Tessa ficou surpresa ao se pegar pensando no beijo que ganhou do Carlos. Tinha certeza que estava revirando a cabeça dele, mas não fazia sentido que ele revirasse a sua também.
Ela era completamente apaixonada pelo Bruno e foi justamente por isso que aceitou aquele plano desastroso.
Durante toda a noite ela repetiu para si mesma que era do Bruno que gostava. Mas não teve como evitar ficar comovida com a proposta do Carlos em querer publicar um dos livros dela.
O problema é que Tessa nunca chegou a completar um livro. Tinha ideias extraordinárias, mas nunca chegava no capítulo final.
Em outro momento ela se dedicaria a isso. No momento, tudo o que precisava era enredar o seu chefe. E mais difícil ainda seria que driblar um grande obstáculo.
Lucinda Von Stein era uma concorrente à altura. Não pelo fato de também ser linda - não tão atraente quanto Tessa, mas linda-, contudo, ela era esperta e perigosa. Bastava falar com jeitinho que Hans, seu pai, movia o mundo para ela.
— Eu preciso que você faça a ligação para o doutor Alfred, o diretor de finanças que o Carlos contratou.— Lucinda adentrou a cabine da Tessa como um furacão, sem sequer pedir licença.
A outra piscou os olhos algumas vezes, confusa. Havia parado no tempo, mais uma vez comparava o Bruno com o Carlos e tentava se convencer de que era apaixonada pelo primeiro.
Talvez fosse mesmo melhor prestar mais atenção no trabalho.
— Sim, eu farei.
— Também precisarei que faça outras chamadas aqui. Já que você é a chefe das telefonistas e que é tão capacitada quanto todos falam, imagino que não seja nada do outro mundo.
— E se fosse, eu gosto de desafios.— R n espondeu Tessa, não se deixando intimidar.
Lucinda a olhou de cima para baixo, com desprezo.
— Pode começar com a primeira ligação. Faça uma intermediação para a Sabrina, minha secretária. Inclusive, ela vai te trazer os outros números para você telefonar.— Lucinda deu de ombros com o rosto altivo e o olhar superior.
Tessa bufou, entediada.
Lucinda faria de tudo para tornar a vida da outra impossível, mas Tessa descobriria algum ponto fraco. Toda moça bem nascida e de família tradicional tin algo a esconder.
Assim que deixou a cabine das telefonistas, Lucinda foi imediatamente para a sala do Carlos, ele parecia pensativo.
— Caham.— A mulher pigarreou.
Ele voltou-se para ela, também parecendo confuso, assim como Tessa.
— Eu estava organizando as contabilidades da empresa. Vi que algumas de suas contas pessoais estavam misturadas com as contas da telefonia.— Comunicou Lucinda, adentrando a sala ao falar.
— O outro contador deve ter misturado.— disse o homem, evitando manter contato visual com a Lucinda.
Ele sabia dos interesses da moça em relação a sua pessoa e a evitaria ao máximo.
— Então que bom que eu estou aqui, porque gosto de tudo muito bem organizado. Não é bom misturar dessa forma, você pode sair no prejuízo.
— Eu concordo.— Carlos começou a prestar atenção em um quadro velho que tinha na sua parede.
— Desculpa, mas eu percebi que você investe dinheiro em um restaurante de comida árabe. Não sabia que tinha esses gostos exóticos.
— Sim, tenho.— Respondeu curto e grosso, sem querer prolongar a conversa.
Carlos ainda estava contrariado com a pressão que recebeu do pai da moça.
— Eu nunca experimentei comida árabe.
— Que pena.
— Você poderia me levar para conhecer. De repente, podemos ir no almoço.
— Eu não posso, já tenho compromisso.
— Vai almoçar com algum amigo?— Perguntou Lucinda.
Carlos a lançou um olhar desinteressado.
— Eu estou muito ocupado agora. Nos falamos em outro momento.
Ele voltou a concentração para a pilha de papéis que tinha na frente.
Lucinda saiu, em seguida, com o r**o entre as pernas.
Aquilo a deixou ainda mais irritada. Ela tinha certeza que a outra pessoa com quem Carlos iria almoçar era a Tessa.
