimentão. O homem estava sucumbindo de raiva. – Tente urgentemente se aproximar da Júlia, seu bêbado cretino. – Como? Se nem sequer competência vocês tiveram para conseguir um retrato dela. Nem mesmo conheço o rosto da moça. – É por isso que você está infiltrado na empresa do pai dela, carambolas. A menina vive escondida, ninguém nunca a viu. Soube que até passou uns anos estudando fora de Aventine. Acredito que o maldito Eugênio deve viver com medo da vingança. Ele sabe que a filha é um blanco fácil. – IC.– A resposta do Tom foi um soluço. – Ah, por Deus. Toma um copo de água, não dá para conversar com você desse jeito. Ouça, tente lembrar de algo que pode ser útil. Uma festa, talvez... – O noivado...IC... O noivado da moça, da Júlia, com o filho do prefeito. – Ótimo. Não sei como você vai fazer, fratello. Mas tente ser convidado para essa festa. Não terá outra oportunidade de estar tão perto da garota. – Vai ser um tanto trágico, não é? Uma moça tão jovem que morre no dia do noivado. – Isso não é problema seu. Você foi para Aventine com o próposito de fazer uma encomenda. Trate de parar de pensar nessa tal Sofia e foque na Júlia Santiago.– Em seguida, Matt encerrou a ligação. Como não teve a oportunidade de responder o irmão mais velho com algum desaforo, Tom descontou a sua revolta na garrafa de uísque, que já estava no final. Ele agarrou o gargalo e a atirou contra a parede de cor creme, manchando-a por inteiro. Sua respiração ainda estava ofegante quando ele se atirou no sofá. Amanhã limparia tudo. ... Já era hora do jantar quando Júlia chegou em casa, o seu pai estava com cara de poucos amigos. À mesa estava uma tia que não via há sete anos e graças a ela, foi que Júlia não levou um belo de um castigo. Como de costume, Eugênio, como o chefe da família, ocupava a ponta da mesa. Em cada lado vinham Arthur, o primogénito, e Gabriel, o do meio. As mulheres e as crianças ficavam espalhadas pela mesa. Ao total tinha: Anastásia, a esposa de Eugênio e mãe dos seus três filhos; Theresa e Christina, noras de Eugênio e Anástia (inclusive a Theresa, esposa do Arthur, estava grávida do terceiro filho dele). As crianças estavam em cinco: dois meninos que eram filhos do Arhut e um casal de filhos do Gabriel. Próxima das crianças estava Patrícia, irmã caçula de Eugênio que havia decidido passar uma temporada em Aventine. – Eu já te disse que não te quero na rua depois das seis.– Proferiu Eugênio, assim que a jovem acomodou-se na mesa. – Eu estive com Soraia. Fomos fazer compras e em seguida paramos em uma casa de chá.– Justificou Júlia. – E aonde estão as sacolas?– Eugênio arqueou uma das sobrancelhas, questionador. Júlia engoliu em seco, mas tentou não ser tão aparente em seu desespero. – Apenas a Soraia comprou alguns sapatos e pó para o rosto. Eu não comprei nada. – E por que não?– Perguntou Eugênio, ainda questionador. Anástasia apenas olhava para a filha, também assustada. O maior medo da mulher é que a rebeldia da filha acabasse resultando em uma boa surra. – Ah, meu irmão, não passe um sabão na menina. Aconteceu o mesmo comigo hoje a tarde, não encontrei nada bonito no centro. Tenho certeza que a Julinha vai gostar mais do que trouxe para ela de Paris. A jovem esboçou um sorriso largo em resposta da defesa da tia. – Que seja a última vez. Não quero você em casa depois das seis da tarde. Júlia chegou a abrir a boca para retrucar, mas levou uma cotovelada da tia. – Sim, senhor, meu pai. Não irá se repetir. – Vou pedir que a empregada sirva o jantar.– disse Anastásia, ficando de pé logo em seguida. Depois da comida, Júlia foi imediatamente para o quarto, na companhia de Patrícia. – Eu não aguento mais isso. Eu me sinto sufocada constantemente.– Resmungou Júlia, assim que entrou no seu quarto. – Em maio você estará casando. Logo sairá do domínio de seu pai. – Sim, e vou ficar sob domínio do meu marido. – Você não está apaixonada por seu noivo, está? A sua mãe me disse que ele é o melhor partido da cidade. – O meu noivado com o Rodrigo é uma transação comercial com o meu pai. A verdade da verdade, é que eu sempre achei prematuro me casar agora. – Você já está com vinte e três anos, Júlia. Está na idade de casar e formar uma família. – Você não pensa em casar de novo, não é, Patrícia? Embora levasse uma grande amargura e tristeza profunda nos olhos, Patrícia era apenas doze anos mais velha do que Júlia, tanto que, por serem tão próximas, Júlia sempre a tratou pelo nome. A mulher apenas respirou fundo. – Depois do que me aconteceu, eu já não sirvo para me dedicar a um marido. – Você ainda é tão jovem, tão bonita, tão cheia de vida... – Cheia de vida, Júlia? Eu estou morta por dentro. Eu só estou aqui, ainda, porque não tenho coragem de tirar a minha própria vida. – Não diga isso, Patrícia. Não diga isso nunca mais. – Quando você tiver filhos vai conhecer o que é o amor de mãe. Eu só espero do fundo do meu coração que não tenha nunca que me entender. Não existe nada p.ior no mundo, não existe nenhuma dor que supra a dor de perder um filho.– Lágrimas escorreram involuntariamente pelo canto dos olhos escuros e sem vida da mulher. Júlia prontamente envolveu a outra em um abraço confortador. – Olha... Se o meu conselho serve de algo... Seja feliz enquanto pode.– Patrícia afastou a sobrinha para olhá-la nos olhos. – Eu vou seguir.– Júlia levou as pontas dos dedos para o rosto da outra, secando o liquido que se acumulava ao redor.– Eu acho que estou apaixonada por outro homem. Ela confiava o bastante na outra mulher para torná-la sua confidente. – Júlia...– Patrícia arregalou os olhos. – O nome dele é Thomas. Ah, ele é um colosso, você precisa ver. Bom, o porém é que ele é advogado da fábrica do meu pai. – Se o teu pai descobre te dá uma boa coça. Por bem menos do que isso ele já fica tiririca. É muito arriscado, Júlia. – Eu não contei para ele de quem sou filha e disse que me chamo Sofia. – Você não vai conseguir sustentar essa mentira para sempre. – Eu sei, mas por enquanto é o que posso fazer. Amanhã irei me encontrar com ele, no mesmo horário que escapei hoje. Me ajuda, Patrícia, por favor. Se eu fingir que estou com você... – Eu preciso pensar, Júlia. É arriscado demais, eu nem sequer sei quem é o tipo. – Por favor, Patrícia. Eu prometo que não farei nada irresponsável, vamos para a sorveteria da vila. Patrícia respirou fundo, os olhos convincentes de sua sobrinha a induziam a dizer " sim". – O que você tem em mente?– Perguntou Patrícia, não muito animada. Júlia bateu palmas em comemoração, antes de puxar a outra para um forte abraço.
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