Ela adentrou a sua sala como um vulcão em erupção. Sabrina que recém tinha terminado a ligação tomou um susto com a chegada repentina.
— Eu preciso que mantenha a tal Tessa muito ocupada e de preferência que ela não possa sair.
— Sim, senhora. E-eu já separei tudo o que ela precisa fazer. Todas as ligações, os telefones que precisam de reparo, treinamento para as novas telefonistas…
— Isso, ótima ideia.— Lucinda abriu um sorriso diabólico.— E se o encarregado da manutenção não vier… Melhor ainda, se uma das cabines não funcionar. Dessa forma, teremos menos telefonistas trabalhando e a supervisora não poderá se ausentar sob hipótese nenhuma.
— Mas a Tessa vai se ausentar no almoço?
— Acredita que o Carlos deixa os funcionários tirar uma hora de almoço? Isso não existe! Deveria ser como todas as outras empresas para aumentar a produtividade, no máximo permitir que comam enquanto trabalham.
— Será que algum dia vai existir descanso na hora do almoço
? Ou horas mínimas para se trabalhar no dia?— Se perguntou Sabrina, divagando.
Lucinda fez uma careta. Não estava gostando do comportamento estranho de sua funcionária.
— Vai logo fazer o que eu mandei, estrupício!
Sabrina levantou-se da cadeira com um pulo antes de deixar a sala nas pressas. Ela precisava encontrar o rapaz encarregado da manutenção.
— Vamos
ver se você ainda terá a sua companheira de almoço, Carlos.— Lucinda esboçou um sorriso malicioso.— Ou sou eu, ou não é ninguém.
…
Haviam passado algumas horas desde que Lucinda lencarregou Tessa da missão de telefonar para milhares de números diferentes. O pior era que sequer havia chegado na metade de suas funções diárias. O caos começou quando os fios de algumas cabines começaram a arrebentar e Tessa recebeu a informação de que o responsável pelo conserto não estava ali.
— Isso só pode ser um pesadelo. Justo hoje…— Resmungou Tessa para si mesma.
— E agora? O que vamos fazer para lidar com a falta das outras telefonistas?— Perguntou Heloísa, preocupada.
Tessa mordeu os lábios enquanto pensava.
De repente, um brilho de esperança surgiu nos olhos verdes da moça.
— Como não pensei nisso antes. O seu primo Maciel trabalha com consertos e manutenções.
— Bem lembrado.— Concordou Heloísa.
— Pode chamá-lo, mas não comunique ninguém da ideia, desconfio que isso possa ser uma armação da Lucinda. Enquanto você telefona, vou falar com o Carlos para avisar.
— Até já chama o patrão pelo primeiro nome.— Observou Heloísa sem aprovar a atitude da amiga.
— Nos tornamos muito próximos.— Tessa piscou para a outra antes de deixar a sala.
Ao caminhar pelo corredor, Tessa encontrou Lucinda conversando com sua assistente. Ela parecia bastante feliz com algo.
Tessa não se deixou afetar. Ela destinou para a outra o seu melhor sorriso e continuou a caminhar.
Lucinda ficou bastante intrigada com aquele comportamento.
— Eu acho que ela está aprontando algo.— Observou Sabrina.
— Vá atrás dela. Veja o que essa messalina está arquitetando.— Lucinda praticamente empurrou a outra.
Sabrina seguiu Tessa até uma parte de sua trajetória. Logo foi surpreendida quando Tessa desapareceu de repente, no outro corredor.
Sabrina olhou para os lados, confusa. Não havia nem sinal da mulher.
— Procurando alguma coisa?— Perguntou Tessa, surgindo atrás da outra.
Sabrina ficou pálida de susto.
Tessa se divertiu muito ao ver o medo nos olhos dela.
— A sua patroa te deu ordens para que me seguisse?— Tessa arqueou uma das sobrancelhas.
— N-não. E-eu estava…
— Não precisa se explicar. Pode voltar e falar para a Lucinda que eu estou indo atrás do Carlos. Já achei uma solução para o problema dos fios arrebentados, em breve as cabines voltarão a funcionar normalmente.
— O que vai fazer?
— Ah, querida. Um mágico não revela o seu truque.— Tessa soltou uma piscadela para a outra, antes de continuar com o seu caminho.
— Como foi que ela fez isso?— Perguntou Sabrina para si mesma, intrigada com o fato da moça desaparecer na sua frente e surgir logo atrás.
Tessa continuou a sua caminhada até a sala do chefe. Carlos já esperava por ela.
Ele a puxou para um beijo no momento em que ela entrou.
— Carlos, aqui não.— Entre risos, ela o afastou.— Eu vim te dizer que estamos com um problema.
— Já estou sabendo, a Lucinda me avisou. Inclusive disse que você provavelmente ficaria presa até mais tarde no trabalho.
— Eu já resolvi essa questão. Bom, espero que não se importe de pagar uma manutenção extra.
— Para poder ficar mais tempo com você? De forma nenhuma.— Carlos segurou a mão dela, em seguida, pousou um beijo no dorso.— Garota esperta, você pensou rápido.
— Não queria abrir mão do nosso almoço.
— Eu não deixaria que abrisse.
Tessa respondeu com um sorriso acanhado.
O primo de Heloísa conseguiu resolver o problema com os fios, aquilo deixou Lucinda furiosa.
Ela só não ficou mais furiosa do que quando passou em frente ao restaurante árabe e viu Carlos e Tessa no meio do almoço, rindo e conversando enquanto comiam. A cena era muito í.ntima, eles pareciam mesmo um casal.
O ódio de Lucinda apenas aumentou.
Por mais que a mulher se esforçasse, ela não conseguia se aproximar do Carlos. As tentativas foram muitas, mas ele sempre se esquivava.
Tessa tentou copiar todos os passeios que fez com o Bruno.
Levou Carlos para um piquenique no parque.
Levou Carlos para ler na natureza.
Levou Carlos para andar de barco, para o cinema, teatro e para cavalgar.
A cada semana que passava, como por feitiço, o homem parecia completamente encantado por ele.
Tessa era linda e inteligente, Carlos se sentia preso em uma teia. Como se livrar de uma mulher tão encantadora? As outras sequer faziam sombra perto dela.
Um dia, Lucinda simplesmente arriscou em ser mais radical, ela já não suporta aquela competitividade desleal
— Quanto você quer para estar longe do Carlos? Eu p**o o que for necessário.— Ofereceu Lucinda.
As duas estavam frente a frente, no meio do corredor.
Tessa era a primeira a chegar das telefonistas, assim a Lucinda, que passava grande parte da sua vida observando a outra, teve a oportunidade de conversar a sós com ela.
— Quanto você quer para ficar longe do Carlos?— ela agarrou o antebraço da Tessa ao repetir a pergunta.— E quando eu digo “ longe” é longe mesmo.
Tessa olhou rapidamente para a mão dela e deu um sorriso malicioso. Não se deixando intimidar, Tessa puxou o braço para trás com bastante força, fazendo o corpo da outra ir para a frente.
— Guarde o seu dinheiro para quem você pode comprar, Lucinda. Eu tenho interesses melhores do que ser sua cachorrinha, como a Vanúbia.
— Você é muito atrevida e não reconhece o seu lugar. Por menos do que isso eu acabei com mulheres insignificantes como você.
Tessa deu um passo para frente, se aproximando ainda mais da outra.
— Se eu fosse insignificante o Carlos não estaria louco por mim. Assim como qualquer outro homem.
— Vigarista, é isso o que você é.
— Você não me coloca medo, Lucinda. Tudo o que fizer contra mim voltará pior para você, não duvide. Eu acabo com a sua raça se você se meter no meu caminho.
— O que uma coitada como você pode fazer contra mim?— Lucinda esboçou nos lábios um sorriso desdenhoso.
— O seu dinheiro jamais vai comprar a minha beleza e a minha inteligência. Essas são as armas que eu preciso para acabar com você.— Tessa levou o seu indicador para a parte que ficava logo abaixo da clavícula da Lucinda, afundando-o como força ali.— Não duvide, porque se passar na frente eu te atropelo.
Lucinda permaneceu estática, incrédula com a coragem da outra. Ninguém nunca teve pulso o suficiente para enfrentá-la, nem sequer a filha do prefeito que era conhecida por ser geniosa e caprichosa.
Tessa soltou uma piscadela para ela antes de se direcionar para a sua cabine.
— Vamos ver quem ganha essa batalha, Tessa Bretonne. Você acabou de mexer com uma pessoa que é capaz de tudo para conseguir o que quer.
…
Laura estava muito entretida com suas leituras quando Vanúbia chegou.
A garota estava bem acomodada no banco de madeira que tinha na varanda de sua casa, sem se incomodar com o frio que repentinamente chegou junto com o anoitecer. Já havia escurecido e a julgar pelo monte de papéis que carregava, com certeza a mulher estava fazendo alguns dos serviços sujos que Lucinda mandava.
— Olha só quem está aí, o cão fiel.— Comentou Laura, sem tirar os olhos da página que lia.
— Eu não sei porque tem tanta implicância comigo, Laura. Eu sempre te tratei muito bem.
— Como posso respeitar uma pessoa que não pensou duas vezes em prejudicar a própria prima apenas para bajular a minha irmã?
— Ao menos poderia olhar para mim enquanto conversamos?— Vanúbia respirou fundo ao perceber que o seu pedido não teria efeito.— Eu devo muito a sua irmã, Laura. Foi graças a ela que eu consegui terminar os meus estudos e que consegui o meu emprego como supervisora. Bem… Não sou mais supervisora, já que a Tessa roubou o meu lugar na empresa…
— Foi bem merecido, eu tenho certeza. O que você ajudou a minha irmã a fazer com a Cecília ainda terá cobrança do destino.
— E quem te garante que a Cecília não se deitou mesmo com o João?— Vanúbia cruzou os braços.— Ela nunca foi flor que se cheirasse.
— A Cecília sempre foi uma moça de respeito. Ela amava o Carlos, jamais o teria traído. Graças a minha irmã e a você, Cecília precisou ir embora de Girassóis.
— Eu não sei do que você está falando. A Cecília traiu o Carlos com o João. Esqueceu que foi graças a isso que a tragédia aconteceu e o Carlos ficou perneta? Eu preciso te lembrar que a minha irmã por “ coincidência” fez o Carlos e grande parte da nata da nossa sociedade flagrar a Cecília com o João Muniz?
— Essa história aconteceu há três anos, Laura. Você sequer estava na festa.
— Acontece que eu lembro exatamente do que vi no dia anterior a festa.— disse Laura, relembrando o passado.
A memória da garota captou o exato momento em que ela ouviu vozes na sala de visitas de sua casa.
Seus pais haviam viajado, portanto, Lucinda aproveitou para levar João lá. No momento em que Laura conseguiu espiar pelas frechas da porta, a sua irmã mais velha entregava um saco de dinheiro nas mãos do homem.
— Isso é apenas uma parte do dinheiro. Amanhã, no aniversário da minha prima, quando você fizer o serviço, eu te p**o o resto.
— Como você vai fazer para o Carlos nos flagrar?
— Apenas se preocupe em colocar o sonífero na bebida da minha prima e em levá-la para a cama. O resto, pode deixar comigo.— Lucinda esboçou um sorriso perverso.
De volta a realidade, Laura lançou um olhar fulminante para Vanúbia.
— Pobre Cecília. Por infelicidade tem a Lucinda e a você como primas, duas cobras.
— Eu nunca tive nada contra a Cecília.
— Mas a Lucinda, sim. A Cecília tinha o amor do homem que a minha irmã ama.
— A Cecília traiu o Carlos e ponto final. Pare de inventar histórias.
— O problema, Vanúbia, é que você nunca aceitou ser a parte pobre da família. Ao invés de tentar crescer por conta própria, prefere se submeter a ser capacho da minha irmã.
— Você está começando a passar dos limites.— Murmurou Vanúbia, com os olhos cheios de lágrimas.
— Podem demorar mais três anos. Um dia, vou provar a todos que a Cecília é inocente. Quando isso acontecer, vocês duas é quem terão que sair da cidade. Podem esperar, isso está bem próximo de acontecer.— disse Laura, antes de ficar de pé e se retirar do lugar.